Acórdão nº 3942/2005-6 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 19 de Outubro de 2006

Magistrado ResponsávelMANUELA GOMES
Data da Resolução19 de Outubro de 2006
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa.

  1. E, L.da intentou, em 26.05.2000, no Tribunal Cível de Lisboa (16ª Vara), acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra a C, S. A., pedindo que esta fosse condenada a pagar-lhe a quantia global de 281 325 852$00, acrescida de juros de mora até efectivo pagamento.

    Alegou que a ré, após negociações, adjudicou à autora, em 22.10.1992, a execução da obra denominada "Arranjos Exteriores" do edifício da sua sede, pelo valor de 126 487 495$00, dos quais 68597 900$00 diziam respeito à construção dos arranjos exteriores e deveriam ser realizados em 5 meses a contar da data da adjudicação e 57 889 595$00 respeitavam à construção das floreiras e coberturas, obra que deveria ser realizada no prazo de dois meses, também a contar da adjudicação; por culpa exclusiva da ré, que obrigou a autora a fazer prolongadas paragem na execução da obra, os trabalhos arrastaram-se por 39 meses, o que acarretou para a autora um aumento das despesas, computado em 60 000 contos e igual valor de prejuízos decorrente do cancelamento ou não aceitação de outros compromissos profissionais.

    Mais alegou a autora que, nos termos do acordado com a ré, era da sua responsabilidade a conservação e limpeza dos locais sucessivamente concluídos, tarefa nunca pensada para o longo período de execução dos trabalhos, pelo que a ré deve à autora a quantia constante de factura que lhe apresentou, no valor de 52 425 000$00.

    Invocou ainda (artigos 125º e seguintes da petição inicial) que, a pedido da dona da obra, realizou trabalhos a mais e teve que dar apoio ao sistema automatizado de rega a cargo daquela conforme facturas emitidas, no valor total de 13 185 355$00 e 27 809 655$00, respectivamente, a que acrescem juros de mora.

    Citada, veio a ré contestar, deduzindo, para além do mais, a excepção da incompetência absoluta do Tribunal Cível.

    Invocou, no que respeita à matéria dessa excepção que, a causa de pedir da acção se traduz no pretenso incumprimento de uma empreitada de obras públicas, sendo que a ré, ao tempo da celebração do contrato, era uma empresa pública, a que cabia a qualificação de instituto público, pelo que o tribunal competente para dirimir as questões emergentes desse contrato é o Tribunal Administrativo, nos termos dos artigos 224º do DL nº 405/93, de 10.12, aplicável por força do art. 241º do mesmo diploma, preceito que reproduz o art. 220º do DL nº 235/86, de 18.08, razão pela qual devia ser absolvida da instância.

    A autora respondeu à matéria dessa excepção, invocando, muito em síntese, que, não obstante, no contrato se ter feito apelo ao regime do DL nº 235/86, de 18 de Agosto, que regulava as Empreitadas de Obras Públicas, para além de não ser pacífico o entendimento de que a CGD fosse um Instituto Público, a transformação daquela em sociedade anónima, operada em 1993, ter-se-á de considerar que o contrato em causa passou a ter que se reger pelo direito privado.

    Em sede de despacho saneador, após se ter considerado que o contrato de empreitada inicialmente formalizado entre as partes teria de ser apreciado à luz do DL nº 287/93 (o mesmo só não acontecendo com os trabalhos constantes dos artigos 122º a 128º da petição inicial, que, derivando de contratos de prestação de serviços já celebrados depois da transformação da ré, se situam no domínio do direito privado), foi a autora convidada a "apresentar nova petição, devidamente reformulada, expurgada de tudo o que tenha a ver com o contrato de empreitada, sua interpretação, seu eventual incumprimento" (fls. 499).

    Dizendo-se inconformada, agravou a autora, esclarecendo fazê-lo no que toca à questão suscitada sobre a incompetência do Tribunal (fls. 512 e 517).

    Admitido com esse alcance, a autora alegou e, no final, formulou, em síntese, as seguintes conclusões: A) O contrato a que se reportam os autos é um contrato de prestação de serviços; B) O DL nº 235/86, que à data disciplinava as empreitadas de obras públicas, não qualifica como tal o contrato celebrado; C) Ainda assim, alguns trabalhos cujo pagamento se encontra em dívida pela agravada foram realizados por força da celebração de outros contratos de prestação de serviços, regidos pela lei civil, que não o contrato inicial/base; D) Todas as questões suscitadas pela autora em sede de petição inicial deverão ser apreciadas nos termos da lei civil e julgadas no Tribunal cível, que é o competente, E) O despacho recorrido viola o disposto no art. 66º do CPC.

    Terminou pedindo a revogação do despacho recorrido e que o Tribunal a quo fosse julgado competente para apreciar "o pedido integral da presente acção".

    A recorrida contra alegou, pedindo a "rejeição" do recurso, basicamente porque sendo a questão central do mesmo apurar se o contrato está ou não inserido na previsão do art. 220º nº 2 do DL 235/86, esta faceta do problema não merecera qualquer atenção da recorrente.

    O despacho recorrido foi mantido.

    Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

  2. Apesar de não ter havido decisão expressa do Tribunal recorrido, no sentido de se julgar incompetente em razão da matéria para o pedido tal como foi formulado na petição, é indubitável que é esse o entendimento que está subjacente ao decidido. O tribunal julgou-se incompetente para tudo o que excede o que na petição se pede sob a epígrafe "D-Dos autos pendentes", sendo essa a questão central que a recorrente pretende ver apreciada no presente recurso, atento o decaimento que o mesmo envolve.

    Posto isto, importa averiguar se a competência em razão da matéria para conhecer da acção cabe à jurisdição administrativa, porque se o não for a competência é dos tribunais judiciais (art. 66.º do CPC), o que envolve a resposta às seguintes questões essenciais: 1.ª - Qual a natureza inicial do contrato de que emerge o litígio; 2ª - Qualificado esse contrato como de empreitada de obras públicas, se a alteração da natureza jurídica do dono da obra, de empresa pública para empresa de capitais exclusivamente públicos, afecta a competência para conhecer dos litígios dele emergentes.

    1. - Não afectando, se além da parte do pedido relativamente ao qual o despacho recorrido reconheceu a competência dos tribunais comuns - parte essa que não vem impugnada -, devem ainda considerar-se fundados noutra ou noutras causas de pedir diversas da inicial os pedidos correspondentes à manutenção dos espaços ajardinados e ao apoio manual ao sistema de rega.

  3. Começamos por lembrar que a competência dos tribunais é aferida em função dos termos em que a acção é proposta, "seja quanto aos seus elementos objectivos (natureza da providência solicitada ou do direito para o qual se pretende a tutela judiciária, facto ou acto donde teria resultado esse direito, bens pleiteados, etc.), seja quanto aos seus elementos subjectivos (identidade das partes). Como diz MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, pág. 91, a competência do tribunal "afere-se pelo quid disputatum (quid decidendum, em antítese com aquilo que será mais tarde será o quid decisum)"). A competência do tribunal não depende, pois, da legitimidade das partes nem da procedência...

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