Acórdão nº 2035/03-1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 12 de Março de 2003

Magistrado ResponsávelVIEIRA E CUNHA
Data da Resolução12 de Março de 2003
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordão no Tribunal da Relação de Guimarães Os Factos Recurso de apelação interposto na acção com processo ordinário nº ..., da comarca de Vieira do Minho.

Autor – A.

Réus – B.

Pedido Que os RR. sejam condenados a pagar ao Autor a quantia de Esc.16.925.005$00, quantia acrescida de juros de mora, à taxa legal, a contar da citação.

Tese do Autor O Réu marido dedica-se à actividade de pirotecnia.

No dia 24/2/98, o A., quando tinha 16 anos de idade, adquiriu ao R. marido várias bombas de carnaval. Nesse mesmo dia, quando as queimava, uma delas, por defeito de fabrico (carga excessiva), rebentou-lhe na mão direita.

Invoca a responsabilização do Réu por facto ilícito (venda a menor de “bomba de carnaval”).

Computa o montante do dano patrimonial e não patrimonial sofrido por via do aludido rebentamento no montante peticionado.

Tese dos Réus Impugnam a alegação do Autor, desde logo a invocada venda ao Autor (menor de idade) de “bomba de carnaval”.

Sentença Na sentença proferida pelo Mmº Juiz “a quo”, foi decidido julgar a acção improcedente, por não provada.

Conclusões do Recurso do Apelante Autor 1ª – Em 24 de Fevereiro de 1998, quando o Demandante tinha 16 anos de idade, adquiriu ao Demandado, que se dedica à actividade de pirotecnia, 700$00 de Bombas de Carnaval, sendo várias das pequenas a 25$00 cada uma e várias das grandes a 100$00 cada uma.

  1. – Habitualmente o Demandado, que é o único pirotécnico existente m Vieira do Minho, vende na sua residência, na vila de Vieira do Minho, bombas de Carnaval a qualquer pessoa, designadamente a menores.

  2. – Das que vendeu ao Demandante, uma, das grandes, rebentou-lhe na mão direita, provocando esfacelo grave dessa mão e traumatismo da mão direita, provocando esfacelo grave dessa mão e traumatismo do olho esquerdo.

  3. - Com esta factualidade, o Meritíssimo Juiz a quo decidiu absolver o demandado porque, relativamente à ilicitude não se vislumbra violação de qualquer direito do autor ou disposição legal que tutele interesses públicos ou particulares que mereça tutela do direito, por estar em causa simples contrato de compra e venda, cuja violação poderá limitar-se ao incumprimento defeituoso desta.

  4. - Salvo melhor e mais esclarecida opinião em contrário o Meritíssimo Juiz a quo não tem razão.

  5. - Se o tema não fosse particularmente familiar ao mandatário do demandante, pese embora o consagrado princípio de que da mihi factum, dabo tibi jus, teria referido na petição inicial a legislação infringida pelo demandado, o que tinha facilitado a tarefa ao julgador e, com certeza, evitado este recurso.

  6. - O diploma legal que regula a matéria relativa às bombas de Carnaval é o Dec.-Lei nº 376/86 de 30 de Novembro, que foi alterado pelo Dec.-Lei nº 474/88, de 22 de Dezembro, quanto à redacção do nº 6 do artigo 22º e que aditamento do nº 6 ao artigo 31º, ficando com a seguinte redacção: - artigo 22º, nº 6 (do Dec.-Lei nº 376/84) A venda de bombas de arremesso só pode ser feita às pessoa que, tendo obtido das entidades competentes autorização para a sua aquisição e lançamento, exibam o respectivo documento comprovativo no momento da compra.

    - artigo 31º, nº 6 (do Dec.-Lei nº 376/84): As autorizações referidas no nº 6 do artigo 22º deverão ser requeridas no comando concelhio da respectiva autoridade policial, só podendo ser concedidas se estiverem verificadas, cumulativamente, as seguintes condições: a) Ter o requerente idade não inferior a 18 anos; b) Destinarem-se as bombas de arremesso a ser usadas para fins não lúdicos, designadamente na defesa de produções agrícolas ou florestais, ou, ainda, para o exercício autorizado da caça de batida; c) Quando o local projectado para o lançamento não implique perigo ou prejuízo para terceiros; d) Quando as quantidades sejam devidamente justificadas.

  7. - Traduzindo por miúdo, significa que as chamadas bombas de Carnaval pura e simplesmente acabaram como tal, pois essas bombas de Carnaval, ou de arremesso, só podem ser vendidas: - a quem tenha obtido das entidades competentes autorização para a sua aquisição e lançamento; - a maiores de 18 anos; - com destino à defesa de produções agrícolas ou florestais (para afugentar animais), ou para a caça de batida autorizada; - que não se apliquem em fins lúdicos; - que o local previsto para o lançamento não cause perigo ou prejuízos para terceiros - em quantidades devidamente justificadas.

  8. - E que as alterações introduzidas no Dec.-Lei nº 376/84, de 30/11 pelo Dec.-Lei nº 474/88, de 22/12, visaram acautelar o interesse de terceiros, de crianças em idade escolar e os particulares em geral, bastará recordar o preâmbulo do Dec.-Lei nº 474/88, de 22/12 que diz assim: - Todos os anos são noticiados inúmeros acidentes provocados pela utilização das chamadas bombas de “Carnaval”.

    - As vítimas de tais acidentes, alguns de reconhecida gravidade, são, na sua grande maioria, crianças em idade escolar.

    - Em face do exposto, a que se acresce o ruído, particularmente perturbador do sossego, provocado pelo uso daqueles explosivos nas brincadeiras carnavalescas de crianças e adolescentes, impõe-se a tomada de medidas que ponham termo a esta situação. Sendo certo que as conhecidas «bombas de "Carnaval» são apenas um tipo das tecnicamente designadas «bombas de arremesso», espécie de fogos-de-artifício considerados produto explosivo, torna-se necessário integrar sistematicamente as soluções normativas a adoptar no quadro dos pertinentes instrumentos jurídicos em vigor, nomeadamente os aprovados pelo Decreto-Lei nº 376/84, de 30 de Novembro.

    - Com o presente diploma, a venda e o lançamento das bombas de arremesso e, designadamente, das chamadas “bombas de Carnaval” ficam sujeitos a licenciamento prévio, susceptível de concessão, apenas a maiores de 18 anos, restringindo-se o seu uso à realização de fins não lúdicos, caso da defesa de produções agrícolas ou florestais, e ainda ao exercício de caça de batida. Por outro lado, estabelecem-se mecanismos que permitirão o controle das operações de compra e venda.

  9. - Posto isto fica particularmente claro que o demandado “vendeu” as bombas de Carnaval ao demandante de um modo ilícito e ilegal, tendo o mais completo conhecimento dessa ilicitude, que mais não fosse pela apertada fiscalização que a P.S.P. e a G.N.R. passaram a fazer, de tal modo que, quem não andar distraído, já se deve ter apercebido de que há vários anos, praticamente não se ouve uma única bomba por altura do Carnaval.

  10. - Da mihi factum, dabo tibi jus.

    O demandante deu os factos. A douta sentença recorrida não lhe deu o direito, como devia ter feito, pois a conduta ilícita e censurável – pelo lucro de uns míseros euros põe em risco a integridade física de menores – do demandado está expressa e claramente contemplada na lei e é evidente o nexo de causalidade entre a venda ilegal de bombas de Carnaval a um menor de 18 anos de idade e os ferimentos que sofreu em consequência de uma dessas bombas na sua mão.

  11. - Assim, e salvo melhor e mais esclarecida opinião em contrário, a douta sentença recorrida violou o disposto nos artigos 22º, nº 6 e 31º, nº 6 do Dec-Lei nº 376/84 de 30/11, na redacção do Dec.-Lei nº 474/88, de 22/12, e os artigos 483º, 490º e 879º do Cód. Civil.

    Em contra-alegações, os apelados "B" pugnaram pela manutenção do decidido.

    Factos Apurados em 1ª Instância O Réu marido dedica-se à actividade de pirotecnia (A).

    No dia 24/2/98, o A. foi vítima de uma explosão ao manusear materiais explosivos, designadamente bombas de Carnaval (B).

    O Autor nasceu no dia 2/5/82 (C).

    O Réu marido vende na sua residência, sita na vila de Vieira do Minho, bombas de Carnaval a qualquer pessoa, designadamente a menores (1º).

    No dia 24/2/98, o A. adquiriu ao Réu marido várias bombas de Carnaval (4º).

    O Autor pagou ao Réu a quantia de 700$00, sendo várias das pequenas, a 25$00 cada uma, e várias das grandes, a 100$00 (5º).

    O Autor estava a queimar as referidas bombas e uma delas rebentou-lhe na mão direita (6º).

    Em consequência da explosão, o Autor sofreu traumatismo do olho esquerdo e esfacelo grave da mão direita (8º).

    Do local do acidente foi transportado para o Centro de Saúde de Vieira do Minho, de onde foi transferido para o Hospital de São marcos, em Braga (9º e 10º).

    Daqui, devido à gravidade dos ferimentos, foi transferido para o Hospital de S. João, no Porto (11º).

    Neste hospital foi submetido a uma intervenção cirúrgica, tendo-lhe sido efectuada a amputação pelo 5º metacarpo (inclusive), com plastia de retalho do dorso da mão direita (12º).

    Quanto às lesões do olho esquerdo foi tratado conservadoramente (13º).

    No dia 25/2/98 foi reenviado novamente para o Hospital de São Marcos, em Braga, onde permaneceu internado até ao dia 10/3/98 (14º).

    Após, recolheu a sua casa, onde se manteve em repouso durante cerca de um mês (15º).

    A partir daí passou a ser assistido pela Consulta Externa do Hospital de S. Marcos, em Braga (16º).

    Em Junho de 1998, começou a fazer tratamentos de fisioterapia, durante cerca de um mês (17º).

    Apesar dos tratamentos a que se submeteu ficou a padecer definitivamente de: a) esfacelo grave da mão direita, com perda do dedo auricular (5º dedo), bem como do 5º metacarpo total; perda da falangeta do dedo médio...

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