Acórdão nº 7217/2006-5 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 24 de Outubro de 2006

Magistrado ResponsávelJOSÉ ADRIANO
Data da Resolução24 de Outubro de 2006
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Acordam na 5.ª Secção (Criminal) do Tribunal da Relação de Lisboa: (…) Todavia, o recorrente limitou o seu recurso às seguintes questões: - nulidade do acórdão recorrido, por omissão de pronúncia; - vícios da decisão recorrida, previstos no art. 410.º, n.º 2, do CPP: "insuficiência para a decisão da matéria de facto provada", "contradição insanável da fundamentação" e "erro notório na apreciação da prova"; - violação dos princípios do in dubio pro reo e da livre apreciação da prova (art. 127.º, do CPP); - violação dos arts 340.º e 371.º, do CPP; - Qualificação jurídica dos factos provados; - Aplicação do regime especial dos jovens, aprovado pelo DL n.º 401/82, de 23/09; - Medida da pena e suspensão da execução desta; - Pedido de indemnização civil.

***2. Analisemos: a)- Quanto à invocada nulidade do acórdão recorrido, por omissão de pronúncia.

Assenta tal invocação no facto de o arguido ter junto requerimento aos autos em 22/05/2006 (fls. 1061), no qual defende a inadmissibilidade, como meio de prova, das imagens obtidas mediante o sistema de vídeo-vigilância instalado no parque de estacionamento CPE Alto do Parque, onde o arguido trabalhava, não podendo as mesmas ser exibidas em audiência, já que se trata de prova nula.

Respondeu o MP e a assistente, defendendo esta que a eventual nulidade estaria sanada, já que não se trata de nulidade insanável. Ambos manifestaram, porém, a opinião de que a recolha de imagens e sua utilização como meio de prova, nas circunstâncias em que foram obtidas - em lugar público e com pleno conhecimento do arguido, o que implica o seu consentimento -, são condutas lícitas, não se tratando de meio proibido de prova, apesar da falta de notificação à CNPD, falta essa que só releva para a prática da respectiva contra-ordenação.

Por despacho de fls. 1107 (sessão da audiência de julgamento ocorrida em 7/6/2006), o tribunal remeteu para o acórdão a apreciação daquela questão. Neste, foi tomada a seguinte posição: «… a circunstância de o Tribunal não ter utilizado, como fonte probatória, as gravações constantes dos autos, torna despicienda a análise da legalidade ou ilegalidade da captação das mesmas».

Ou seja, resulta da fundamentação do acórdão recorrido, que o tribunal a quo tomou posição expressa, não valorando, como meio de prova, as aludidas imagens e explicando porque não valia a pena apreciar da sua legalidade, já que as mesmas se apresentavam totalmente irrelevantes para a formação da respectiva convicção. Pelo que foi atingido o objectivo pretendido pelo arguido, que era precisamente o de não serem valoradas como meio de prova tais imagens. Perante isto, é absolutamente inútil discutir e tomar posição quanto à eventual legalidade ou ilegalidade na obtenção dessas imagens e sua posterior utilização, já que em nada contribuíram para a decisão tomada de condenar o arguido, não podendo esta decisão ser minimamente influenciada pela eventual decisão quanto à legalidade daquelas. Tal discussão seria, neste momento, pura e simplesmente, um acto inútil.

Não padece, pois, a decisão recorrida da aludida nulidade, por omissão de pronúncia.

b)- No que concerne aos vícios da decisão recorrida, previstos no art. 410.º, n.º 2, do CPP: Como resulta expressis verbis do citado normativo processual penal, os vícios nele referidos «têm de resultar da própria decisão recorrida, na sua globalidade, mas sem recurso a quaisquer elementos que lhe sejam externos, designadamente declarações ou depoimentos exarados no processo durante o inquérito ou a instrução, ou até mesmo o julgamento» (1).

Comecemos pela "insuficiência para a decisão da matéria de facto provada".

Para se verificar este vício é necessário que a matéria de facto se apresente como insuficiente para a decisão que deveria ter sido proferida por se verificar lacuna no apuramento da matéria de facto necessária para uma decisão de direito. «É necessário que a matéria de facto dada como provada não permita uma decisão de direito, necessitando de ser completada» (2).

Ou seja, há insuficiência para a decisão sobre a matéria de facto provada quando os factos dados como provados não permitem a conclusão de que o arguido praticou ou não um crime, ou não contém, nomeadamente, os elementos necessários ou à graduação da pena ou à elucidação de causa exclusiva da ilicitude ou da culpa ou da imputabilidade do arguido.

Tem o aludido vício de ser aferido em função do objecto do processo (3), traçado naturalmente pela acusação ou pronúncia. Isto significa que só quando os factos recolhidos pela investigação do tribunal se ficam aquém do necessário para concluir pela procedência ou improcedência da acusação se concretizará tal vício.

Não é manifestamente o caso, em que a matéria de facto provada - embora mais restrita do que a alegada na acusação pública já que foram declarados não provados muitos factos nesta alegados -, se apresenta manifestamente suficiente à decisão de direito proferida.

Por outro lado, «para se verificar contradição insanável da fundamentação, têm de constar do texto da decisão recorrida, sobre a mesma questão, posições antagónicas e inconciliáveis, como por exemplo dar o mesmo facto como provado e como não provado, em situações que não possam ser ultrapassadas pelo tribunal de recurso» (4).

A contradição pode suceder entre segmentos da própria fundamentação - dão-se como provados factos contraditórios, dá-se como provado e não provado o mesmo facto, afirma-se e nega-se a mesma coisa, enfim, as premissas contradizem-se -, como entre a fundamentação e a decisão - esta não se encontra em sintonia com os factos apurados

(5). Efectivamente, «a contradição insanável da fundamentação respeita antes de mais à fundamentação da matéria de facto, mas pode respeitar também à contradição na própria matéria de facto (fundamento da decisão de direito)» (6). «Assim, tanto constitui fundamento de recurso ao abrigo da alínea b) do nº 2 do art. 410º a contradição entre a matéria de facto dada como provada ou como provada e não provada, pois pode existir contradição insanável não só entre os factos dados como provados, mas também entre os dados como provados e os não provados, como entre a fundamentação probatória da matéria de facto» (7). «A contradição pode existir também entre a fundamentação e a decisão, pois a fundamentação pode apontar para uma dada decisão e a decisão recorrida nada ter com a fundamentação apresentada» (8).

De todo o modo, «a contradição só releva, juridicamente, quando existe uma oposição directa entre os factos qualquer que seja o sentido que se dê a cada um deles» (9), visto que só então se está perante uma contradição insanável da fundamentação.

Não se vislumbra no acórdão recorrido qualquer contradição, nos termos atrás definidos, não relevando para o efeito a invocada contradição entre a decisão e aquilo que pretensamente disseram as testemunhas, segundo a convicção formada pelo recorrente, já que a falta de prova que sustente aquela decisão, ou melhor, a desconformidade da matéria de facto provada relativamente à prova produzida e gravada, poderá consubstanciar um eventual erro na apreciação da prova, mas nunca a aludida contradição e nem mesmo erro notório.

É que, «só existe erro notório na apreciação da prova quando do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, resulta com toda a evidência a conclusão contrária à que chegou o tribunal» (10), isto é, «quando se dão como provados factos que, face às regras da experiência comum e à lógica corrente, não se teriam podido verificar ou são contraditados por documentos que fazem prova plena e que não tenham sido arguidos de falsos» (11), ou seja, «quando se dá como provado um facto com base em juízos ilógicos, arbitrários ou contraditórios, claramente violadores das regras da experiência comum» (12).

No caso dos autos, porém, não se detecta, na matéria de facto considerada provada na decisão recorrida, nenhuma irrazoabilidade patente aos olhos de qualquer observador comum, por se opor à normalidade dos comportamentos e às regras da experiência comum.

Na verdade, o que a decisão recorrida indica como estando provado e não provado em nada ofende o sentimento que o homem médio (e este homem médio é que serve de referência para o efeito de aferir da existência do falado erro notório) pode ter sobre a realidade ou irrealidade desses factos.

Por outras palavras, do texto daquela decisão (por si só ou conjugadamente com as regras da experiência comum) não resulta que se apreciou de forma visivelmente descabida a prova, isto é, que os factos que vêm dados como tendo acontecido não podiam ter acontecido (ou não podiam ter acontecido do modo como a sentença diz que aconteceram) ou que os factos que se dão como não provados tivessem necessariamente de ter acontecido.

Por isso, quando muito, o que aqui poderia ter ocorrido (e trata-se duma mera hipótese de trabalho, que mais adiante se discutirá com maior detalhe) era o tribunal a quo não haver, porventura, valorado com o devido rigor a prova produzida.

Mas uma coisa é este erro não ostensivo de julgamento que só o conhecimento do teor das provas produzidas nos poderia revelar, outra, o erro notório na apreciação da prova. Conforme resulta do atrás exposto, este último erro tem de ressaltar do que se escreve na decisão, sem recurso a quaisquer elementos exteriores, como seja o conhecimento do valor da prova produzida. O erro que só o exame detalhado da prova revela nunca pode ser notório, mas sim encoberto (13).

Mas será que houve erro na apreciação da prova, ainda que "não notório"? Na verdade, é neste concreto ponto que o recurso pretende assentar as sua baterias, embora o faça desordenadamente e misturando a questão com os aludidos vícios.

Efectivamente, pretende o recorrente demonstrar que «o acórdão...

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