Acórdão nº 1216/04-2 de Tribunal da Relação de Guimarães, 07 de Julho de 2004

Magistrado ResponsávelTERESA ALBUQUERQUE
Data da Resolução07 de Julho de 2004
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães: I - Por apenso à execução que "A"...Calçados Lda, move a "B", veio este embargar de executado, alegando que os três cheques que subjazem à execução já prescreveram, pelo facto de não terem sido dados à execução no prazo de seis meses a contar das datas neles apostas, alegando ainda que dois deles também não podem valer como títulos de crédito, pelo facto de não terem sido apresentados a pagamento nos oito dias subsequentes às suas datas. Acrescenta que tais cheques não titulam valores referentes a transacções comerciais havidas entre si e a embargada, concluindo, em face do exposto, pela extinção da execução.

A embargada contestou, pugnando pela improcedência dos embargos, fundando-se, no facto dos cheques em causa constituírem documentos particulares assinados pelo devedor e, como tal, títulos executivos, independentemente das suas características enquanto títulos de crédito.

Entendendo-se possível o conhecimento imediato do pedido foi proferida sentença, na qual se julgaram procedentes os embargos, ordenando-se a extinção da execução.

II - Do assim decidido apelou a embargada, concluindo as alegações do seguinte modo: 1- Ao contrário do entendimento perfilhado pelo Mmº Julgador, os cheques dados à execução são títulos executivos, pois embora prescritos do ponto de vista cambial, continuam válidos como títulos executivos, enquanto documentos particulares, assinados pelo apelado/embargante, e o certo é que a “causa debendi” ou relação fundamental subjacente à sua emissão, foi alegada no requerimento executivo, quando se diz que os cheques correspondem ao valor de transacções comerciais existentes entre as partes, nomeadamente, cortagem de pares de sapatos.

2- Se é certo que há jurisprudência que dispensa uma tal alegação - Ac. RL de 20/01/2002, CJXXVII, 3, 121 - a jurisprudência dominante não é tão exigente quanto o Tribunal "a quo" no tocante à necessidade de se alegar especificamente a "causa debendi" em termos de se descrever a quantidade, qualidade, data e preço dos serviços ou produtos alegadamente invocados.

3- Na verdade, o Supremo Tribunal de Justiça, pronunciando-se sobre um caso praticamente idêntico ao que nos absorve - Ac. de 29/01/2002, Ac. STJX, 1, 64 - considerou como título executivo um cheque que, embora prescrito como titulo de crédito, continuava válido como titulo executivo, pois que, assinado pelo devedor, era documento particular nos termos do art.46°, al.c), do CPC e o exequente havia alegado no requerimento executivo que ele fora entregue pelo executado à exequente "para pagamento de vários produtos que esta lhe vendera".

4- Nesta esteira, a alegação feita pela apelante no requerimento executivo satisfaz plenamente tal exigência, pois, como decidiu este douto aresto, é de presumir a existência e validade dessa relação fundamental invocada como razão da ordem de pagamento que os cheques enunciam, sem prejuízo do executado/embargante poder afastar tal presunção através de embargos onde poderá alegar quaisquer factos que seria lícito deduzir, como defesa no processo de declaração - art.815, nº1,do CPC.

5- Ao não considerar válidos como títulos executivos os cheques dos autos, o Mmo Juiz "a quo" violou o citado art. 46º al.c) e decidiu ao arrepio da doutrina que a tal respeito se vem tornando pacífica.

Não houve contra-alegações.

Colhidos os vistos, cumpre decidir: III - É a seguinte a matéria de facto a ter em consideração: 1- A embargada instaurou a acção executiva por apenso à qual correm estes embargos, em 18 de Agosto de 2003, tendo o embargante sido citado para a mesma, por carta registada com aviso de recepção expedida a 19 de Setembro de 2003.

  1. - Subjacente a tal acção executiva estão os seguintes cheques, assinados pelo embargante: - cheque n.º 1405745847, com o valor de 2.202,78 euros, com data de 14/09/02; - cheque n.º 2305745848, com o valor de 2.400 euros, com data de 22/09/02, apresentado a pagamento a 24/04/03; - cheque n.º 0505745848, com o valor de 2.532,11 euros, com data de 05/10/02, apresentado a pagamento a 24/04/03.

    3- O pagamento dos cheques mencionados em 2 foi recusado com fundamento em extravio.

    4- No requerimento executivo a exequente, ora embargada, alegou no art 2º que “tais cheques correspondem ao valor de transacções existentes entre exequente e o executado, nomeadamente cortagem de pares de sapatos”.

    5- Na petição de embargos o embargante alegou a inexistência de transacções comerciais entre a exequente e ele, referindo que não exerce qualquer actividade comercial, tendo os cheques sido emitidos a solicitação da exequente que os pretendia destinar a depósito em contas suas para caucionar financiamentos bancários, sendo certo que, então, se perspectivava, que a exequente viesse a prestar serviços de corte de calçado a duas sociedades de que o embargante é sócio, de tal modo que, quando tais sociedades pagassem tais serviços, os cheques seriam devolvidos. Porém, o relacionamento entre tais sociedades e a exequente terminou de forma imprevista, pelo que tais serviços não chegaram a ser executados.

    IV - A sentença recorrida, depois de ter concluído que o direito de acção da exequente/embargada, ora recorrente, se encontra prescrito com base na relação cambiária emergente da emissão dos cheques dados à execução, e que, além disso, aos mesmos lhe faltava condição de exequibilidade à luz da Lei Uniforme, pois que foram apresentados a pagamento mais de oito dias após a data da sua emissão, tendo, não obstante, admitido que, enquanto documentos particulares de que consta a assinatura pelo devedor e o reconhecimento de uma obrigação pecuniária determinável, poderiam ainda valer como títulos executivos por força do disposto no art 46º al c) do CPC, embora para tanto, e visto que haviam perdido o carácter de negócio abstracto de que gozavam enquanto títulos de crédito, e porque dos mesmos não consta expressamente a causa da relação subjacente, tivesse esta que ser invocada no requerimento executivo, acaba por concluir, que a alegação constante deste, de que “tais cheques correspondem ao valor de transacções existentes entre exequente e o executado, nomeadamente cortagem de pares de sapatos”, porque vaga e inconclusiva, não é bastante enquanto alegação dos factos constitutivos da relação causal que lhes subjaz, afastando deste modo, definitivamente, o carácter executivo aos referidos cheques, julgando procedentes os embargos e extinta a execução.

    Porque a embargada nas conclusões da apelação mostra aceitar o entendimento que está na base da decisão, o que está em causa no recurso, é, tão só, saber, se a alegação acima referida contida no requerimento inicial, sempre será bastante para identificar a relação causal subjacente à emissão dos cheques.

    Porém, antes de abordar propriamente a questão enunciada, há que referir que, ao contrário do sustentado na decisão recorrida, se entende que...

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