Acórdão nº 9549/2004-6 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 29 de Setembro de 2005

Data29 Setembro 2005
ÓrgãoCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa: 1. Relatório: C, intentou, em 3 de Julho de 2002, no Tribunal Cível da Comarca de Lisboa acção de impugnação pauliana, com processo ordinário, contra E, R e mulher MA, pedindo que fosse decretada a ineficácia da transmissão da propriedade feita pela 1ª ré aos 2ºs réus da fracção autónoma designada pela letra "N", correspondente ao sexto andar, lado esquerdo, do prédio urbano sito na Damaia, descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial da Amadora sob o n° 144.

Para tanto alegou, em síntese, que é credor de J e que a ré E avalizou uma letra aceite pelo mesmo que titula tal crédito. Esta ré, oito dias antes do vencimento da referida letra, vendeu aos 2ºs réus a fracção autónoma descrita pelo valor de 11.150.000$00 quando tal fracção tem o valor de 24.000.000$00, sendo que, com tal alienação, ficou a mesma ré impossibilitada de pagar a quantia que deve ao autor. Os 2ºs réus agiram também com má fé, pois conheciam o débito da 1ª ré, tendo adquirido a fracção por um preço inferior ao preço real.

Apenas os 2ºs réus contestaram, alegando, em suma, que desconheciam o débito da 1ª ré e justificando o preço pela circunstância de ter sido acordado que a alienante residiria na fracção mais um ano.

Foi concedido apoio judiciário ao autor na modalidade de dispensa total de taxa de justiça e demais encargos com o processo (fls. 34).

Procedeu-se a julgamento, após o que foi proferida sentença, julgando a acção procedente e, consequentemente, declarando totalmente ineficaz em relação ao autor a transmissão da propriedade da identificada fracção autónoma.

Inconformados, apelaram os réus R e MA, sustentando na sua alegação a seguinte síntese conclusiva: A) Na impugnação pauliana que teve por fundamento um crédito resultante de garantia acessória prestada por aval em letra em branco caberá ao Autor fazer prova da existência do seu crédito e da validade do título de que advém quando não resultar de documento autêntico; B) Ficando provado que o título não foi assinado nem aceite na data nele aposta e não existindo nem tendo sido apresentado qualquer acordo de preenchimento, somos forçados a concluir que tal título, pelas circunstâncias e fim a que o mesmo foi emitido, é inválido como título de crédito pela falta de requisitos impostos no art. 1° da LULL, o que torna inválida a garantia nele aposta; C) No negócio de alienação oneroso cabe ao Autor fazer prova da má fé entre vendedor e comprador com vista à produção efectiva ou faculdade de produção de prejuízo causado à garantia patrimonial do credor, conforme dispõem os artigos 610º, 612º e 342º do C. Civil, de forma a preencher todos os requisitos do direito que o Autor pretendeu exercer com a presente acção; D) O recurso à presunção judicial pela qual determinados factos que foram quesitados foram dados por provados tem natureza excepcional já que prevalece a prova de forma directa; E) Tal recurso só é possível quando são dados por provados determinados factos que, em conjunto e com recurso às regras de experiência e perante uma operação de lógica dedutiva, é possível infirmar outros factos; F) Contudo impõe-se que estejam pré-provados determinados factos que em conexão permitam infirmar um facto que, quesitado, não houve sobre ele prova directa; G) Para que ocorra esse raciocínio terá o Meritíssimo Juiz de Julgamento que fundamentar quer os seus pressupostos quer o concreto raciocínio efectuado; H) Não se estabelecendo na matéria dada por provada que entre a vendedora e comprador existia relação de parentesco; convívio ou mesmo conhecimento da vida recíproca muito anterior à aquisição; conhecimento directo ou indirecto dos créditos do Autor ou de outros credores; não existindo conhecimento do acervo patrimonial da Ré vendedora e que a transacção diminuía a garantia do credor, não pode o Juiz de Julgamento dar por provado o conhecimento de tais factos pelo recurso à presunção judicial; I)Verificando-se que existe um uso irregular desse meio de obtenção de prova, deverá a mesma ser objecto de censura modificando-se nos termos do art. 712° n° 1 C.P.C. a matéria de facto, não se dando por provado os art. 12° e 13° da Base Instrutória e, em consequência, absolver-se os Réus do pedido; J) A douta sentença recorrida viola o art. 342° n° 1, 349° e 351°, 612° n° 1 todos do C. Civil e 264° n° 2 C.P.C.

Modificando-se a matéria de facto que foi dada por provada com recurso à presunção judicial, cujo uso é irregular (em face da ausência de factos pré-provados ou assentes dos quais se pretendeu infirmar factos não resultantes de prova documental ou testemunhal), alteração admissível nos termos do art. 712° C.P.C., devem absolver-se os Réus do pedido.

Na contra alegação o autor pugnou pela confirmação do julgado.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

  1. Fundamentos: 2.1. De facto: Na 1ª instância julgaram-se provados os seguintes factos: 1 - No dia 22 de Novembro de 2001, no 17° Cartório Notarial de Lisboa foi outorgada escritura pública denominada de "Compra e venda" junta a fls. 14 a 16, cujo teor se dá por reproduzido, nos termos da qual E declarou vender a R e MA, e estes declararam comprar por onze milhões e cinquenta mil escudos (ditos como recebido pela primeira), a fracção autónoma designada pela letra "N", a que corresponde o 6° andar, do prédio urbano sito na freguesia da Damaia, Amadora (A); 2 - A aquisição referida em 1 encontra-se registada desde 30.11.2001 (B); 3 - A Ré E procedeu à compra daquela fracção "N" em Julho de 1996 por 17.000.000$00 (C); 4 - A...

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