Acórdão nº 2316/04-2 de Tribunal da Relação de Guimarães, 09 de Fevereiro de 2005

Magistrado ResponsávelCARVALHO MARTINS
Data da Resolução09 de Fevereiro de 2005
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em Conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães: "A", residente na Rua ..., intentou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma sumária, contra "B" (Banco), com sede na Av. ..., alegando ter aberto, em data que especifica, conta, que identifica em sucursal do réu, em Braga, tendo, nessa data, depositado na mesma cheque que identifica, no valor de esc. 1.000.000$00, que a ré teria creditado na conta do autor, com data valor de 8 de Abril de 1998. Sucede, continua o autor, que cerca de um mês depois do depósito foi informado por um funcionário do réu que o cheque em questão havia sido devolvido por falta de provisão, devendo proceder ao levantamento do mesmo no banco. Tendo-se deslocado para o efeito o cheque não lhe foi devolvido, o que se mantém até à presente data, tendo o réu debitado na conta do autor o valor correspondente ao cheque alegadamente devolvido, acrescido de despesas.

Por isso, uma vez que se encontra desapossado do cheque, que constitui título executivo, e considerando que o réu cometeu falta grave ao não dar conhecimento atempado da devolução do cheque ou ao aceitar a sua devolução depois de decorrido o respectivo prazo para o efeito, deverá ser responsável pelos prejuízos decorrentes de tal actuação, correspondentes ao valor do cheque, acrescido de juros de mora à taxa legal desde o dia de apresentação do cheque a pagamento e até efectivo e integral pagamento.

Contestou o réu, impugnando os factos alegados pelo autor e alegando que o depósito só se toma efectivo após cobrança efectiva dos valores depositados, o que não sucedeu no caso presente, sendo ainda que o cheque foi apresentado a pagamento já depois de decorrido e esgotado o prazo previsto no art° 29° da LUC. Acrescenta ainda que o autor fez um levantamento de quinhentos contos, em dinheiro, da mesma conta, que apenas lhe foi entregue dado o lapso de tempo entretanto decorrido, sendo certo que o cheque em questão lhe foi devolvido em mão, no balcão, depois de a carta que continha o mesmo ter sido devolvida várias vezes, tendo a conta à ordem ficado com um montante devedor equivalente ao montante supra indicado.

Respondeu o autor impugnando os factos alegados pelo réu.

Ambas as partes pedem a condenação da outra como litigante de má fé.

Oportunamente, foi proferida decisão, onde se consagrou que: Pelo exposto, tudo visto e considerado, decide-se julgar a presente acção totalmente improcedente, absolvendo-se o réu do pedido.

Custas pelo autor, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.

"A", autor nos presentes autos, em que é ré, "B", não se conformando com a sentença de fls... veio dela interpor recurso de apelação (fls.77), alegando e formulando as seguintes conclusões (fls.85 – 94):

  1. A matéria de facto do quesito 4° (enunciado na sentença), relativa à devolução do cheque no serviço de compensação, por falta de provisão, não foi alegada pelas partes nos respectivos articulados.

  2. Decorre do supra exposto que, na falta de alegação, não poderia o juiz “a quo” considerar provado e fundar a sua decisão em factos que não foram alegados pelas partes e, designadamente, pela parte cujo ónus de alegação e prova dos mesmos incumbia (art. 264° CPC).

  3. Pelo que a decisão sub judice violou o disposto nos arts. 264°, 664° e 668°, d) todos do CPC, o que implica a nulidade da mesma.

    Sem prescindir do supra exposto: D) O tribunal “a quo” baseou a sua convicção, quanto à devolução do cheque sem provisão exclusivamente na prova testemunhal.

  4. O art. 90 do Regulamento do Banco de Portugal impõe que nos cheques devolvidos seja aposto um carimbo comprovativo de tal devolução bem como do respectivo fundamento.

  5. Resulta do supra exposto que a lei exige como forma de declarar a falta ou insuficiência de provisão de um cheque na Câmara de compensação a oposição de um carimbo no título que vier a ser devolvido ao apresentante.

  6. Não sendo, portanto, admissível a prova testemunhal — art. 393º, n° 1 C. Civil.

  7. Tendo a decisão recorrida fundado a sua convicção, nesta matéria, exclusivamente em prova testemunhal que, in casu, não é admissível, violou o disposto nos arts. 364° e 393°, ambos do C. Civil.

    1) No âmbito da responsabilidade civil contratual, há uma presunção de culpa contra o devedor inadimplente, pelo que, não tendo a ré provado a falta de cobrança efectiva do valor do cheque, incorre no dever de disponibilizar ao autor o referido valor a cuja cobrança aquela se obrigou por conta deste, e que, na falta de qualquer causa legítima de recusa de pagamento do valor do cheque pelo banco sacado (designadamente falta de provisão, irregularidade de saque, etc) estava a ré obrigada a creditar esse valor na conta do autor.

    3) A ré creditou o valor do cheque na conta do autor, disponibilizando-lhe, inclusive, a movimentação efectiva de tal valor, decorrido o prazo legal de apresentação a pagamento, permitindo, designadamente ao autor levantar parcialmente o valor do cheque, decorridos 10 dias sobre a data do depósito, sem que a ré tenha provado que tal disponibilização se ficou a dever a qualquer lapso ou erro da sua parte ou ainda outra causa eventualmente desculpabilizante de tal conduta.

    Ainda sem prescindir: L) Um cheque, como título de crédito, é um documento necessário para exercitar o direito literal e autónomo nele mencionado, sendo o documento o principal e o direito o seu acessório.

  8. Por isso, um cheque, reveste carácter permanente e imprescindível, quer para a constituição do direito, quer para o seu exercício.

  9. Por consequência, em virtude da ré ter omitido o seu dever de devolução do cheque ao autor em tempo útil, este perdeu a tutela penal e, pelo seu desapossamento, também ficou impedido de, igualmente em tempo útil, lançar mão dos meios executórios, com vista a obter o seu pagamento do seu crédito.

  10. Incorreu, assim, a ré na prática de um acto ilícito: omissão do dever de devolver ou restituir o cheque ao autor depositante, daí que tenha de responder pelos danos que a sua conduta (culposa) tenha causado ao autor, e que, na prática, se reconduzem ao valor titulado pelo cheque e que, resultam inequivocamente da omissão, por parte da ré, do dever de entrega do cheque ao autor.

    Termos em que, pelos fundamentos expostos, deve a decisão recorrida ser revogada, julgando-se a acção procedente, por provada, e consequentemente, condenando-se a ré a pagar ao autor o valor peticionado da p.i. (deduzido da quantia de €2.493,99/500.000$00 levantada pelo autor), acrescida dos respectivos juros moratórios à taxa legal até efectivo pagamento.

    Houve contra alegações, por parte do recorrido, "B", que pugnaram pela improcedência do recurso interposto, onde, por sua vez, concluem(fls.98-107) que: 1.Em conformidade com o disposto no n°2 do art° 635º e 655º ambos do C.P.C., o Tribunal a quo tem o poder jurisdicional de analisar de uma forma critica e livre a prova, produzida nos autos, devendo tão somente especificar os fundamentos que foram decisivos 2. Nos presentes autos o Meritíssimo Juíz fundamentou e especificou a sua convicção relativamente aos factos que considerou como provados ou não provados, pelo que nenhum reparo lhe pode ser feito nesse sentido.

    1. Maugrado pretender o Apelante invocar que se verificou excesso de pronúncia por parte do Tribunal ao decidir que questões que não foram alegadas pelas partes, e que neste caso em concreto seria a devolução do cheque pela Câmara de compensação por falta de provisão, não poderá ter acolhimento tal pretensão.

    2. ...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT