Acórdão nº 11749/2005-6 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 16 de Novembro de 2006

Data16 Novembro 2006
ÓrgãoCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa: 1.

J… e mulher M… intentaram a presente acção declarativa com processo ordinário contra Caminhos de Ferro Portugueses, EP, alegando, em resumo, terem sofrido danos de natureza patrimonial e não patrimonial em consequência da morte de sua filha M…, ocorrida em 25 de Novembro de 1994, pelas 18 h e 20 m, na Estação do caminho - de - ferro de …, devido à conduta negligente dos funcionários da ora Ré que não anunciaram com a devida antecedência o atravessamento daquela estação à velocidade aproximada de 100 Km/hora, pelo comboio rápido, circulando no sentido Norte - Sul.

Este comboio atropelou a M, quando ela efectuava a travessia da linha férrea pela passadeira ali existente para o efeito e pela retaguarda do outro comboio que a transportara até à mesma estação e do qual ela se apeara alguns minutos antes, provocando-lhe assim lesões esqueléticas e viscerais de tal modo graves que a morte lhe sobreveio no mesmo dia.

Pedem, por isso, que a Ré seja condenada a pagar-lhes a quantia global de 20.125.000$00, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescida de juros à taxa legal, a partir da citação.

Contestou a Ré, impugnando a forma como ocorreu o acidente, alegando que o atropelamento e morte da filha dos autores é exclusivamente imputável à culpa da vítima, a qual teria iniciado o atravessamento da passadeira de peões da linha férrea sem aguardar pela completa retirada do comboio donde se tinha antes apeado e numa altura em que este ainda a impedia de ver se se aproximava do local qualquer outro comboio na linha destinada à circulação dos comboios que viajam no sentido Sul - Norte.

A M… não teria depois sequer parado e olhado para o seu lado esquerdo (sentido donde provinha o comboio atropelante) antes de chegar ao meio da passadeira, havendo, pelo seu lado, o factor da estação de ... feito, por várias vezes, através dos muito potentes três conjuntos de altifalantes existentes naquela estação, o aviso sonoro da aproximação e passagem do comboio atropelante, sem paragem na referida estação e tendo, por sua vez, o maquinista do comboio atropelante buzinado por diversas vezes antes de entrar na estação de ..., só tendo avistado a vítima quando o comboio por si tripulado já se encontrava a escassos metros da passadeira onde esta se encontrava mas havendo, ainda assim, usado de imediato a frenagem de emergência, conquanto fosse já impossível evitar o acidente.

Conclui, assim, que não se verificam os pressupostos da responsabilidade civil da Ré ou dos seus funcionários, sendo a produção do acidente resultado da total falta de atenção, negligência e irresponsabilidade da menor que iniciou o atravessamento da passadeira de peões da linha férrea sem aguardar pela completa retirada do comboio donde se tinha antes apeado e numa altura em que este ainda a impedia de ver se se aproximava do local qualquer outro comboio na linha destinada à circulação dos comboios que viajam no sentido Sul - Norte, sem ter parado, ao chegar ao meio da passadeira, e olhado para o seu lado esquerdo (sentido donde provinha o comboio atropelante).

Quanto aos montantes peticionados, argumenta que são exorbitantes as quantias peticionadas a título de indemnização pela perda do direito à vida e danos morais dos pais e a quantia peticionada a título de indemnização pelas dores sofridas pela jovem não tem cabimento porque esta teve morte imediata.

Foi proferida sentença que julgou a acção procedente e provada, tendo a Ré sido condenada a pagar aos Autores a quantia de 20.125.000$00, acrescida de juros a partir da citação.

Interposto recurso pela Ré, o Tribunal da Relação julgou procedente o recurso e ordenou a sua repetição para reapreciação dos quesitos aí referidos cujas respostas foram anuladas.

Tendo-se procedido, de novo, a julgamento, nos termos ordenados pela Relação, foi proferida sentença, julgando-se procedente a acção, tendo a Ré sido condenada a quantia total de 20.125.000$00, a que corresponde € 100.383,08, acrescida de juros moratórios vencidos e vincendos até integral pagamento, contados desde 17/04/1996, sobre a quantia de € 19.951,92, (correspondendo a 4.000.000$00) e desde a data da presente sentença sobre a quantia de € 81.054,66 (correspondendo a 16.250.000$00), à taxa legal.

Não se conformando com a sentença, dela recorreu a Ré, tendo formulado as seguintes conclusões: 1ª - O regime que rege o caso dos autos é o da responsabilidade pelo risco (maxime o artigo 505º do CC) e não o do artigo 493º, n.º 2, do Código Civil, que nem sequer foi alegado pelos Autores e, segundo a ora Apelante, a sua responsabilidade seria excluída, dado o acidente ter sido imputável à própria vítima.

  1. - Da interpretação crítica das respostas aos quesitos n. os 22º, 28º, 29º, 31º, 33º resulta, segundo as regras da experiência, que a vítima não se certificou, como deveria, que podia atravessar sem perigo a via férrea, pelo que o acidente lhe foi imputável, ou, pelo menos, contribuiu decisivamente, numa percentagem apreciável, não inferior a 80%, para a sua produção.

  2. - De facto, a infeliz vítima iniciou o atravessamento da passadeira sem aguardar pela completa retirada do comboio donde se tinha antes apeado e numa altura em que este ainda a impedia de ver se se aproximava do local qualquer outro comboio na outra linha.

  3. - Acresce que as condições concretas da estação de ..., em 1994, em que a sentença alicerça a condenação da Ré - inexistência de passadeiras desniveladas - não são legalmente imputáveis à Ré, visto que a decisão de implementação de tipo de infra - estruturas era da responsabilidade directa do Estado, na altura concretamente atribuída ao Gabinete do Nó Ferroviário de Lisboa, organismo que gozava de personalidade jurídica e autonomia administrativa, criada pelo DL n.º 315/87, de 20 de Agosto.

  4. - Em todo o caso, essa situação é lícita, existente em muitas estações ferroviárias e o seu risco suprível, nomeadamente através da adopção de cautelas elementares pelos peões ao atravessarem a via férrea, cautelas essas que a infeliz vítima não adoptou.

  5. - Na altura, na estação de ..., houve ruídos que se sobrepuseram e neutralizaram - é a explicação para o facto da buzina repetida do comboio atropelante (cfr. conjugação das respostas aos quesitos 33º e 34º) poder não ter sido ouvida pela vítima, mas teria ainda assim sido possível à infeliz vítima evitar o acidente, se tivesse aguardado antes de atravessar para ter visibilidade sobre a segunda linha, como era exigível que fizesse.

  6. - A interpretação que foi dada na sentença às respostas aos quesitos não corresponde à interpretação que, face aos dados em presença e segundo as regras da experiência, seria a mais...

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