Acórdão nº 415/04-1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 31 de Março de 2004

Magistrado ResponsávelCARVALHO MARTINS
Data da Resolução31 de Março de 2004
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em Conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães: I - A Causa: "A", residente na Avenida ..., na cidade de Braga, na qualidade de condómino, propôs contra "B", "C", "D", "E", "F", "G", "H", "I", "J", "M", "N", "O", "P", "Q", "R", "S", "T", representados pelo referido condómino "N", na qualidade de administrador do condomínio desse prédio, todos residentes na Avenida ... Braga, acção de impugnação de deliberação tomada em Assembleia Geral de condóminos, pedindo a anulação ou a declaração de nulidade da deliberação da assembleia geral de condóminos realizada no dia 24 de Janeiro de 2003, na parte em que aprovou a instalação de um sistema de vídeo-vigiláncia destinada a cobrir os acessos ao edifício.

Para sustentar a sua posição, alegou ser proprietário das fracções AA (destinada a habitação) e CM (destinada a garagem) do prédio sito na Avenida ..., com entrada pelo n.° ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Braga sob o n.° ... e que, em Assembleia Geral de Condóminos, realizada em 24/01/2003, foi deliberada a instalação de um sistema de vídeo-vigiláncia, incidente sobre os acessos do edifício.

O autor não esteve presente nem se fez representar nesta Assembleia Geral, mas teve conhecimento da acta que reproduziu a mesma em 07/03/03, enviada por carta registada para a sua morada pelo administrador do prédio.

O autor não esteve presente nem se fez representar nesta Assembleia Geral, mas teve conhecimento da acta que reproduziu a mesma em 07/03/03, enviada por carta registada para a sua morada pelo administrador do prédio.

O autor considera que o sistema de vídeo-vigilância, a ser instalado, viabilizará o conhecimento e registo, por estranhos, dos seus actos pessoais, ou os de qualquer outro condómino, tais como as horas a que sai ou chega a casa, que pessoas ou convidados frequentam a sua casa, se passou o fim-de- semana em casa ou fora, etc.

Assim, invoca a ilegalidade da deliberação aludida, por violar o direito constitucional à reserva da intimidade da vida privada e familiar, consagrado no art.° 26.° da Constituição da República Portuguesa, bem como o art. 80.° do Código Civil.

Citados regularmente todos os réus, apenas António "M" de Araújo, "B", "D", "F", "G", "I", "J", "N" e "Q" vieram exercer processualmente o seu direito de defesa.

Assim, em contestação, alegam que a deliberação, na forma genérica adoptada, não é em si mesma ilegal, pois que, ainda que a sua concretização possa ser potencialmente ilegal (no que tange às características dos equipamentos, pontos exactos de vigilância, regulamentação do acesso, conservação e destruição de dados), tais pontos serão ponderados pela administração em conformidade com as disposições legais e regulamentares aplicáveis.

Acrescentam os réus, que a instalação de câmaras de vigilância não constitui uma violação da intimidade privada do autor, porquanto as áreas potencialmente abrangidas com o sistema de vigilância têm a ver, essencialmente, com a via pública, e com espaços comuns muito circunscritos, tais como a entrada principal do prédio e os acessos às garagens individuais.

Além disso, argumentam que no imóvel, onde circula um elevado número de pessoas, habitam 44 famílias, estando aberto à generalidade das pessoas que pretendem aceder ao edifício, pelas mais variadas razões, o que legitima a necessidade de implementar alguma forma de controlo, neste domínio.

Na opinião subscrita pelos réus, o acesso às fracções autónomas propriamente dito não será objecto de nenhum registo.

Como fundamento da deliberação aprovada apontam o facto de se terem verificado alguns assaltos por arrombamento de portas, não só de garagens, mas das próprias fracções, tendo, igualmente, sido detectados desconhecidos no interior do imóvel.

A instalação do sistema de vídeo-vigilância viabilizará a identificação de eventuais criminosos, funcionando igualmente como um efeito dissuasor.

Oportunamente, foi proferida decisão, onde se consagrou que: Pelo exposto, julgo procedente a presente acção e, em consequência, declaro a nulidade da deliberação aprovada pelos réus, na parte em que determinaram “que a nova administração fica mandatada a proceder à instalação de um sistema de vídeo-vigilância, por forma a cobrir os acessos do prédio”.

Inconformados, os Réus vieram dela interpor recurso, de apelação, de fls. 124 e 125, alegando e formulando as seguintes conclusões, de fls.141 a 155: 1 — O saneador-sentença recorrido não contém matéria de facto donde se possa concluir pela legitimidade activa do Apelado (a sua qualidade de condómino), sendo que o seu direito de propriedade — facto impugnado — não resultou provado pelos meios idóneos.

2 — Pelo que violou o Meritíssimo Juiz a quo o art. 1420 1433° n.°1 do Código Civil e art. 2° n.° 1 ai. a) e 106° n.° 1 do Código do Registo Predial.

3 — Entendendo-se que “a própria argumentação dos réus (Apelantes) a propósito da premência de uma valorização do valor segurança no caso vertente, padece de alguma ambiguidade e falta de concretização”, deveria o Meritíssimo Juiz convidá-los a concretizar, ao abrigo do art. 508° n.° 3 e 265 n.° 3 do CPC ou permitir-lhes a concretização, no decurso da instrução da causa, enquanto factos instrumentais em desenvolvimento daqueles que fora oportunamente alegados, nos termos do art. 264 n.° 3 do CPC, normativos esses que resultaram violados.

4 — A vídeo-vigilância de partes comuns de prédios multi-familiares não é em si mesma ilegal, não existindo norma jurídica que expressamente o proíba.

5 — O Decreto-Lei n.° 231/98, de 22/07 (que regula o exercício da actividade de segurança privada), alterado pelo Decreto-Lei n.° 9472002, de 12/04, e bem assim como da Portaria n.° 969/98, de 16/11, parece admitir, por analogia, o emprego de meios de autoprotecçâo (como a vídeo vigilância) em condomínios de prédios - cfr. art.° l n.° 3 ai. b) e art. 4°.

6 — Não sendo a vídeo-vigilância em si mesma ilegal, apenas o poderiam ser as suas manifestações concretas; ora, a sentença recorrida não possuía matéria de facto para conhecer do pedido — nem o Apelado a alegou — por nem sequer ter sido definido qual o regime de acesso, conservação e destruição dos dados, locais concretos de colocação de câmares e a contratação de empresa de segurança operadora.

7 — A deliberação não tinha que conter a disciplina de tratamento/acesso aos dados recolhidos, a qual poderia ser efectuada numa ulterior deliberação (impugnável) ou num regulamento elaborado pelo próprio administrador, desde que tal definição fosse prévia à entrada em funcionamento do sistema.

8 - Os termos literais da deliberação que o Apelado vem por em causa constituem balizas demasiado genéricas para que o julgador pudesse avaliar os critérios concretos de necessidade, proporcionaldade e adequação, na concordância prática entre direitos fundamentais potencialmente antitéticos.

9 - Ou seja, o julgador da 1 instância não tinha matéria de facto, nem sequer objecto, para poder conhecer do pedido — muito menos no despacho saneador.

10 - O sistema de vídeo-vigilância não traduz a priori um “atentado de repercussões gravosas, contra o direito de reserva da intimidade da vida privada do autor e de qualquer outro condómino”.

11 - Apenas permite saber-se quando se entra e quando se sai e com quem se entra e com quem se sai das habitações, factos esses que não constituem o núcleo essencial do direito à protecção da intimidade da vida privada, uma vez que são facilmente controláveis por vias alternativas, a quem pudera querer interessar-se pela vida do Apelado (relembrando-se que os Apelantes são igualmente ciosos da protecção da sua intimidade), mediante vigilância por meios electrónicos ou até mesmo directa, a partir da via pública.

12 - Um porteiro — meio de legalidade aparentemente inquestionável - possui desvantagens manifestamente superiores à vídeo-vigilância, porquanto se...

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