Acórdão nº 3022/2006-6 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 18 de Maio de 2006

Data18 Maio 2006
ÓrgãoCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

ACORDAM NA 6ª SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA I - RELATÓRIO M intentou a presente acção declarativa de condenação com a forma de processo sumária contra A, A e Sociedade, S.A., pedindo a condenação solidária dos Réus a pagar-lhe a quantia de 35.338.000$00 (10.000.000$00, a título de danos não patrimoniais e o restante a título de danos patrimoniais), acrescida de juros de mora desde a citação até integral pagamento. Pediu ainda que fosse fixada sanção pecuniária compulsória nos termos do art. 829.°A do Código Civil a partir da data do trânsito em julgado da sentença condenatória.

Fundamentou, em síntese, a sua pretensão no facto de ter sofrido acidente de viação quando conduzia o seu velocípede, onde foi embatido pelo veículo conduzido pelo segundo Réu, por culpa grave deste, pertencente ao primeiro Réu e segurado pela terceira Ré, tendo sofrido danos patrimoniais e não patrimoniais.

Regularmente citados, o primeiro Réu contestou, alegando não ser responsável pelos danos causados, uma vez que emprestou o veículo ao seu filho e não ao segundo Réu e que este conduzia o mesmo sem o seu consentimento e contra a sua vontade. A terceira Ré contestou, impugnando os factos constantes da petição, alegando que o acidente se deu por culpa exclusiva do Autor.

O segundo Réu não apresentou contestação.

Proferido despacho saneador, foi organizada especificação e questionário.

Realizou-se audiência de discussão e julgamento, tendo sido proferida sentença que julgou parcialmente procedente a acção e condenou solidariamente os Réus a pagar ao Autor as quantias de 8.304.650$00 e 500.000$00, acrescidos de juros.

De tal sentença recorreram o Autor, o primeiro Réu e terceira Ré e, por Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa foram julgados improcedentes os recursos interpostos pelos Réus e procedente o recurso interposto pelo Autor, tendo condenado os Réus a pagarem ao Autor a quantia de 35.338.000$00, acrescida de juros.

Desse Acórdão recorreram os Réus apelantes para o Supremo Tribunal de Justiça que revogou o Acórdão proferido em segunda instância e determinou a remessa dos autos ao Tribunal da Relação de Lisboa para novo julgamento, com ampliação da matéria de facto no que respeita à extensão da incapacidade do Autor e a natureza da utilização do veículo por parte do segundo Réu.

Por Acórdão proferido nos autos, o Tribunal da Relação de Lisboa anulou parcialmente o julgamento e determinou a remessa dos autos à primeira instância para novo julgamento, com ampliação da matéria de facto em questão.

Em obediência às decisões proferidas nas instâncias superiores, foram formulados novos quesitos, realizada nova perícia médica ao Autor e realizou-se julgamento, tendo sido proferida resposta à matéria de facto em questão, que não mereceu qualquer reclamação.

Foi, então, proferida sentença que julgou parcialmente procedente a acção e condenou os 2.° e 3.a Réus, a pagar ao Autor a quantia de 35.338.000$00, equivalente a € 176.265,20, sendo a responsabilidade da 3.a Ré em tal pagamento até ao limite máximo do capital seguro e com dedução da quantia de € 2.493,99 já paga, a que acrescem juros de mora à taxa supletiva legal desde a citação até integral pagamento e ainda na sanção compensatória à taxa de 5% nos termos do disposto no art. 829.°A n.° 4 do Código Civil, esta última a contar desde o trânsito em julgado da presente acção.

Mais se decidiu julgar improcedente o pedido relativamente ao 1.° Réu e, consequentemente, absolvê-lo do pedido.

Inconformados com a sentença, dela apelaram quer o A. quer o R. A, tendo produzido alegações.

  1. No essencial, o A. apresentou as seguintes conclusões: 1 . O presente recurso circunscreve-se a quatro questões: A) Matéria de facto, sobre a qual deveria recair a audiência de julgamento, ordenada pelo Venerando Tribunal da Relação, que não foi respeitada; B) Errada apreciação da matéria de facto dada como provada após a repetição do julgamento em 1ª Instância; C) Responsabilidade do 1°. R. e, D) Limitação da responsabilidade da 3ª R.

    1. O processo baixou à 1ª. Instância para permitir que todos os factos alegados pelas partes, vertidos essencialmente no art. 1.° da contestação da Companhia Seguradora e arts. 17.º e 40.º da contestação do R. A, para que formulados os necessários quesitos sobre tal matéria e observada a realização do exame pericial sobre a extensão da incapacidade do A., se proceda a novo julgamento, com respeito, porém, pelas respostas já dadas aos quesitos.

    2. Em obediência a este despacho, foram aditados apenas 3 quesitos: o 14º-A, 43º e 44º.

    3. Na repetição do julgamento (2ª audiência), ao arrepio do que foi ordenado, as mesmas testemunhas do 1° julgamento, foram ouvidas outra vez aos quesitos 15.° e 16º, vindo o Mmª Juiza "a quo", a dar agora estes quesitos como provados, não tendo sido respeitadas as respostas já dadas, como ordena o despacho do Tribunal superior.

    4. A Mmª Juiza "a quo"deu como provados, com interesse para a decisão, os quesitos 15.°, 16.° e 44.°, que não podem ser considerados como provados face aos depoimentos gravados.

    5. As versões apresentadas pelo filho do 1°. R e pela sua namorada, não são coincidentes, apresentam contradições e ao fim de 14 anos fizeram pretensa prova dos quesitos que não lograram provar em cima do acontecimento, no primeiro julgamento.

    6. O carro dos autos, foi emprestado pelo filho do 1.° R, ao 2.° R.

      (…) 10.

      Na apreciação da prova vigora o princípio da livre apreciação pelo julgador (arts. 391.° e 389.° do CC e 655.° do CPC), mas, devem ser observadas as regras da experiência e do conhecimento comum.

    7. Há erro notório do Tribunal "a quo" na apreciação da prova, no que coube à resposta positiva aos quesitos 15.°, 16.° e 44.° e à posição que assume aquando da análise critica da (actualidade considerada provada.

    8. Devem ser valorados os depoimentos das testemunhas P, Maria e depoimento de parte do R. e, em caso algum, podem os quesitos 15º, 16° e 44º ser dados como provados.

    9. Equivale a comproprietário (art. 503.°, n.° 1 do CC), o filho maior com carta de condução e acesso ao carro do pai, ou pelo menos faz concluir que ambos têm interesse no uso do carro e, quando o usam, a sua direcção efectiva.

    10. A responsabilidade do pai, neste caso, é solidária com a do filho (art. 507° do CC).

    11. O proprietário (neste caso comproprietário) que empresta um veículo a um amigo para este dar um passeio, mesmo assim utiliza o carro no seu próprio interesse.

    12. No seguro obrigatório existe responsabilidade civil, no caso do acidente ter sido provocado por carro roubado ou furtado (DL 522/85 de 31/12), no art. 8.º, n.° 2 conexo ao art. 19º, al. b). A seguradora responde nos termos gerais da responsabilidade por culpa (art. 503.º, n.° 1 do CC).

    13. Nenhum sinistrado pode ser discriminado numa primeira e imediata vinculação da seguradora (art. 8.° do DL n° 522/85, de 31/12) atento o cariz social e profilático do seguro obrigatório da circulação automóvel.

    14. A seguradora tem direito de regresso sobre o ladrão ou somente abusador, daquilo que por conta dele pagou, quanto mais não seja trazendo à colação os princípios subsidiários do enriquecimento sem causa (art. 473.° e 474,º do CC). Conduzir sem carta é, hoje, fundamento do direito de regresso (art. 19.°, al. c) do DL 522/85).

    15. A responsabilidade contratual, não admite cláusulas de irresponsabilidade (art. 800,º nº 2 do CC). O acordo prévio referido neste artigo, significa um acordo expresso e não a adesão a um contrato a que se não possa fugir.

      Contra-alegou a Sociedade, pugnando pela manutenção da sentença, perfilhando o entendimento de que a sua condenação não pode exceder o limite consignado à data dos factos, como o do seguro mínimo obrigatório Contra-alegou o 1º Réu , concluindo, no essencial: 1.

      As respostas positivas aos novos quesitos 14º-A e sobretudo ao quesito 44º, que confirmaram a utilização abusiva pelo 2º Réu do veículo sinistrante, são incompatíveis com as anteriores respostas negativas dadas aos quesitos 15º e 16º que versam sobre a subtracção da mesma viatura contra a vontade do seu proprietário.

    16. Daí que as respostas positivas novamente dadas aos quesitos 15º e 16º fossem inevitáveis.

      (…) 6.

      Em sede de acareação todos os referidos intervenientes mantiveram as suas versões, das quais se não demoveram.

    17. O depoimento da Maria ... é totalmente irrelevante por ser muito vago e pouco pormenorizado e reportar-se a um momento (presença no Hospital na noite do acidente) que já nada tem a ver com o tempo crucial dos eventos aqui em causa.

    18. A Sra. Juiz "a quo" em face da prova testemunhal produzida e conjugando-a criticamente, formou livremente a sua convicção tendo proferido a decisão sobre a matéria de facto que fundamentou com bastante detalhe e pormenor; pelo que nenhuma censura lhe há que endereçar devendo, assim, manter-se as respostas positivas dadas aos quesitos 15º, 16° e 44º.

    19. Não se encontrando o veículo sinistrante no momento do acidente na direcção efectiva do 1º Réu, na medida em que do respectivo poder foi abusivamente subtraído pelo 2º Réu contra a vontade daquele e do tenedôr da viatura, coexiste responsabilidade pelo risco, pelo que a sua absolvição do pedido era inevitável e deve, por conseguinte, ser mantida.

      Deve ser mantida a sentença.

  2. No essencial, o R. António Lara Rebelo apresentou as seguintes conclusões: 1.

    O tribunal a quo excedeu manifestamente os limites fixados pelos tribunais superiores na repetição do julgamento, uma vez que não respeitou as respostas já dadas a outros quesitos, como é designadamente o caso dos quesitos 15° e 16°, cuja resposta negativa no primeiro julgamento não gerava qualquer contradição com as respostas a dar aos quesitos 14°-A e 44°, aditados; 2.

    A apreciação desses factos em sede de processo civil, e não processual penal, não considerou as garantias de defesa constitucionalmente consagradas (art. 32° da CRepP); 3.

    Deve ter-se como não escrita a resposta dada ao quesito 44°, nos termos do art. 646°, nº 4 do CPC...

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