Acórdão nº 2755/2006-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 19 de Outubro de 2006

Magistrado ResponsávelSOUSA PINTO
Data da Resolução19 de Outubro de 2006
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Acordam neste Tribunal da Relação de Lisboa, I - RELATÓRIO A. o e esposa, intentaram acção comum sob a forma de processo ordinário contra, B., Bb. e Bbb., Ldª., tendo pedido que se declarem nulos, por simulados, os contratos de compra e venda no tocante aos imóveis e ao veículo Ferrari, matricula .. - .. - .. e que, em consequência, seja restituído ao património dos 1º RR. os bens objectos de tais contratos e que seja ordenado o cancelamento dos registos efectuados em nome da 2ª R., às competentes Conservatórias do Registo Predial e de Automóveis. Subsidiariamente, peticionaram que sejam declarados os mesmos contratos de compra e venda impugnados, julgando-se os mesmos ineficazes em relação aos AA.

Para fundamentarem tais pedidos alegaram, em síntese: No que concerne ao primeiro deles, que os 1.ºs RR celebraram com a 2.ª Ré diversas escrituras de compra e venda de imóveis, quando na realidade a vontade real dos contraentes era no sentido da realização de doações de tais bens, razão pela qual se estaria perante negócios simulados que, na perspectiva dos AA, deveriam ser anulados; No que respeita ao pedido subsidiário, referiram que tais "vendas" dos 1.ºs RR. à 2.ª Ré, foram efectuadas com o exclusivo propósito daqueles se despojarem formalmente de imóveis e de um Ferrari, que integravam o seu património, visando por essa via impossibilitarem que os seus credores, designadamente os AA., se vissem impossibilitados, ou com muitas e insuperáveis dificuldades de executarem os seus créditos.

Referiram ainda serem os 1º RR. donos de uma quota do valor nominal de 1.000.000$00 na Sociedade Bbb., Lda., ora 2ª Ré, não detendo aqueles, em todas as suas contas bancárias, quantia globalmente superior a 1.000.000$00.

Concluíram pois os AA. que, face aos factos, as aludidas compras e vendas não passaram de negócios fictícios e simulados ou, quando menos, que são impugnáveis nos termos dos art. 610.º e segts. do Código Civil.

Regularmente citados os RR contestaram, tendo alegado, em síntese, que os AA não detêm qualquer crédito sobre os 1ºs RR pois que e na verdade os montantes que os AA referem não constituem lucro, já que a quantia de 450.000.000$00 não chegou sequer a integrar o património da sociedade.

No que respeita à simulação a mesma não existiu já que o que o 1º R pretendeu foi transferir para sociedades que controlava os activos que possuía em nome próprio.

Por excepção alegam ainda a prescrição dos juros peticionados.

Os AA replicaram mantendo a posição que tinham defendido na p.i..

Foi proferido despacho saneador onde se não atendeu a excepção invocada, considerando-se que a mesma era irrelevante para a discussão da causa.

Foram fixados os factos assentes e a base instrutória, a qual foi alvo de reclamação que veio a ser atendida já em sede de julgamento.

Realizou-se o julgamento com observância do formalismo legal.

Foi proferida sentença, que culminou com a seguinte decisão: Por todo o exposto, o Tribunal julga improcedente o pedido principal formulado e procedente o pedido subsidiário.

Em consequência julga a presente acção procedente e declara ineficazes em relação aos AA. os seguintes negócios: a) o celebrado em 12/08/99, no qual os ora 1ºs RR. declararam vender à 2ª R., que declarou comprar-lhes, pelo preço global de 104.000.000$00, já recebidos, os seguintes prédios: 1) - Rústico, denominado Vales, com a área de 10.125m2, sito na freguesia de St.º Isidoro, concelho de Mafra, descrito na Conservatória do Registo Predial de Mafra, sob o n.º 564 e inscrito na matriz cadastral sob o art.º 20 Secção B, pelo preço de 25.000.000$00; 2) - Rústico, denominado Vales, com a área de 4.000m2, sito na freguesia de Stº Isidoro, concelho de Mafra, descrito na mesma Conservatória sob o n.º 1039/Stº Isidoro, inscrito na respectiva matriz, sob o art. 21 Secção B, pelo preço de 9.000.000$00.

3) - Misto, denominado Facho, sito na Rua do Facho Histórico, no lugar de Ribamar, freguesia de Stº Isidoro, concelho de Mafra, descrito na mesma Conservatória, sob o n.º 46.988 do Livro B - 126 (actual 2489/Stº Isidoro), que se compõe de parte urbana inscrita na respectiva matriz sob os artºs 2022 e 3069 e da parte rústica, com a área de 3.417m2, inscrita na respectiva matriz cadastral sob o art. 399 Secção B, pelo preço de 45.000.000$00.

4) - Rústico denominado Facho ou Facho do Poente, com a área de 2500m2 sito nos limites de Ribamar, freguesia de Stº Isidoro, concelho de Mafra, descrito na mesma Conservatória sob o n.º 1042 e inscrito na respectiva matriz sob o art.º 400, Secção B, pelo preço de 25.000.000$00.

b) O celebrado em 09.09.99, no qual os 1º RR, declararam vender à 2ª R., que declarou comprar-lhes, pelo preço de 50.000.000$00, um prédio rústico denominado Casal Velho, sito nos limites de S. Bernardino, freguesia de Atouguia da Baleia, concelho de Peniche, descrito na Conservatória do Registo Predial de Peniche sob o n.º 1871/Atouguia da Baleia e inscrito na respectiva matriz sob o art. 101 Secção AV; c) O celebrado em 16.09.99, mediante o qual os 1º RR, declararam vender à 2ª R., que declarou comprar-lhes, pelo preço de 15.000.000$00, um prédio urbano composto de lote de terreno para construção urbana, com área de 1.588m2, sito na Rua de Facho Histórico, em Ribamar, freguesia de Stº Isidoro, concelho de Mafra, descrito na Conservatória do Registo Predial de Mafra sob o n.º 42.355 do Livro B.113, omisso na matriz, mas feita a participação para a sua inscrição em 10.09.99; d) O celebrado em 05.11.99, mediante o qual os 1º RR, declararam vender á 2ª R, que declarou comprar-lhes, pelo preço de 40.000.000$00 já recebidos, um prédio urbano composto de cave, rés do chão e 1º andar, para habitação, com logradouro, sito em Ribamar de Baixo, freguesia de Stº Isidoro, concelho de Mafra descrito na Conservatória do Registo Predial de Mafra sob o n.º 2093/freguesia de Stº Isidoro e inscrito na respectiva matriz sob o art. 1312; e) O celebrado em 06.11.00, mediante o qual os 1º RR, declararam vender á 2ª R., que declarou comprar-lhes, pelo preço global de 73.000.000$00, já recebidos: 1) - pelo preço de 50.000.000$00, um prédio urbano sito no lugar de Ribamar, freguesia de Stº Isidoro, concelho de Mafra, descrito na Conservatória do Registo Predial de Mafra sob o n.º 43.927 do Livro B -118, inscrito na respectiva matriz sob o art. 1911.

2) - pelo preço de 8.000.000$00, um prédio urbano sito em Ribamar de Cima, freguesia de Stº Isidoro, concelho de Mafra, inscrito na respectiva matriz sob o art. 1977.

3) - pelo preço de 15.000.000$00, um prédio urbano sito em Ribamar de Cima, freguesia de Stº Isidoro, concelho de Mafra, inscrito na matriz sob o art.º 2457, encontrando-se ambos estes prédios descritos na Conservatória do Registo Predial de Mafra sob o n.º 1551/Stº Isidoro (doc. 8 que se dá por reproduzido).

f) O celebrado em 12.08.99, no qual os 1º RR. declararam vender á 2ª R. que declarou comprar-lhes, pelo preço de 45.000.000$00 já recebidos, um prédio misto na Rua do Facho Histórico, concelho de Mafra, descrito na Conservatória do Registo Predial de Mafra sob o n.º 2502/Stº Isidoro, inscrita a parte urbana sob o art. 2011 e 3069 e a parte rústica sob o art. 399 Secção B, todos da freguesia de Stº Isidoro; g) O celebrado em 16.09.99, no qual os 1º RR. declararam vender á 2ª R. e esta declarou comprar-lhes, pelo preço de 15.000.000$00, já recebido, um prédio urbano composto por terreno para construção, com 1588 m2, sito na Rua do Facho Histórico em Ribamar, freguesia de Stº Isidoro, concelho de Mafra, descrito na Conservatória do Registo Predial de Mafra sob o nº 42.355 do Livro B-113, actualmente o n.º 2502/Stº Isidoro e omisso na matriz, mas inscrito actualmente sob o artº 3255; h) O negócio de transmissão do veículo automóvel de matrícula 56-36-DJ Custas pelos RR.

Inconformada com tal decisão, veio a Ré Bb. recorrer da mesma, tendo apresentado as suas alegações, nas quais verteu as seguintes conclusões:

  1. A despeito de na fundamentação da decisão impugnada se declarar que as compras e vendas celebradas pelos RR. (entre si) são simuladas, o Tribunal a quo decidiu, em manifesta contradição, julgar improcedente o pedido de declaração de nulidade desses mesmos negócios.

    B) Violando o princípio dispositivo, o Tribunal a quo introduziu no objecto do processo uma nova questão - a existência de negócios dissimulados - tendo fundado a sentença impugnada no conhecimento de uma questão não suscitada.

    C) Basta atentar nos pedidos formulados, na fundamentação e decisão proferidas para se poder concluir que a douta sentença merece a censura deste Tribunal superior.

    D) Em nenhum momento decisivo quanto à definição do objecto dos presentes autos os AA. fizeram, sequer, alusão a um pretenso negócio dissimulado celebrado entre os RR. e muito menos o qualificam como uma doação.

    E) A douta sentença, ao conhecer e decidir sobre a existência de negócios dissimulados, enferma do grave vício de violação do princípio dispositivo, sendo por isso nula nos ternos do artigo 668° n° 1 alínea d) do C.P.C.

    F) Na fundamentação da douta sentença considerou o Tribunal a quo, por referência aos contratos de compra e venda, que "Estamos, pois, perante negócios simulados (...)", não obstante o mesmo julgou improcedente o pedido principal formulado (declaração de nulidade das compras e vendas) e procedente o pedido subsidiário. Assim a nulidade da douta sentença resulta igualmente do facto de existir uma notória oposição entre a fundamentação e a decisão da mesma, nos termos do art.° 668 n.°1 al. c) do CPC. Errou, igualmente, o Tribunal a quo ao dar como provado os factos referidos nos pontos 26, 27, 28 e 34 da douta sentença (págs. 16, 17 e 18).

    G) O julgamento supra referido funda-se, exclusivamente, no depoimento de parte da Ré Bb.; no entanto, do depoimento em causa não pode concluir-se que os RR, (ambos) nada receberam ou que os negócios impugnados constituíram uma doação à sociedade ré.

    H) O depoimento de parte referido (registado na cassete 1, lado A...

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