Acórdão nº 4661/2006-7 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 24 de Outubro de 2006

Magistrado ResponsávelROQUE NOGUEIRA
Data da Resolução24 de Outubro de 2006
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa: 1 - Relatório.

Na […] Vara Cível da Comarca de Lisboa, L. […] S.A., propôs acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra A.[…] SPA, alegando que celebrou com a ré, em 2/12/97, um contrato de agência, que vigorou até 31/12/98, mas que se renovou anualmente, na falta de rescisão, que, no entanto, veio a ocorrer em 22/9/04, sem que a ré tenha respeitado a antecedência de três meses relativamente à renovação do contrato.

Mais alega que, com tal conduta, a ré causou grande prejuízo à autora, tanto a nível de danos patrimoniais, danos emergentes e lucros cessantes, como a nível de danos não patrimoniais de imagem, devendo-lhe, deste modo, € 17.934,28 (construção de um corner), € 50.000,00 (produto modelo, inútil para venda), € 77.000,00 (publicidade autorizada e não recebida), € 125.158,19 (indemnização de clientela), € 130.000,00 (lucros cessantes) e € 100.000,00 (danos de imagem), o que perfaz o total de € 500.092,47.

Alega, ainda, que, devendo à ré o valor de € 200.127,23 de encomendas de produtos recebidos, fazendo-se a devida compensação, resulta um saldo favorável à autora de € 299.965,24.

Conclui, assim, que deve a acção ser julgada procedente e, em consequência, ser: a) reconhecida a ilegalidade da denúncia contratual da ré; b) a ré condenada a receber, a título de devolução, os produtos que a autora não conseguir vender por efeito da ilegal denúncia contratual; c) condenada a ré a indemnizar a autora pelos prejuízos causados por via da denúncia da agência, sem observância de pré-aviso e perca de quota de mercado (lucros cessantes); d) condenada a ré a indemnizar a autora por danos emergentes (corner ou «espaço dedicado», produto modelo, inútil para venda) e danos de imagem, que lhe foram provocados com a denúncia inadvertida do contrato; e) condenada a ré a indemnizar a autora pela clientela angariada por esta no âmbito da agência; f) condenada a ré a pagar à autora as despesas de publicidade por esta efectuada no âmbito da vigência do contrato de agência; g) admitida a compensação de créditos da ré sobre a autora, cujo saldo será a liquidar em execução de sentença, com a liquidação efectiva de todos os valores em referência nas alíneas anteriores, a saber b) a g).

A ré contestou, por excepção, alegando que o Tribunal de Lisboa é, manifestamente, incompetente para julgar a presente questão, já que as partes decidiram, livre e conscientemente, na cláusula 28ª do contrato invocado, reservar exclusivamente à jurisdição italiana a competência para a dirimir, com atribuição exclusiva ao Tribunal da Comarca de Verbania, inserindo-se o caso no âmbito de aplicação da Convenção de Bruxelas, conforme o seu art.1º, pelo que, deve a ré ser absolvida da instância.

Contestou, ainda, por impugnação, alegando que a denúncia do contrato, com pré-aviso e justa causa, resulta dos graves incumprimentos do contrato pela autora, pelo que, carecem de fundamento os pedidos de indemnização de clientela e de ressarcimento dos prejuízos feitos pela autora.

Em sede de reconvenção, alega que aqueles incumprimentos lhe causaram prejuízos, que deverão ser reparados pela autora.

Conclui, deste modo, que deve ser absolvida dos pedidos formulados pela autora, devendo esta ser condenada a reconhecer que a denúncia do contrato de agência é legítima e eficaz, porque feita três meses antes da data do seu termo (31/12/2004) e por justa causa, ou, se assim não for entendido, a reconhecer que a resolução do referido contrato foi por justa causa imputável à autora, e, de todo o modo, a pagar à ré a dívida já reconhecida de € 200.127,23 e a indemnização para ressarcimento dos danos emergentes e lucros cessantes, cuja liquidação remete para execução de sentença.

A autora replicou, alegando que a causa de pedir se prende com o incumprimento de um contrato totalmente executado em território português e que, encontrando-se a autora domiciliada em território nacional, é manifesta a dificuldade da sua deslocação ao estrangeiro para propositura e acompanhamento desta acção, o que confere competência ao presente Tribunal para o julgamento da causa, nos termos do disposto no art.65º, nº1, als.c) e d), do C.P.C..

Contestou, ainda, a autora o pedido reconvencional, concluindo que o mesmo deve ser julgado improcedente.

A ré treplicou, concluindo como já havia pedido na reconvenção.

Seguidamente, conheceu-se da excepção da incompetência do tribunal, tendo-se julgado procedente a excepção dilatória de incompetência relativa por preterição de pacto privativo de jurisdição, declarando-se a […] Vara incompetente para o presente pleito e absolvendo-se a ré da instância.

Inconformada, a autora interpôs recurso de agravo daquele despacho.

Produzidas as alegações e colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

2 - Fundamentos.

2.1. A recorrente remata as suas alegações com as seguintes conclusões:

  1. A decisão recorrida não se debruçou sobre a questão colocada, nem conheceu dos óbices levantados pela Recorrente à procedência da excepção alegada pela Recorrida, como era seu dever, pois escudou-se no argumento literal do artigo do contrato que entendeu encerrar um pacto atributivo de competência, não sendo o mesmo elemento suficiente de facto para a decisão proferida.

  2. Do ponto de vista do direito, foi pela decisão recorrida, em suma invocado o principio da autonomia da vontade das partes, no entanto, não foram convenientemente apreciadas todas as normas aplicáveis ao caso, bem como, não foram efectivamente especificados os fundamentos de facto que justificassem a decisão proferida, termos em que se verifica a nulidade da mesma prevista no artigo 668°, n.° l, alínea b).

  3. A recorrente apresentou no caso concreto, manifesta impossibilidade de efectivar o seu direito, caso a acção tivesse de ser proposta fora de Portugal, uma vez que é em território nacional que o contrato devia ter sido cumprido, e efectivamente foi durante vários anos executado, ou seja, existe intima ligação dos factos à ordem jurídica portuguesa, o que tudo ponderado implicaria pelo menos uma enorme dificuldade quer à recorrente quer à recorrida, quer de alegação e prova dos factos, quer ao Tribunal Italiano capacidade para os decidir.

  4. O próprio Tribunal Italiano não aceitaria julgar este caso, em função de ser confrontado com a necessidade de apreciar um contrato celebrado para vigorar noutro pais e onde se praticaram os factos que constituem causa de pedir na acção.

  5. Não existe interesse sério de nenhuma das partes em que atribuir a competência aos Tribunais Italianos, o que existe de facto é, por um lado um capricho da Recorrida, ou seja uma vaidoso exercício do poder dominante que tem na relação jurídica com a Recorrente e que claramente se adivinha pela circunstância que cada uma tem na mesma, a saber, agente e agenciado, ou seja vendedor versus produtor e criador dos produtos.

  6. Por outro, o que existe é uma inaceitável obstrução ao exercício dos direitos de defesa dos interesses legítimos da recorrente, na medida em que sabe a recorrida que à primeira é muito mais oneroso colocá-la em tribunal se o tiver de fazer em Itália, ou seja, muito provavelmente não o fará, o que justifica a colocação do pacto atributivo de competência no contrato, sendo compreensível a assinatura do mesmo, pois para a recorrente será uma oportunidade de trabalho ou nada.

  7. Ou seja, não existe verdadeira autonomia de vontade das partes, na contratação do teor do artigo 28 do contrato em causa.

Termos em que deverá o presente recurso ser julgado procedente por provado, na medida em que existiu clara insuficiência da matéria de facto alegada, bem como claro erro na interpretação e aplicação das normas ao caso concreto, pelo que deverá ser revogada a decisão recorrida e substituída por outra que ordene a não verificação da excepção de incompetência territorial do Tribunal a quo e ordene o prosseguimento dos autos para conhecimento da questão de mérito invocada.

2.2. A recorrida contra-alegou, concluindo nos seguintes termos: 1-Não existe no caso "sub judice" qualquer dúvida que nos encontramos perante um litígio privado internacional.

2-A ora agravante e agravada, decidiram livre e conscientemente no artigo 28 do contrato invocado reservar exclusivamente à jurisdição italiana a competência para dirimir a presente questão, com atribuição exclusiva, dentro da jurisdição italiana, ao Tribunal da Comarca de Verbania.

3-O pacto atributivo de jurisdição que está expresso no artigo 28 do contrato mostra-se celebrado com confirmação escrita por ambas as partes, de boa-fé e livremente, aliás, com aceitação expressa desse artigo 28.

4-O pacto atributivo de jurisdição...

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