Acórdão nº 1597/04-1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 11 de Outubro de 2004

Magistrado ResponsávelANT
Data da Resolução11 de Outubro de 2004
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em audiência, no Tribunal da Relação de Guimarães Os arguidos "A" e "B", idºs no processo, interpuseram recurso do acórdão do Tribunal Judicial de Valença que os condenou, em cúmulo jurídico, respectivamente, nas penas de 8 anos e 8 meses de prisão e de 9 anos e 6 meses de prisão (crimes de tráfico ilícito de estupefacientes p. e p. pelos arts. 21º nº 1 e nº 24º al. c) do DL nº 15/93 de 22/1 e de detenção de arma proibida p. e p. pelo art. 275º nº 3 do CPenal) apresentando as seguintes conclusões: 1) Para além do douto acórdão recorrido enumerar os meios de prova produzida, em rigor, deveria o mesmo explicitar a razão de ciência dos depoimentos bem como os factos sobre que incidiram, para que se torne perceptível intuir de que forma chegou o tribunal à conclusão de “provado” e/ou de “não provado”. Na redacção actual do artigo 374º nº 2 do CPPenal a motivação dos factos da sentença constituirá na indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal. Assim, não basta enumerar os meios de prova, antes se impondo a “explicitação do processo de formação da convicção do tribunal” (Ac. T.C. nº 680/98 de 2/12), de forma a permitir uma compreensão “do porquê da decisão e do processo lógico-mental que serviu de suporte ao respectivo conteúdo decisório” (Ac. STJ 99.05.12, rec. nº 406/99 - 3ª secção). Na sua fundamentação, o tribunal a quo não apresenta uma indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a sua convicção, donde se conclui pela existência de violação ao preceituado no art. 374º nº 2 do CPPenal, nulidade que se argui; 2) Na formação da convicção intima, o tribunal a quo socorreu-se das transcrições da escutas telefónicas sem que as mesmas tenham sido reproduzidas em audiência o que, por um lado, constitui violação aos princípios constitucionais da garantia de defesa do arguido em geral e do princípio do contraditório consagrados nos nºs 1 e 5 do art. 32º da CRP os quais são preceitos de aplicação imediata ex vi art. 18º do citado diploma fundamental (acarreta a nulidade do acórdão visto o disposto no art. 327º nº 2 e no art. 379º nº 1 al. c), parte final, do CPenal); 3) O tribunal valorou erradamente a prova produzida já que a mesma imporia decisão diferente. Com efeito, nada lhe foi apreendido, tendo o tribunal a quo dado como assente tão só aquilo que vem nas transcrições aludidas dos nºs 1 a 111 do ponto 2.1 da fundamentação do douto acórdão. Na ausência de factos concretos para imputar aos arguidos é fácil extrapolar conclusões. O verdadeiro erro na valoração da prova está em dar crédito a depoimentos dos elementos que participaram na investigação quando os mesmos se consubstanciam em desconhecimento total e rotundo sobre o ora recorrente. Não tendo o ora recorrente nada que ver com qualquer actividade ilícita de terceiros, o que por si só impunha decisão diversa, quanto mais condená-los por tráfico agravado quando não se provou, para além de qualquer dúvida, que os arguidos obtivessem, ou procurassem obter, avultada compensação remuneratória; 4) O tribunal a quo, na formação da sua convicção íntima, valorou erradamente a prova produzida em audiência pois uma correcta apreciação e valoração da mesma, aliada ao princípio universalmente aceite do in dubio pro reo, imporia decisão diversa da proferida; 5) Inexiste qualquer relato de diligência externa em que algum comportamento ilícito possa ser imputado aos recorrentes pelo que a convicção intima do tribunal, a este propósito, só pode ter assentado no teor das transcrições telefónicas, como se baseou; 6) As intercepções telefónicas nunca foram ouvidas, nem seleccionadas, pelo Mº Juiz que as autorizou, aderindo apenas à promoção do Magistrado do Mº Pº; 7) O Mº Juiz que autorizou as escutas telefónicas, apenas leu as “transcrições” efectuadas pela Polícia Judiciária que não têm a mais remota semelhança com as transcrições efectivamente efectuadas, posteriormente; 8) As escutas telefónicas devem ser consideradas nulas por violação ao comando imposto pela norma do art. 188º do CPPenal; 9) As transcrições e os depoimentos transcritos são, em si, meios de prova a apreciar livremente pelo tribunal nos termos do art. 127º do CPPenal; 10) A justiça deve ser compreendida pelos cidadãos já que a mesma é um direito que lhes está constitucionalmente consagrado; 11) Aos olhos do cidadão médio, no caso vertente, o que resulta é uma condenação com base em impressões; nas interpretações que ressaltam, apenas e só, das transcrições das escutas telefónicas e que não dão a certeza necessária e bastante que uma decisão judicial condenatória exige; 12) Requerem que seja declarado nulo e inconstitucional o acórdão recorrido ou se revogue o mesmo, substituindo-se por outro que, fazendo correcta valoração da prova produzida, absolva os recorrentes do crime de tráfico de estupefacientes agravado por que vinham pronunciados.

São os seguintes os factos dados como provados na decisão recorrida: 1. Os arguidos "B" e "A" eram "sócios" e utilizavam no transporte do produto estupefaciente o "correio" António C..., procedimento de segurança adoptado para que se algo de mal ocorresse, nunca lhes ser imputado qualquer tipo de responsabilidade sobre a posse do referido produto.

  1. Ao arguido António C... estava reservada a parte mais arriscada, o transporte de droga auferindo com o desempenho dessas funções a quantia monetária que os lideres lhes pagavam (cerca de 150€ por transporte).

  2. O dinheiro ("as encomendas") provenientes de individuos de etnia cigana (da zona do Porto e de Famalicão) eram normalmente recebidas pelo arguido "B" , que ali se deslocava para o recolher.

  3. Por vezes também lhe era entregue produto estupefaciente para devolver, quando este não tinha qualidade (encontrava-se muito cortado).

  4. Logo que houvesse alguma certeza da quantidade de droga encomendada, competia ao arguido "B" ou ao arguido "A" contactar o fornecedor de nacionalidade espanhola, com a alcunha de "Careca", que não foi possível identificar, a quem confirmavam que iriam ao seu encontro para adquirir o produto estupefaciente.

  5. Após essa confirmação competia ao "A" contactar o "correio" António C..., seu colega de profissão, a quem dava ordens sobre os procedimentos a seguir, designadamente o local para onde se devia dirigir para ir buscar o produto estupefaciente; indicações para alugar/trocar veiculos.

  6. Seguidamente o arguido "B" (que já trazia o dinheiro) apanhava o arguido "A" em Valença e seguiam ambos noutra viatura (propriedade de um ou de outro) para o local da transacção (Salvaterra/Espanha), onde recebiam o produto estupefaciente do tal "Careca" e a entregavam de seguida ao arguido António C..., que também ali se encontrava.

  7. O "Careca" não queria que o arguido António C... o visse.

  8. Este último, fazia-se transportar, por vezes (pelo menos por três vezes), em carros alugados (para despistar), o que ocorreu no dia em que foram detidos pelos órgãos de policia criminal.

  9. Após, os três arguidos seguiam para os locais onde teriam que entregar a "encomenda": cidade de Vila Nova de Famalicão ou do Porto.

  10. À frente seguia a viatura que transportava os arguidos "B" e "A" , à sua rectaguarda seguia a viatura que transportava o produto estupefaciente, conduzida pelo arguido António C....

  11. Durante estas viagens os três arguidos mantinham-se em contacto permanente através dos telemóveis que possuíam.

    13.0 arguido "A" ligava frequentemente para o arguido António C..., ora para saber a sua localização, ora para saber se o carro "estava a andar bem", ora advertindo-o para ter cuidado e não ter nenhum problema ou acidente.

  12. Estas deslocações ocorriam normalmente ao final da tarde e por vezes prolongavam-se até tarde, sendo frequente as transacções ocorrerem já a altas horas da noite.

  13. Chegados ao local, quem normalmente procedia à entrega do produto estupefaciente aos "clientes" era o arguido "B" , isto pelo facto de este ser de etnia cigana e os referidos 'clientes" também.

  14. As conversas telefónicas ocorridas entre os arguidos e entre estes e outros interlocutores são, salvo raras excepções, mantidas em grande clima de reserva e secretismo, utilizando para o efeito códigos para designarem droga, dinheiro, policias, entre outros, que passaremos a discriminar.

  15. Termos utilizados para designarem droga: - "Amostras" - designa amostras de droga (fls. 2, Anexo 1); - "Americano" - designa heroína (fis. 2, Anexo 1); - 'Tintas" -designa droga (fis.

    2, Anexo 1); - "Veia" - designa droga (fis. 5, Anexo 1); - "Grama"- designa quantidade de droga (fis. 8, Anexo 1); - "Coisa" - termo neutro para designar drogas (fis. 9, Anexo 1); - "T-shirt" - designa droga (fis. 11 e 27, Anexo 1); -"Rapariga, criança, noiva, fotografia, menina" - no contexto designam droga (fis. 16,31 e 55 Anexo 1); "Peças" -designa droga (fis. 34, Anexo 1); - "Trocar o carro"-no contexto designa troca de droga (fis. 28, Anexo 1), - "Muito estragado, muito cortado"- designam droga de má qualidade.

  16. Termos utilizados relacionados com dinheiro: - "Festa, baptizado, buscar aquilo, conferindo, contando, conferências, menino, contabilidades, menina, criança" - no contexto estão relacionados com dinheiro ou com idas para buscar dinheiro (fls. 7,19,20,23,24,25,35,37,52,54,57, Anexo 1); - "Pernô " - designa dinheiro (fis. 38, Anexo 1); - "Parrabar" - significa enganar alguém, na gíria "dar banhada" (fis. 10,51, anexo 1).

  17. Termos utilizados para designarem quantidades de droga: - "Caixa"- designa 1 Kg de droga (fis. 18, anexo 1); - "Meia caixa" - designa 0,5Kg de droga (fis. 18,20, Anexo 1); "Par de sapatos, dois pares de sapatos" - designam 1 Kg ou 2Kg de droga, respectivamente (fis. 20, Anexo 1); - Dois daqueles, quantos somos a cear, dois daqueles pequeninos" - designam quantidades de droga (fis. 23, anexo 1); - "Peixes" -Designa quantidade de droga (fis. 25, anexo 1).

  18. Termos utilizados para designarem deslocações para aquisição de droga ou entrega: "Cear, comer...

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