Acórdão nº 7372/2006-6 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 19 de Outubro de 2006

Data19 Outubro 2006
ÓrgãoCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa: 1.

  1. demandou, na 17ª Vara Cível de Lisboa, "B., L. da", pedindo que a Ré seja condenada: a) - no pagamento á autora. a título de indemnização por obras indispensáveis a realizar no andar, a quantia de € 80.000,00, acrescida de juros legais vencidos desde a data da citação e até integral pagamento; b) - no pagamento à autora, a título de indemnização pelas rendas não recebidas por impossibilidade de arrendar o andar, a quantia de € 17.000,00, acrescida de juros legais desde a citação e até integral pagamento.

Alegou, para tanto, em síntese, que é actualmente a proprietária do 3º andar do prédio urbano sito na Avenida …., em Lisboa, tendo a Ré sido arrendatária do referido 3º andar do identificado prédio, posição jurídica que perdeu por resolução do contrato de arrendamento decretado em acção de despejo intentada e que foi definitivamente fixada por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, transitada em julgado.

Efectuada a entrega em 14/07/2002, verificou-se que a Ré deixou o andar num estado deplorável, conforme se encontra descrito no relatório.

Para ser possível o uso do arrendado, torna-se necessária a realização de obras em todas as divisões, não só de instalação eléctrica e canalizações, como de paredes, tectos e chão, sendo certo que, para proceder à reparação das referidas obras, a autora terá que despender cerca de € 80.000,00.

Acresce que a Ré não entregou o andar em condições de normal uso e habitabilidade, impedindo, desse modo, que o proprietário pudesse dar uso à fracção, procedendo, nomeadamente, a novo arrendamento, situação que se mantém há quase um ano, de tal sorte que, considerando o andar e a sua localização, a Autora poderia obter de renda mensal a quantia de € 1.700,00.

Citada para contestar, veio a Ré pedir a improcedência da acção e, em consequência, a sua absolvição do pedido, alegando, em síntese, que, durante mais de trinta e oito anos ininterruptos, a identificada fracção teve como uso, estipulado por acordo entre o respectivo dono e os inquilinos, a realização de análises químico - industriais o fabrico e venda de produtos químicos.

Ora o fabrico e venda de produtos químicos, bem como a realização de análises químico - industriais, durante mais de trinta e oito anos consecutivos, têm como consequência, não só normal, mas necessária e inevitável, o surgimento de manchas, riscos e traços de corrosão em pavimentos, paredes e móveis do local onde tais actividades foram exercidas.

O senhorio nunca fez quaisquer obras de conservação do local arrendado durante todo o tempo em que o arrendamento vigorou.

No mais impugnaram os factos articulados pela Autora.

Foi proferido despacho saneador, com elaboração da base instrutória.

Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, tendo-se proferido decisão sobre a matéria de facto e, em seguida, douta sentença, julgando-se parcialmente procedente a presente acção e, em consequência, foi a Ré condenada a pagar à Autora a quantia que vier a liquidar-se em execução de sentença relativamente às reparações que resultaram da responsabilidade da Ré, absolvendo-se do demais peticionado.

Inconformada, apelou a Ré, formulando as seguintes conclusões: 1ª - Da matéria de facto provada decorre que as deteriorações constatadas no andar dos autos são decorrentes da sua utilização para o fim estipulado no contrato de arrendamento.

  1. - Essa utilização constitui, por conseguinte, conduta lícita da Ré, que não pode ser considerada utilização imprudente.

  2. - A sentença recorrida, ao considerar que os ditos danos decorrem de uma utilização imprudente, não teve em conta o conteúdo da cláusula b) do contrato de arrendamento e fez errada aplicação ao caso da presunção de culpa constante do artigo 1044º CC.

  3. - A alegação da Autora relativa ao custo das obras não foi provada, o que determina a improcedência do pedido de ressarcimento, por falta de prova de um dos factos que integram a causa de pedir dessa pretensão.

  4. - A remissão para execução de sentença da determinação do custo da reparação dos danos cuja ocorrência se provou constitui violação do princípio dispositivo consagrado nos artigos 264º e 664º do CPC, visto que a Autora não alegou o montante de cada um desses danos, embora o conhecesse, visto que alegou o montante da soma de todos eles.

  5. - Pelo mesmo motivo, a sentença recorrida violou, ainda, as regras do ónus da prova contidas no artigo 342º CC.

  6. - A sentença recorrida absolveu a Ré do pedido de juros.

  7. - Mesmo que se entenda que, neste ponto, ocorre contradição entre a parte decisória e a fundamentação da sentença, tal nulidade não foi suscitada e a decisão transitou quanto a esse pedido.

  8. - Ainda que se entendesse que ocorrera um erro material na sentença, a iliquidez da obrigação, não imputável à Ré, determinaria que os juros só pudessem ser contados a partir da citação para a execução.

  9. - Deve, por conseguinte, ser concedido provimento ao recurso, revogando-se a sentença recorrida, na parte em que condenou a Ré no pagamento da quantia a liquidar em execução de sentença.

  10. - Ainda que assim se não entenda, e mesmo que se considerasse que a sentença enferma de erro material rectificável, deveria a eventual condenação no pagamento de juros, a ser proferida, mandar iniciar a sua contagem na data da citação para a execução e não na data da citação para a acção declarativa.

A Autora contra - alegou, defendendo a bondade da decisão recorrida.

  1. Na 1ª instância, consideraram-se provados os seguintes factos: 1º - A autora é proprietária do 3° andar do prédio urbano sito na Rua …, Freguesia de Nossa Senhora de Fátima, em Lisboa, descrito na 8ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n° 7.872 do Livro B-25, e inserido na matriz predial urbana sob o artigo 453 da mesma Freguesia, por partilha homologada por sentença proferida, em 26/11/2002, nos autos de Inventário n° 774/2000, que correu termos no 8° Juízo Cível da Comarca de Lisboa (Alínea A).

    1. - Por escritura pública outorgada em 11 de Março de 1964, os então proprietários do prédio urbano sito na Avenida …, de Lisboa, declararam dar de arrendamento a A. M. M. S. o 3º andar do identificado prédio, o que este aceitou, constando da referida escritura cuja certidão consta a fls. 227 e seguintes, e cujo teor se dá por reproduzido, para além do mais, "(....), h) o andar arrendado destina-se a nele ser instalado o laboratório, da propriedade do inquilino, laboratório que tem por fim o exercício de análises químico - agrícolas e industriais, fabrico e venda de produtos químicos e expediente relacionado com actividades comerciais e industriais (...)" (Alínea B).

    2. - Por escritura pública outorgada em 25 de Janeiro de 1984, o estabelecimento instalado no 3º andar do identificado prédio foi dado de trespasse à Ré que, em consequência desse negócio, passou a ser a titular do direito ao arrendamento do identificado andar, conforme consta a fls. 232 e segs. dos autos, cujo teor se dá por reproduzido (Alínea C).

    3. - Por sentença proferida nos autos que correram seus termos sob o n° 428/99, na 4ª Vara Cível de Lisboa, 2ª secção, e transitada em julgado em 31/05/2002, foi decretada a resolução do contrato de arrendamento de que era titular a agora ré sobre o identificado 3º andar do prédio sito na Rua … em Lisboa, e a Ré condenada a despejar imediatamente o locado, entregando-o completamente livre de pessoas e bens e em perfeito estado de conservação e limpeza (Alínea D).

    4. - Na sequência da referida decisão judicial, a Ré entregou as chaves do locado em 14 de Junho de 2002 (Alínea E).

    5. - A Ré acoplou equipamentos às paredes, fazendo nesta, para os fixar, buracos (Alínea F).

    6. - A Ré colocou nos tectos armaduras, formando um quadrado com cerca de três metros de lado, para colocação de lâmpadas florescentes, sendo certo que algumas dessas armaduras foram arrancadas e deixadas penduradas do tecto pelos fios eléctricos (Alínea G).

    7. - A Ré instalou na cozinha um quadro eléctrico de capacidade industrial (Alínea H).

    8. - As bancadas de pedra de mármore na cozinha estão corroídas pela acção de substâncias químicas utilizados pela ré no exercício da sua actividade (Alínea I).

    9. - O lava louças de cozinha está corroído pelos agentes químicos utilizados pela ré (Alínea J).

    10. - Toda a pintura do andar encontra-se degradada e suja (Alínea L).

    11. - No andar em todas as quatro paredes de cada uma das divisões que o compõem tem de se arrancar a instalação eléctrica e a canalização da água colocadas pela ré (Alínea M).13º - O andar referido em A) é composto das seguintes divisões: hall, sala de estar, sala de jantar, cozinha, quarto de serviço, marquise a tardoz e à frente, 3 quartos, 2 casas de banho e varandas.(Alínea N).

    12. - A porta do andar identificado em A) está corroída pela acção dos elementos químicos utilizados pela Ré ((Resposta ao...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT