Acórdão nº 2405/05-2 de Tribunal da Relação de Guimarães, 25 de Janeiro de 2006

Magistrado ResponsávelANA RESENDE
Data da Resolução25 de Janeiro de 2006
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES I - Relatório 1. A.

demandou B, intervindo posteriormente, na posição de R., F.

Face à compra e venda celebrada com B., aceitando esta intervir nos autos nos termos do art.º 330, do CPC, conforme o decidido nos autos de habilitação de adquirente, em apenso.

, pedindo a sua condenação no pagamento de 8.000€, a título de indemnização por danos não patrimoniais, a quantia de 14.000€, a título de indemnização por danos patrimoniais, bem como efectuar todas as obras necessárias à eliminação dos defeitos e anomalias do arrendado, no prazo a fixar pelo critério do Tribunal, sob pena de o não fazendo, ser condenada a pagar à Autora o valor necessário à sua execução por outrem, apontado em 50.000€.

  1. Alega para tanto que reside no prédio urbano identificado, já anteriormente a 31 de Outubro de 1959, data em que foi reduzido a escrito o contrato de arrendamento celebrado entre o seu falecido marido e C., que vendeu o arrendado a António Ferreira, que por sua vez o vendeu à R. actual proprietária desde 9 de Março de 2001.

    O prédio encontra-se totalmente degradado, constituindo uma ameaça para a sua vida, pois o telhado ameaça cair, assim como as paredes interiores, das quais já caiu, e continua a cair, parte significativa do respectivo revestimento, estando as mesmas repletas de humidades e manchados, com bolores, nitro e salitre, as caixilharias exteriores e interiores com sinais evidentes de apodrecimento, com infiltrações a escorrer pelas paredes e tectos.

    Esta situação determinou o apodrecimento dos móveis, encontrando-se as roupas amarelecidas e carcomidas, tais como outros objectos de adorno, e impede o pleno gozo do arrendado, sendo lesiva da sua saúde, provocando-lhe grande desgosto, desconforto e medo.

    O arrendado carece assim, urgentemente, de várias obras de conservação, que já foram solicitadas pelo seu falecido marido, reiterada e insistentemente, tendo a R. ignorado a ordem da Câmara Municipal para a sua realização, sendo que por ser muito idosa e doente, vivendo exclusivamente da sua pequena reforma, não possui disponibilidades económicas para as mandar efectuar por terceiros, sendo necessário reter o dinheiro da renda por demasiado tempo.

  2. Citada veio a R. contestar, por excepção, alegando que a A. não usou todos os mecanismos jurídico-administrativos adequados antes de recorrer à propositura da acção, e por impugnação, contrariando o factualismo aduzido pela A., invocando que os pedidos pela mesma formulados constituem um manifesto abuso de direito.

  3. A. veio responder.

  4. No despacho saneador foi considerada a forma processual adequada para a A. fazer valer a sua pretensão, fixados os factos assentes e organizada a base instrutória.

  5. Realizado o julgamento foi proferida sentença que condenou a R. adquirente, Freitas Costa & Filhos, Lda., a efectuar as obras necessárias à eliminação dos defeitos e anomalias do arrendado, descritos na alíneas z) dos factos provados, no prazo de 90 dias, sob pena de o não fazendo ser condenada a pagar à A. o valor necessário à sua execução, que se fixa em 50.000€, e a pagar à A., a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, as quantias que resultarem da liquidação em execução de sentença.

  6. Inconformado, veio a R. interpor recurso, de apelação, formulando, nas alegações apresentadas, em síntese, as seguintes conclusões: - Quanto à condenação na realização de obras, resultou apurado que o imóvel tem muitos anos, mais de 50 anos; pelo menos desde 1959 os Autores nele habitam; está totalmente degradado; a R. adquiriu o imóvel em 9.03.2001; o falecido marido da Autora solicitou, em Julho de 2001 à Câmara Municipal de Braga uma vistoria; renda mensal actual é de 14,38€ e o valor necessário para tão complexas obras ascenderá a 50.000€, desde uma mudança de telhado, das guarnições de portas e janelas, aplicação de novo pavimento/soalho, re-eregimento das paredes interiores.

    - O tribunal a quo entendeu que não havia qualquer abuso de direito por não vislumbrar qualquer ofensa clamorosa do sentimento jurídico dominante, e consequentemente qualquer exercício abusivo do direito.

    - O estado do prédio – degradado em iminente ruína – não é fruto dos últimos 3, 4 anos, mas sim de um processo de degradação progressiva de muitos anos, que poderia – e deveria – ser evitado caso o anterior senhorio tivesse intervido, como ser impunha. Mas isto é um facto objectivo, o anterior senhorio nunca fez tais obras e o estado do prédio degradou-se até à ruína iminente que apresenta.

    - Mas não solicitaram, como em Julho de 2001, data imediatamente posterior à venda do imóvel à R. – que se realizou em Março de 2001 – uma vistoria à Câmara Municipal de Braga, nem interpuseram qualquer meio coercivo para a realização das ditas e necessárias obras, num momento em que estas não seriam tão complexas, nem tão dispendiosas.

    - Deste modo é legítimo, à luz da actualidade assente e do recurso de presunções judiciais, de facto e naturais (porquanto se trata de facto que se funda nas regras práticas da experiência, nos ensinamentos hauridos através da observação empírica dos factos) e ainda a presunções simples ou da experiência (que se inspira nas máximas da experiência, nos juízos correntes da probabilidade, nos princípios da lógica ou nos próprios dados da intuição humana), considerar-se que o estado de ruína iminente do imóvel é compatível e resulta de um longo processo de degradação, que se verifica há longos anos; ao longo dos anos, ao se aperceberem do estado de progressiva do imóvel, do agravamento das deficiências, os locatários não providenciaram no sentido de evitar o agravamento dessas deficiências; - Atento o estado de ruína eminente do imóvel, nenhuma dúvida resulta – sendo um facto notório que carece de alegação e prova – que aquele mesmo estado já se verificava antes da aquisição do imóvel pela Ré.

    - Ao reclamar na presente acção a realização de obras, a reparação das deteriorações, a recorrida usa um direito (ao gozo da coisa locada) de uma forma manifestamente excessiva, para além dos limites da boa fé, com o que incorre em abuso de direito.

    - O uso do direito pela recorrida é manifestamente ilegítimo, porque violador da boa fé. O titular do direito não invocou o mesmo – o direito ao gozo do locado e à necessidade de obras – durante bastante tempo e sempre observou um comportamento através do qual o devedor podia legitimamente concluir que o direito já não seria exercido. Assim tendo em conta o comportamento anterior da recorrida entendemos que esta perdeu o direito.

    - Mas para além do abuso do direito na modalidade de perda do direito, entendemos que tendo em conta a acentuada desproporção entre o custo das obras e a exiguidade das rendas, a reclamação das obras é manifestamente excessiva e violadora dos limites impostos pela boa fé e pelo fim social do direito.

    - E age com abuso de direito o inquilino que exige do senhorio a realização de obras de reparação do locado, em consequência do estado de degradação, no caso de manifesta desproporcionalidade entre o seu custo e o montante da renda, Esta é a corrente jurisprudencial dominante.

    - Tendo ainda em conta o valor médio das rendas naquela zona varia entre os 250€ e os 300€ por mês e que o arrendado apresentava graves anomalias que estão a afectar o gozo do prédio por banda da A., sendo certo que, atendendo ao mau estado do imóvel, só a sua reparação pode assegurar à A, o gozo do locado, para a sua habitação, gozo esse que o locador está obrigado a proporcionar à locatária, bem como que a natureza da obras requeridas não são subsumíveis a nenhuma das alíneas do n.º 2, do art.º 11 do RAU, mas tratam-se de obras de conservação extraordinárias, n.º 3 do art.º 11 e 13 do RAU, na medida em que não são directa e exclusivamente imputáveis a acções ou omissões ilícitas perpetradas pelo senhorio, conforme o referido no auto de vistoria da Câmara Municipal datado de 20.7.2001, pergunta-se: será legítima a posição da recorrida? - Surgem dúvidas fundadas, tendo em causa o estado de degradação avançado do imóvel, em eminente ruína, que tais obras possam recuperar o prédio.

    - A desproporção entre o valor da renda mensal e o do custo das obras provoca um desequilíbrio das posições jurídicas da apelante e da apelada que é manifesta.

    - Constata-se que a pretensão formulada pela recorrida, por não ser um exercício moderado, equilibrado, lógico e racional do seu direito, constitui um abuso de direito, e como tal tornou-se ilegítima e equivalente à falta de direito, tornando legítima a oposição feita a uma tal pretensão. A pretensão da apelada configura um exercício inadmissível da sua posição jurídica, excedendo manifestamente os limites impostos pela boa fé, os quais apontam para o equilíbrio prestacional no domínio das relações contratuais, como é o caso do contrato de arrendamento.

    - Haja ou não culpa do senhorio por omissão de obras de conservação, a perda do locado, como é o caso, dado o estado de degradação e iminente ruína do imóvel inviabilizadora do fim do contrato – proporcionar o gozo da coisa locada – determina ope legis a caducidade do contrato, que expressamente se invoca, caducidade que é de conhecimento oficioso.

    - Quanto à condenação em indemnização a liquidar em execução de sentença, no que se refere aos danos de natureza patrimonial, a A. alegou danos, avaliou-os, atribuindo-lhe um valor pecuniário e peticionou a correspondente indemnização. Todavia não logrou provar, como lhe competia, atentas as regras do ónus da prova, o seu valor e, consequentemente, o valor dos prejuízos. O mesmo se verifica quanto à compensação pelos danos não patrimoniais, dado que provada a factualidade onde se enquadram os danos sofridos, apenas restava, com recurso à equidade, atribuir a competente indemnização.

    - Ora, não se pode permitir à A. que possa fazer prova, pela segunda vez, sobre os factos alegados, já produzidos e conhecidos à data da interposição da acção declarativa, em...

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