Acórdão nº 6863/2005-6 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 29 de Junho de 2006

Magistrado ResponsávelFERNANDA ISABEL PEREIRA
Data da Resolução29 de Junho de 2006
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa: 1. Relatório: C e I intentaram, em 18 de Janeiro de 2002, no Tribunal Judicial da Comarca de Cascais a presente acção declarativa de condenação, sob a forma ordinária, contra Município, alegando que o réu lhes ocupou uma parte de um prédio de que são proprietários com a construção de estradas com a sua autorização, mas na condição dos autores receberem contrapartidas por tal cedência, o que nunca se veio a verificar. Concluíram, pedindo o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre esse prédio e a condenação do réu a restituir-lhes a parte do prédio ocupado e a pagar-lhes uma indemnização pelos danos sofridos, a liquidar em execução, acrescida de juros de mora desde a citação, ou, "em alternativa" ao pedido de condenação na entrega do prédio, a condenação do réu a executar processo negocial ou actividade expropriativa, pagando aos autores uma compensação indemnizatória.

Contestou o Réu, invocando a ilegitimidade activa da autora e alegando que a ocupação efectuada foi autorizada pelos autores, sem quaisquer restrições ou limites, pelo que a actual pretensão destes se traduz num abuso de direito. Além disso o réu ocupa de boa fé a reivindicada parcela de terreno desde 1971, pelo que já a adquiriu por usucapião.

Concluiu, pela improcedência da acção e deduziu pedido reconvencional requerendo que o réu fosse declarado proprietário da referida parcela de terreno.

Na réplica os autores, negando que a sua conduta integre abuso de direito, alegando a ineptidão do pedido reconvencional por contradição entre o pedido e a causa de pedir, a impossibilidade de ser reconhecida a aquisição por usucapião duma parcela de um prédio e a falta dos requisitos necessários para a verificação duma aquisição por usucapião, concluíram pela improcedência da defesa apresentada pelo réu e do pedido reconvencional.

No despacho saneador foi admitida a reconvenção, julgando-se improcedente a arguição da sua ineptidão e declarando-se a autora parte legítima.

Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença, que: a) julgou parcialmente procedente a acção e, em consequência, reconheceu que o autor é o titular do direito de propriedade sobre o prédio rústico composto de terra e cultura arvense de sequeiro, denominado "Terra da Ponte" com a área de 4.000 m2, situado à Ponte, no lugar do Zambujal, freguesia de São Domingos de Rana, concelho de Cascais, descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o nº 12.455, e condenou o réu a restituir ao autor, livre e desocupada, a parcela de terreno com a área total de 2.017 m2 que ocupa naquele prédio; b) julgou prejudicada a apreciação do pedido de condenação do réu em executar processo negocial ou actividade expropriativa, pagando aos autores uma compensação indemnizatória, e absolveu o réu do pedido indemnizatório formulado; c) julgou improcedente a reconvenção e absolveu o autor do pedido reconvencional.

Inconformado, apelou o réu, formulando na sua alegação a seguinte síntese conclusiva: 1ª A douta sentença recorrida conclui não se mostrar provado que o Réu tenha actuado na convicção de que era proprietário das parcelas de terreno reivindicadas. E por esta razão afasta a aquisição das mesmas por meio de usucapião; 2ª Das comunicações referidas nos pontos IX e XII resulta apenas que o Autor teve conhecimento da utilização dos terrenos por parte do Município e que autorizou essa utilização; 3ª Ficou demonstrado que em Janeiro de 1971 o A. C autorizou o R. a "ocupar" uma parcela de terreno do prédio rústico identificado nos autos, com vista à construção da Estrada Municipal Zambujal-Tires, sem exigir qualquer contrapartida; 4ª Só em 1981, quando lhe foi solicitada a cedência de uma outra parcela para a execução de obras de rectificação do traçado da via, o Autor solicitou a possibilidade de a Câmara compensar tal ocupação por meio de cedência de terreno baldio; 5ª A existência de consentimento por parte dos Autores não afasta o animus de proprietário por parte do Réu e qualificá-lo como um mero detentor; 6ª Nas parcelas de terreno cedidas foram realizadas obras de construção e rectificação do traçado de uma estrada pública; 7ª Também não afasta a existência de animus o facto de o Réu possuir serviços jurídicos conhecedores da necessidade de formalizar a cedência; 8ª A aquisição das aludidas parcelas de terreno para a construção de estradas públicas não carece de qualquer formalidade. As mesmas integram-se automaticamente no domínio público municipal; 9ª O Município sempre agiu na convicção de que aquelas parcelas de terreno lhe pertenciam, ou melhor, de que as mesmas se encontravam integradas no domínio público municipal, pois de outra forma não teria construído nas mesmas as referidas vias públicas; 10ª A cedência das aludidas parcelas de terreno não ficou sujeita a qualquer condição. Poderá quanto muito admitir-se, que a Câmara aceitou pagar um "preço" pelas mesmas, através da atribuição de contrapartida aos cedentes e que não cumpriu até hoje com a obrigação assumida; 11ª O incumprimento da obrigação não obsta à aquisição por meio de usucapião; 12ª No caso vertente encontram-se verificados todos os pressupostos exigidos por lei para a aquisição por usucapião; 13ª Ficou demonstrado que desde 1971 o Réu exerce poderes de facto sobre as aludidas parcelas de terreno; 14ª Ora, a existência do "corpus" faz presumir o "animus"; 15ª Da matéria de facto assente não resultam quaisquer elementos, que permitam ao Tribunal concluir, que embora exercendo os poderes de facto sobre os terrenos, o Município não tinha qualquer intenção de integrar no domínio público esses mesmos terrenos; 16ª Na verdade, ficou suficientemente demonstrado que o Município agiu ao longo de todos estes anos como se os terrenos lhe pertencessem, como verdadeiro proprietário, executou nas parcelas de terreno obras de construção de uma via pública; 17ª A douta sentença recorrida faz uma errada interpretação e aplicação do disposto nos arts. 1251°, 1252°, 1253° e 1287°, todos do Código Civil e extrai da matéria de facto assente conclusões abusivas, enfermando desta forma de erro manifesto de julgamento.

Nestes termos, deve o presente recurso ser julgado procedente por provado, com a consequente revogação da douta sentença recorrida.

Não houve contra alegação.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

  1. Fundamentos: 2.1. De facto: Na 1ª instância julgaram-se provados os seguintes factos: a) Os AA. são casados entre si desde 19.01.1969.. sem precedência de convenção antenupcial (alínea A).

    1. Em 16 de Dezembro de 1970, pela inscrição n° 6,424, foi registada a aquisição, em comum e sem determinação de parte ou de direito, do prédio rústico composto de terra e cultura arvense de sequeiro, denominado "Terra da Ponte" com a área de 4.000 m2, situado à Ponte, no lugar do Zambujal, freguesia de São Domingos de Rana, concelho de Cascais, descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o n° 12.45, a favor do A. C e de seu pai (alínea B).

    2. Por acordo de partilha, celebrado por escritura pública datada de 26 de Abril de 1971, foi atribuído ao A. C, como bem próprio, para pagamento do seu quinhão, o prédio referido em b) (alínea C).

    3. Em 7 de Novembro de 2001 o prédio rústico referido em b) encontrava-se inscrito a favor do A. na Conservatória do Registo Predial, pela incrição nº 27.172, desde 13 de Maio de 1971 (alínea D).

    4. Em...

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