Acórdão nº 274/2005-6 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 16 de Fevereiro de 2006
Magistrado Responsável | MANUELA GOMES |
Data da Resolução | 16 de Fevereiro de 2006 |
Emissor | Court of Appeal of Lisbon (Portugal) |
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa.
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F..., residente na Suíça, intentou no dia 3.11.2000, no Tribunal Judicial de Santa Cruz, na ilha da Madeira, acção de reivindicação, com processo comum, sob a forma ordinária, contra S, SA, com sede no Funchal, pedindo que se declarasse que é proprietário da fracção habitacional "O-1º", do prédio urbano sito na freguesia do Caniço, do concelho de Santa Cruz, e que se condenasse a ré a restituir-lhe a dita fracção livre de pessoas e coisas.
Para tal, alegou que, por escritura de 3.10.75, adquiriu a propriedade da fracção acima referida por compra, encontrando-se a propriedade da mesma registada a seu favor, e que a ré, sem título que legitime o seu uso, ocupou a dita fracção e encontra-se a usufruir o apartamento.
Citada, veio a ré contestar.
Invocou, em síntese, que, não obstante ser verdade que o autor outorgou no contrato de compra e venda relativo à fracção em causa, sendo o registo feito a favor do vendedor da fracção ao autor nulo, por estar fundado em escritura da qual não constava a fracção em causa - a "O" do 1º piso - mas apenas a fracção "O" do 3º piso, o título translativo da propriedade de que beneficia o autor, embora formalmente válido, não transferiu para si o direito de propriedade de que a transmitente nunca foi titular.
Mais alegou que, tendo adquirido à I cinco prédios e 45 fracções de um 6º prédio, nessa data entregaram-lhe, entre muitas outras, as chaves da fracção em causa, que, à data, estava a ser "ocupada e explorada" como se propriedade fosse daquela, desde 1973, situação que se tem mantido com a ré, que, continuou a "ocupar e usufruir" a fracção, na convicção de ser sua proprietária, desde 1988 até ao presente, de boa fé e sem oposição de ninguém.
Terminou pedindo que fosse julgada procedente a excepção peremptória da nulidade do registo, com a absolvição da ré do pedido e ainda que fosse julgada procedente a excepção de usucapião invocada e que em consequência fosse reconhecida e declarada a constituição do direito de propriedade da fracção em causa a favor da ré.
O autor respondeu à matéria das excepções invocadas.
Alegou, em síntese, que, efectivamente, a sociedade que lhe vendeu a fracção -G, Lda - adquirira-a à I por escritura de 9.10.75, tendo havido um lapso de escrita na identificação dessa escritura, lapso de que o Conservador se apercebeu, mas certamente por esquecimento, não rectificou. Daqui decorre, que a I sabia que a fracção não era sua, mas da G. Adquirida a fracção, acordou com a vendedora a cedência da sua utilização mediante o pagamento de "um rendimento"; a partir de 1980 o autor deixou de receber o dito rendimento e de saber quem detinha a fracção e só em 1997 constatou que a fracção não estava registada na Conservatória do Registo Predial, como acordara com a vendedora; a I ao celebrar com a ora ré o contrato-promessa de compra e venda relativo aos imóveis onde se localiza a fracção do autor, ressalvou expressamente que aquela não fazia parte do negócio; a I nunca se arrogou possuidora da fracção, tanto que, nas negociações com a ré, sempre salientou que a mesma não fazia parte do negócio, como deixou expresso no Documento Complementar que integra a escritura de compra e venda celebrada entre a I e a ré.
Terminou pedindo a improcedência das excepções e a condenação da ré como litigante de má fé, por, deliberadamente, fazer "tábua rasa" dos contratos que celebrou.
Corridos os subsequentes termos processuais, já na fase de julgamento, o autor veio requerer a ampliação do pedido (fls. 401 verso e 402).
Alegou que, efectivamente se verificava um lapso manifesto no requerimento que dera origem à inscrição intermédia G-2, que antecede o registo da sua aquisição da fracção, já que o título correcto é a escritura de 9.10.75, lavrada a fls. do Livro do Cartório Notarial de Santa Cruz e não a que o registo refere.
Terminou pedindo que, para além do mais, se declarasse válida a inscrição G-2 referente ao prédio descrito sob o nº 1679/040495-Caniço.
Também na fase de julgamento, M, invocando que o prédio reivindicado se encontra inscrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Cruz em nome do autor, casado com ela no regime da comunhão geral de bens, veio requerer a sua intervenção nos autos, declarando fazer seus os articulados do autor e ratificar todo o processado pelo advogado constituído pelo mesmo.
A ré opôs-se, quer à requerida ampliação do pedido, que defendeu não poder ser considerado desenvolvimento ou consequência do pedido inicial (fls.469), quer à intervenção da mulher do autor, com fundamento em que, devendo a acção ter sido proposta pelo marido e pela mulher nos termos do art. 28º-A do CPC, a sua intervenção não podia ser requerida nos termos do art. 320º, alínea a) do mesmo diploma, porquanto este se refere apenas às situações abrangidas pelos art. 27º e 28º (fls. 473 e 474).
Sem que tenha havido decisão sobre a requerida intervenção e sobre a ampliação do pedido, foi dada a resposta à matéria de facto e, em seguida, foi proferida sentença, onde, após se terem enunciado os factos provados, se decidiu ser admissível tanto a ampliação do pedido como a intervenção requerida e, julgando-se a acção procedente, declarou-se serem os autores proprietários da fracção em causa e condenou-se a ré a restitui-la, de imediato, aos autores (fls. 506 a 509).
Dizendo-se inconformada com essa decisão, apelou a ré.
Alegou e, no final, concluiu, em síntese, que: - A sentença é nula nos termos do art. 668º, al. b) do CPC, pois, apesar de elencar os fundamentos de facto e de direito, não esclarece porque é que decidiu da forma como decidiu; - Sob a epígrafe "Intervenção principal espontânea", na sentença recorrida pode ler-se que é admissível, a todo o tempo e enquanto não estiver definitivamente julgada a causa, a intervenção nos autos da mulher do autor, remetendo, em nota de rodapé, para os art. 27º, 28º, 320º nºs 1 e 2 do CPC.
- Afinal, o Tribunal a quo decidiu pela admissibilidade da intervenção nos autos da interveniente M; porém, conforme oportunamente alegado pela Apelante em resposta à Intervenção Espontânea da mulher do Apelado a ilegitimidade resultante do desrespeito do litisconsórcio necessário não é suprível mediante intervenção espontânea, porquanto o art. 322°, seja o nº 1, seja o nº2, não prevê a situação do art. 28º-A, mas apenas os arts. 27°, 28° e 30° e 31° do mesmo diploma.
- Ao decidir pela admissibilidade da intervenção da mulher do Apelado, o Tribunal a quo fez uma errada interpretação do disposto no art.322°, n°s 1 e 2 do C.P.C., não concluindo, como deveria, pela ilegitimidade do Apelado nos presentes autos e consequente absolvição da instância, conforme se impunha, por força do disposto nos arts. 493°, nºs. 1 e 2 e 494°, e) do C.P.C..
- Sob a epígrafe "Alteração do Pedido" o Tribunal declarou que o mesmo pode ser alterado até ao encerramento da discussão em primeira instância, se a ampliação for uma consequência do pedido primitivo, mas tal não é mais do que a transcrição do art. 273°, n° 2 do C.P.C.
- Em momento algum o Tribunal a quo se pronunciou sobre a existência ou não de tal relação directa entre o pedido inicial e o pedido formulado a posteriori, limitando-se a concluir pela admissibilidade da ampliação do pedido.
- Não se alcança por que razão o tribunal considera que o pedido de declaração judicial da validade da inscrição G-2 é consequência do pedido primitivo do apelado, o que constitui nulidade da sentença, nos termos do disposto no art. 668º, nº1, al. b) do CPC.
- Acontece que a inscrição G-2 diz respeito a duas sociedades estranhas aos presentes autos (compra e venda entre I e a G) e, como tal, o pedido do Apelado extrapola completamente a relação material controvertida, tal como ele a delineou na petição inicial.
- De igual modo, também os factos (causa de pedir) de que o Apelado faz emergir o efeito jurídico pretendido (pedido) são, eles próprios, factos novos, distintos e autónomos dos alegados inicialmente - o que é uma verdadeira alteração da causa de pedir, impossível de ser alterada na fase processual em que o apelado a fez - art. 273°, n° 1 do C.P.C..
- O que o apelado pretendeu, com a alteração do pedido foi a validação de um registo predial relativo a uma relação jurídica totalmente diferente daquela que é objecto do presente pleito, mas, que afecta gravemente a sua, por lhe ser anterior.
- O Apelado não é sujeito daquela outra relação material subjacente à inscrição G-2, nem representante de algum dos seus sujeitos, o que o torna parte ilegítima para deduzir tal pedido, nos termos do disposto no art. 26° do C.P.C. Assim, - O tribunal fez uma errada interpretação e aplicação do disposto no art. 273°, ns° 1 e 2 do C.P.C. e ignorou por completo o disposto no art. 26° mesmo diploma.
- Estas normas, a terem sido correctamente interpretadas e aplicadas ao caso sub judice, teriam conduzido à inadmissibi1idade da alteração do pedido e da causa de pedir formulados pelo Apelado, - A decisão a quo, na fundamentação de direito que...
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