Acórdão nº 1355/04-1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 29 de Setembro de 2004

Data29 Setembro 2004

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães "A" e "B" intentaram a presente acção declarativa de condenação com processo ordinário contra "C", "D", "E" e "F" pedindo seja reconhecido o direito de preferência dos Autores relativamente à compra formalizada pela escritura certificada na fotocópia junta como documento 1, devendo os Réus ser condenados a reconhecerem o direito de os Autores haverem para si o objecto da alienação, e, em consequência, ser declarada a substituição dos Autores na posição de compradores e ordenado o cancelamento da correspondente inscrição de transmissão, se se achar feita, embora contra o depósito do preço, sisa e conta do acto, no prazo de 15 dias.

Alegaram, para tanto e em síntese, serem donos de prédio rústico confinante com o prédio rústico denominado Coutada da ... que os 1ºs Réus vendera, pelo preço de 500.000$00, aos 2ºs Réus, sem lhes terem comunicado o projecto de venda e as cláusulas do respectivo contrato.

Os Autores procederam ao depósito da quantia de 562.460$00.

Os Réus contestaram impugnando os factos alegados pelos autores.

Alegaram que o preço da venda não foi o constante da escritura, mas sim o de 2.400.000$00, e que, em data anterior a 5 de Março de 1991 , contactaram os Autores, deram-lhes a conhecer a sua intenção de venderem o terreno, o preço de 2.400.000$00, as condições de pagamento, a data da escritura e a pessoa do eventual comprador, tendo os Autores logo referido aos 1ºs Réus que não pretendiam adquirir o prédio e que o podiam vender nos termos e condições que entendessem. Mais alegaram que os 2ºs Réus adquiriram o prédio em causa para construção e que os Autores não reúnem os requisitos para exercer o pretenso direito de preferência.

Para o caso da acção ser julgada procedente, os 2ºs Réus deduziram reconvenção, pedindo a condenação dos Autores a pagar-lhes a quantia de 3.400.000$00, acrescido dos juros contados a partir da data da notificação e até efectivo pagamento, correspondente aos gastos por eles suportados nas terraplanagens e construção dos alicerces, no transporte e compra da pedra e na vedação que efectuaram no prédio em causa Na sua resposta, os autores impugnaram os factos alegados pelos réus Foi proferido despacho saneador, no qual se afirmou a validade e a regularidade da instância, tendo sido organizadas a matéria de facto assente e a base instrutória.

Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento com observância do formalismo legal, decidindo-se a matéria de facto controvertida pela forma constante do despacho de fls.283 a 288, que não mereceu qualquer censura.

A final foi proferida sentença que julgou a acção improcedente e, em consequência, absolveu os Réus dos pedidos contra eles formulados pelos Autores, julgando extinta, por inutilidade superveniente da lide, a instância reconvencional.

Condenou ainda os autores no pagamento das custas da acção e da reconvenção .

Não se conformando com a decisão, dela, atempadamente, apelaram os autores, terminando a sua alegação com as seguintes conclusões, que se transcrevem: “1a - Não se extrai dos autos de forma segura, concludente, decisiva e irrefutável a celebração do contrato promessa em 1991, despido de qualquer reconhecimento notarial da letra ou da assinatura dos seus outorgantes, onde se pudesse aferir de forma conclusiva a sua data.

2a - Em boa verdade, o contrato promessa ajuizado poderia ser elaborado em momento posterior à data nele aposta conforme as conveniências dos signatários.

3a - Os recorrentes juntaram aos autos uma certidão emitida pela Câmara Municipal de Fafe onde atesta que junto ao processo n° ... - construção de um prédio destinado à habitação unifamiliar - não consta nenhum contrato promessa.

4a - A testemunha Maria de F... não podia ter visto o contrato promessa em 1991, mas apenas quando assinou a planta topográfica em 1996 aquando da discriminação do prédio "Coutada da ...".

5a - Nada comprova que o contrato que esta testemunha observou é o que consta dos autos.

6a - Os recorridos, ao abrigo do disposto no art. 1410°, n° l do C.C., procederam ao depósito da quantia de 552.460$00 (2.755,65 euros) correspondente ao preço escriturado do prédio vendido (500.000$00), valor da sisa pago (40.000$00) e despesas do acto notarial (12.460$00).

7a - Da prova documental inserta nos autos e da testemunhal produzida em audiência de discussão e julgamento não resulta de todo que o preço real do prédio vendido não foi o escriturado mas sim 2.400.000$00.

8a - Nunca os recorridos se dignaram a proceder à rectificação do preço inicialmente escriturado de 500.000$00 para 2.400.000$00.

9a - A rectificação da escritura sanava a incorrecção da escritura inicial, repondo a verdade material e a igualdade entre as partes.

10a - Mesmo admitindo a veracidade do contrato promessa dos autos, celebrado em 5 de Março de 1991, as declarações nele documentadas apenas têm eficácia plena" inter - partes.

11a - O prometido preço invocado pelos recorridos apenas faz prova plena de os promitentes compradores se comprometerem a pagar aos promitentes vendedores o preço de 2.400.000$00 de acordo com o programa de pagamento clausulado.

12a - Perante os recorrentes, enquanto terceiros, nada garante que a aludida promessa de pagamento desse preço fosse efectivamente cumprida. Uma coisa é prometer um pagamento outra é cumprir o prometido.

13a - Prova esta que os recorridos não lograram fazer, testemunhalmente e muito menos documentalmente, como o impunha o art. 342°, n° 2 do C.C.

14a - A escritura não rectificada, nem contrariada por qualquer meio de prova legalmente admissível faz no caso ajuizado ao abrigo do art. 371° do C.C., prova plena dos factos nela atestados, onde se inclui o preço nela declarado de 500.000$00.

15a - Nunca os recorridos (vendedores) deram a conhecer aos recorrentes os elementos essenciais do negócio onde figura com destaque o preço, bem como as condições de pagamento, tudo ao abrigo do art. 416° do C.C.

16a - Os recorrentes nunca tiveram conhecimento do dito preço simulado, nem os recorridos provaram que estes dele eram conhecedores.

17a - In casu não se verifica ausência do exercício do direito de preferência pelos recorrentes face ao excessivo preço da venda, recorrendo posteriormente à justiça quando tomaram conhecimento que o imóvel foi vendido por um preço inferior. Aqui sim impunha-se o depósito da quantia simulada.

18a - O terreno vendido perdeu todas as suas aptidões de construção e cultivo a partir de 1994 quando passou a constar da REN - Reserva Ecológica Nacional -.

19ª- Desvalorizado comercialmente no mercado imobiliário, o terreno vendido, (a testemunha Joaquim S... afirmou mesmo que nem dado o queria e os próprios recorridos assim o reconhecem no art. 38° da sua contestação), os recorrentes "in casu" não estão a adquirir um imóvel a baixo preço ou a enriquecer sem causa à custa dos recorridos.

20a - Vai contra as mais elementares regras da experiência os recorridos compradores aceitarem pacificamente a onerosidade da sua prestação, pagando 2.400.000$00 por um imóvel com o objectivo de nele edificarem a sua habitação e, que, em virtude de circunstâncias ulteriores estranhas à vontade inicial de contratar perdeu com a REN em 1994 essa aptidão em definitivo, sofrendo assim uma acentuadíssima desvalorização comercial. Ao abrigo do art. 437° do C.C., podiam resolver ou modificar o contrato promessa celebrado.

21a - Os documentos levados em consideração pelo Tribunal a fls. 265 e 266 na decisão que proferiu, uma vez impugnados e não submetidos a contraditório, ao abrigo dos arts. 342°, n° l e 371° do C.C. não podiam fazer qualquer espécie de prova em Tribunal.

22a - A presunção do Tribunal que o preço de 2.400.000$00 é consequência lógica do contrato promessa, pelas razões supra aludidas é manifestamente abusiva e ao arrepio do consagrado no art. 351° do C.C.

23a - Apesar do princípio da livre apreciação das provas oferecidas pelo art. 655° do C.P.C,, no caso ajuizado a convicção probatória sustentada pelo Tribunal com base no depoimento das testemunhas Joaquim S... e Maria de F... e documentos a fls. 23, 265, 266 e 279 não é de todo razoável e clarividente que lhe permitisse dar resposta positiva aos quesitos 15 a 18.

24a - A decisão proferida, quando deu como provado que o contrato promessa foi efectivamente celebrado na data nele aposta e o preço pago pelo terreno foi a quantia de 2.400.000$00, considera-se viciada, por erro de julgamento.

25a - A decisão sindicanda violou os artigos 342°, n° 2; 351°; 371° e 1410°, n° l do Código Civil”.

A final, pede seja revogada a decisão recorrida e a sua substituição por outra que reconheça aos recorrentes o direito de preferência sobre o prédio vendido, e em consequência, declare a sua substituição na posição de compradores.

Os réus contra-alegaram, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir: Os factos dados como provados na 1ª instância (colocando-se entre parênteses as correspondentes alíneas dos factos...

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