Acórdão nº 643/2006-6 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 23 de Fevereiro de 2006

Magistrado ResponsávelANA LUÍSA GERALDES
Data da Resolução23 de Fevereiro de 2006
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA I - 1. O B…, S.A., intentou a presente acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra C…, M…, e V…, Pedindo que se declare a nulidade, por simulação, da transmissão pelos primeiros Réus à última Ré de uma fracção autónoma destinada a habitação e de uma outra, com reserva a favor dos primeiros, do direito real de habitação vitalício e sucessivo.

Subsidiariamente, e caso tal nulidade não seja decretada, deduziu pedido de impugnação pauliana, pretendendo que se declarem esses actos ineficazes em relação ao Banco Autor, reconhecendo-se a este o direito de executar os bens para satisfação do seu crédito sobre os primeiros Réus.

Alegou, para o efeito, que os 1ºs RR. constituíram uma sociedade, preenchendo a sua participação social com uma entrada em espécie integrada por duas fracções autónomas, fazendo-o simuladamente, com o intuito de enganar a A., e, de qualquer modo, com o intuito de prejudicar a garantia patrimonial do crédito que a A. detinha sobre os mesmos.

  1. A R. sociedade contestou, impugnando o montante do crédito e contestando a simulação e a impugnação pauliana, referindo, quanto a esta, que a transferência das fracções não afectou a garantia patrimonial da A.

  2. Na sentença foi julgado improcedente o pedido principal e procedente o pedido subsidiário de impugnação pauliana, com as consequências legais inseridas na sentença.

  3. A R. sociedade Apelou e concluiu do seguinte modo: a) O A. impugnou o negócio de entrada em espécie dos imóveis identificados nos autos feito pelos sócios da Recorrente sociedade no momento da sua constituição; b) Alegou que aqueles, como avalistas da "K…", são responsáveis pelas dívidas resultantes do incumprimento dos contratos de abertura de crédito celebrados entre aquela e o A. E, como tal, pelas dívidas tituladas pelas livranças dos autos responderiam através do seu património pessoal; c) Não se encontram preenchidos cumulativamente os pressupostos para a procedência da impugnação pauliana; d) A origem do alegado crédito do A. enraíza-se nos contratos de crédito celebrados com a sociedade "K…", que resultaram de aditamentos feitos ao financiamento inicial em que o seu montante foi sendo ampliado ou reduzido do acordo com as necessidades da "K..."; e) Daqueles contratos resultou uma dívida, posteriormente extinta por novação com a celebração de novo contrato de crédito, através do qual se constituiu nova relação de crédito; f) Para a celebração de todos os contratos de abertura de crédito o A. exigiu que os sócios da Recorrente prestassem o seu aval nas livranças que garantiam o pagamento de tais contratos; g) Exigiu-lhes a prestação de um aval omnibus, o qual é nulo porque tem por fim garantir obrigações futuras sem limitação de montante, sendo indeterminável e atentar contra o disposto no art. 280º do CC; h) É igualmente nulo porque manifestamente contrário à lei, nomeadamente ao regime previsto no nº 2 do art. 587° do CC, porque visa fazer o risco de não pagamento (assumido pela A. no contrato de crédito e pelo qual recebe uma remuneração) ser a final suportado por um terceiro; i) Foi deste comportamento do A. que resultaram as livranças apresentadas à execução com datas de vencimento em 4-8-98 e 31-3-98; j) Não é admissível a subsistência de nenhum crédito anterior ao resultante da livrança emitida em 31-3-98, pois os anteriores contratos de crédito se extinguiram por efeito da novação operada por renegociação do contrato; k) A extinção dos créditos anteriores à livrança de 31-3-98, implica a extinção da garantia prestada pela livrança anterior que deveriam ter sido devolvidas, uma vez que havia nova garantia; l) No momento da constituição da sociedade Recorrente e composição do seu capital social através da incorporação dos imóveis, o A. não era credor dos gerentes da "K…", accionistas da Recorrente; m) O crédito resultante do contrato inicial de abertura de crédito extinguiu-se por novação dando lugar a um novo crédito cuja garantia só foi emitida em 31-3-98; n) Aquele primeiro crédito extinguiu-se antes do seu vencimento, não tendo os RR. sócios da Recorrente chegado a assumir a condição de devedores daquele primeiro crédito; o) Os RR. sócios da Recorrente têm legitimidade para opor ao A., nos termos do art. 637° do CC e também dos artigos 10°, 17° e 32° da LULL, aplicáveis por remissão do art. 77º, as excepções decorrentes das relações imediatas, uma vez que a autonomia do aval não é total; p) Mesmo que se aceitasse a validade ou manutenção da primeira relação contratual, não se poderia de deixar de verificar que no momento em que os sócios se tornam devedores já o negócio impugnado havia ocorrido; q) Isto porque o crédito do A. sobre os RR. sócios da Recorrente não nasceu no momento da celebração dos contratos; r) Ainda que se entendessem válidos os avales genéricos prestados, estes são uma garantia a accionar em determinado momento e só nesse momento nasce para o credor um direito de crédito sobre o garante; s) A obrigação do avalista é materialmente autónoma, não acessória; t) Os gerentes da "K…" comprometeram-se a assegurar um crédito existente em data determinada. Só nessa altura e através do preenchimento da livrança em branco pela totalidade do crédito existente na data do envio da carta com essa indicação pela recorrida é que se constituiu o crédito; u) Atento o carácter autónomo do aval prestado e dos avalistas como devedores de uma obrigação própria, deve configurar-se o aval como um negócio abstracto cuja validade não está na dependência da relação causal; v) Sendo o objecto da impugnação a entrada em espécie que operou uma transferência do património imobiliário dos RR. sócios da Recorrente para a esfera desta, e datando este negócio de 11-7-97, deve considerar-se como não verificado o pressuposto da anterioridade do crédito face ao negócio impugnado; w) Admitindo-se a existência dos créditos titulados pelas livranças estes só se constituíram, respectivamente, em 4-8-98, 31-10-98 e 5-2-98, pois antes do vencimento o crédito não lhes é exigível nem se encontra quantificado; x) Dadas as distintas personalidades jurídicas e patrimónios das sociedades e dos seus gerentes e sócios, o momento temporal em que o crédito é assumido pelos RR. sócios através de aval prestado é distinto e é esse que releva para aferir da procedência da impugnação pauliana; y) Não ocorre o pressuposto de consciência de prejuízo na pessoa dos RR. sócios da Recorrente, porque em 1998, mantendo-se a "K…" em actividade, desconheciam aqueles que teriam de responder pelas dívidas da mesma; z) Só após a acção executiva os RR. sócios da Recorrente tomaram consciência de que eram devedores do A.; aa) Não resultou demonstrada a consciência do prejuízo causado ao A., resultando apenas provado que os RR. sócios da Recorrente sabiam que a "K…" era devedora de quantias ao A.; bb) Assim, é errado julgar, como fez a sentença recorrida, que o terceiro adquirente, a Recorrente, sabia e tinha consciência do prejuízo causado ao A., por os seus sócios disso terem conhecimento; cc) Não resultou provado o animus nocendi específico, imprescindível para ser julgada procedente a impugnação de negócios celebrados anteriormente e a existência do crédito com o propósito de o frustrar; dd) Faltando a prova do animus nocendi, deveria ter-se julgado pela improcedência da acção, pois é ao credor impugnante que cabe o ónus da prova que o acto foi realizado de má-fé, de acordo com o art. 342°, nº 1, do CC; ee) Não ocorreu diminuição de património dos RR. sócios da Recorrente com a entrada dos imóveis para o capital da V…, uma vez que os sócios ficaram donos da mesma investidos na titularidade das acções sobre o capital Recorrente; ff) Isto não poderia ter sido provado em desfavor dos Recorrentes, pois consta da escritura de constituição da V… junta aos autos e como documento autêntico dotado de força probatória plena - arts. 363° e 371° do CC; gg) Não resultou demonstrado o agravamento ou a insolvência dos devedores porque as acções da V… detidas pelos RR. sócios da Recorrente são penhoráveis e os mesmos efectuaram a sua entrada de capital em espécie passando a ser titulares de acções com um valor nominal igual ao valor dos imóveis; hh) Não houve diminuição nem enfraquecimento da garantia patrimonial que o A. dispunha sobre os RR. sócios da Recorrente, pois tanto são penhoráveis bens imóveis, como acções que titulem o direito a quota-parte desses bens; ii) Não se encontrando preenchidos os requisitos de que depende a procedência da impugnação pauliana, deve por isso ser revogada a sentença recorrida.

  4. Houve contra-alegações.

  5. Colhidos os Vistos legais, Cumpre Apreciar e Decidir.

    II - Factos Provados: 1. O B..., é portador das livranças: - n° 0980010000351, no valor de Esc.: 90.758.499$30, relativa a um financiamento, emitida a seu favor, em 19-5-94, por "K….", com vencimento em 4-8-98, tendo C… e mulher, M…, e H…, prestado o seu aval à firma subscritora; - n° 0018090000450, no valor de Esc.: 2.500.000$00, relativa a um financiamento à tesouraria, emitida a seu favor, em 5-2-98...

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