Acórdão nº 1888/04-2 de Tribunal da Relação de Guimarães, 09 de Fevereiro de 2005

Magistrado ResponsávelAN
Data da Resolução09 de Fevereiro de 2005
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES "A", e mulher "B", residentes na ..., Viana do Castelo, vieram intentar a presente acção, com forma de processo ordinária, contra "C" e "D" e mulher pedindo que se declare que são donos do prédio urbano tal como o descrevem no seu articulado e que se condenem os réus a assim o reconhecerem e a absterem-se de praticar actos susceptíveis de violar a posse dos autores.

Para tanto alegam, em síntese, que desde há mais de 17 anos os segundos réus autorizaram os autores a levantar no prédio uma construção.

Acrescentam que desde a construção os autores vêm possuindo tal construção, de forma pública, pacífica e contínua, à vista de toda a gente, sem oposição de quem quer que seja.

Finalizam dizendo que em inventário os réus não aceitam que a construção “oficina” seja dos autores e daí a necessidade de instauração da presente acção.

Os réus contestaram a presente acção defendendo-se por impugnação directa, e deduziram pedido reconvencional.

Os autores vieram responder ao pedido reconvencional, pedindo alteração do pedido inicial e a condenação dos réus como litigantes de má fé.

Na tréplica os réus mantiveram a posição já por eles assumida.

Terminam concluindo pela improcedência da acção.

Saneados e condensados os autos, foi respondida à matéria de facto e proferida decisão que julgou a presente acção procedente e improcedente o pedido reconvencional e, em consequência: Declarou que os autores são donos do prédio que descrevem no artigo 5º e 6º do seu articulado inicial e que consta da matéria assente: - uma construção destinada a oficina de carpintaria, com a superfície coberta de 72 m2, que confronta do nascente com Maria A... e do norte, sul e poente com o terreno de logradouro do prédio, fazendo-se o acesso a essa construção com o mesmo logradouro e que efectuada no prédio descrito em A) “Prédio composto por casa de habitação, de rés-do-chão, e terreno de logradouro, situado no lugar de ..., Rua ..., com 62 m2 quadrados de superfície coberta e 184 metros quadrados de logradouro, a confrontar do norte com estrada municipal e do sul, nascente e poente com Madalena M..., inscrito na matriz predial de santa Maria Maior sob o artigo ..." - certidão de fls. 133 e seguintes.

Condenou os réus a reconhecerem o supra descrito prédio e, bem assim, a absterem-se de praticar todos e quaisquer actos susceptíveis de perturbar, prejudicar ou violar a posse e o direito de propriedade dos autores.

No mais absolveu os réus do pedido reconvencional.

Inconformadas com esta decisão, apelaram a Ré e as Rés habilitadas, suas filhas, e nas alegações deduziram as seguintes: CONCLUSÕES:1- O Tribunal a quo nunca poderia julgar procedente o pedido dos agora recorridos baseado na acessão industrial imobiliária. Uma vez que pretendem os agora recorridos adquirir, mediante a acessão, apenas uma parcela de terreno tinham que ter alegado e depois provado o valor actualizado da dita parcela, à data da incorporação, o valor (também actualizado) da nova “unidade predial” (constituída pelo conjunto formado pela obra nova e pela parcela de terreno). E não tendo sido produzida a respectiva prova, é evidente que a sua pretensão tinha de improceder.

2- A fracção de terreno onde se encontra situada a oficina não podia, nem pode, ser objecto de um direito de propriedade distinto daquele que tem por objecto todo o prédio descrito na alínea A) da Especificação, e isto de acordo com o princípio da totalidade e com o princípio da especialidade ou da individualização.

3- A fracção ou parcela onde se encontra situada a oficina não podia, nem pode, ser objecto de um direito de propriedade distinto daquele que tem por objecto todo o prédio descrito na alínea A) da Especificação, uma vez que o dito prédio nunca foi loteado (cfr. art. 27, n.º 1 e 2 do Decreto Lei n.º 289/73; art. 53º do Dec-Lei 448/91 e art. 49º do Decreto-Lei n.º 177/2001 de 4 de Junho de 2001 actualmente em vigor). E a dita parcela do prédio nunca foi, nem podia ter sido, objecto de destaque (cfr. art. 6º Decreto-Lei n.º 177/2001 de 4 de Junho de 2001, tal como o anterior art. 5º do D.L. 448/91 de 29 de Novembro).

4- Consequentemente, nunca foi exercida sobre a dita parcela de terreno posse.

Uma vez que não há posse sobre coisas cuja propriedade não se possa adquirir.

Posse é o poder de facto que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real (art. 1251º do Código Civil) e estes direitos só podem incidir sobre coisas autónomas e individualizadas, já não sobre partes de um todo mais vasto.

5- E não havendo posse é claro que não podia nem pode ser invocada a usucapião – a usucapião supõe posse e a posse, por sua vez, só existe sobre coisas autónomas.

6- Os tribunais cíveis ao analisarem a usucapião não podem desprezar a legislação sobre loteamentos, de modo a que esse regime não influencie a solução, ao invés, devem considerar o ordenamento jurídico como um todo harmónico em que cada solução passa pela análise de todos os ramos do direito, pois só assim evitarão verdadeiras fraudes à lei. De facto, só assim evitarão que através do instituto da usucapião se obtenha uma espécie de “legalização” de loteamentos e destaques clandestinos.

7- Consequentemente, o Tribunal não podia ter reconhecido aos agora recorridos o direito de propriedade com base na invocada usucapião e depois afirmar que por força da usucapião se virá a proceder ao destaque. Tal implica inverter os pressupostos lógico-jurídicos da usucapião e alterar a sua finalidade, uma vez que a usucapião não foi concebida pelo legislador como uma forma de individualizar ou autonomizar partes de coisas.

Assim sendo, o Tribunal a quo violou o art. 2.º, 4.º, 6º e 49º do Dec-Lei 177/2001 de 4 de Junho actualmente em vigor; o art. 2º, 3º, 5º e 53º do Dec-Lei 448/91 que vigorava ao tempo da invocação da usucapião; e o art. 1º e 27º do Dec-Lei de 6 de Junho que vigorava ao tempo da edificação da carpintaria. Bem como, os arts. 335, n.º 2, 408, n.º 2, 1251º e 1287º, todos, do Código Civil.

8- Refira-se, ainda, que a doutrina e a jurisprudência (incluída a do STJ) têm entendido, maioritariamente, que a acessão, não obstante se tratar de uma forma de aquisição originária – tal como a usucapião – só pode operar em relação a uma fracção de um prédio quando a dita fracção se encontre devidamente autonomizada e demarcada, a ponto de constituir uma unidade económica independente. Uma vez que o juiz não deve consolidar uma situação desconforme com as regras que condicionam o fraccionamento de prédios rústicos e regulam os loteamentos e destaques para fins de construção; 9- Sendo assim, e por tudo o anteriormente referido, não restam dúvidas que o mesmo deve ser afirmado quando em causa esteja a invocação da usucapião.

10- Sem prescindir do até agora afirmado, no caso em concreto, a invocação da usucapião nunca poderia conduzir à aquisição originária da propriedade da referida parcela de terreno, uma vez que não resultou provada a forma pela qual os agora recorridos “adquiriram” a eventual posse nem a data em que a “adquiriram”.

11- Ora, como é evidente, a determinação da forma de aquisição da eventual posse e a data exacta da mesma eram, absolutamente, indispensáveis nesta acção, uma vez que foi invocada a usucapião e era necessário contabilizar o tempo de posse relevante!...

12- O Tribunal a quo nem sequer se pronunciou sobre a questão de saber como foi adquirida a “eventual” posse, e quanto à data do início da posse limitou-se a fixar o ano de 1981...

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