Acórdão nº 1690/06-3 de Tribunal da Relação de Évora, 01 de Fevereiro de 2007

Magistrado ResponsávelACÁCIO NEVES
Data da Resolução01 de Fevereiro de 2007
EmissorTribunal da Relação de Évora

PROCESSO Nº 1690/06 ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA "A" intentou, em 24.01.2005, acção declarativa ordinária contra a "B", pedindo que seja declarada nula a hipoteca constituída a favor da ré e, em consequência, que seja ordenado o cancelamento do registo da mesma efectuado sob a cota C-I, e os demais actos de registo dele dependentes, designadamente a penhora registada sob a cota F-1 efectuada na execução judicial dessa hipoteca no proc. n° 91/1996 do 1° Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de … e declarados nulos todos os actos processuais subsequentes e dependentes desta penhora, designadamente a venda judicial do imóvel.

Alegou para tanto e em resumo que por escritura pública constituiu hipoteca a favor da ré sobre determinado prédio urbano propriedade da autora, tendo outorgado em sua representação "C" e o seu filho (à data com 24 anos, órfão de mãe e totalmente dependente do pai) "D", nela fazendo constar que agiam por si e na qualidade de únicos sócios e gerentes da autora para garantia das obrigações pecuniárias decorrentes de quaisquer operações bancárias assumidas ou a assumir pela sociedade "E", até ao montante de 20 milhões de escudos e respectivos juros.

Mais alegou que não se enquadrando a garantia assim prestada dentro do seu objecto social ou dentro dos poderes conferidos aos gerentes previstos no contrato de sociedade, impunha-se ao notário impedir a outorga de tal escritura ou solicitar uma acta da assembleia geral da sociedade a autorizar o gerente à prática de tal acto, o que não foi feito.

Mais alegou que, apesar de os actos terem sido praticados pela totalidade dos sócios, impunha-se que estes justificassem o interesse na prestação deste tipo de garantias, sendo certo que não existia cláusula que permitisse praticar o acto, o qual é proibido por lei - e daí a nulidade da garantia prestada pela autora e bem assim todos ao actos praticados em juízo e fora dele dependentes da execução da hipoteca, na qual foi penhorado e vendido o imóvel em causa.

Citada, contestou a ré, defendendo-se por impugnação, alegando em resumo que os únicos sócios da sociedade garante eram igualmente sócios e detentores de metade do capital social da sociedade garantida, a "E", estando em causa um justificado interesse comercial de ambas as sociedades e defendendo a validade da garantia prestada, concluindo pela improcedência da acção.

Realizada audiência preliminar, foi proferido despacho saneador - sentença, no qual, conhecendo-se do mérito da causa, se julgou improcedente a acção, absolvendo-se a ré do pedido.

Inconformada, interpôs a autora o presente recurso de apelação, em cujas alegações (pedindo a revogação do despacho saneador - sentença, devendo ser ordenada a elaboração de despacho saneador e a consequente baixa dos autos à 1ª instância, prosseguindo a acção os seus termos legais, ou caso se entenda que o processo está em condições de se conhecer do mérito da causa, que seja revogada a sentença, sendo proferido acórdão que, considerando nula a decisão recorrida, a revogue e substitua por outra que declare nula a escritura de hipoteca outorgada pela recorrente na parte que lhe diz respeito e daí retirar os devidos efeitos, ordenando o cancelamento do registo da mesma efectuado e os demais actos de registo dele dependentes, devendo ainda ser declarados nulos todos os actos processuais dependentes dos referidos registos conforme peticionado) apresentou as seguintes conclusões: 1ª - Entendeu o Meritíssimo Juiz "a quo" face " ... ao estado em que o processo se encontra, afigura-se-nos possível, desde já e sem necessidade de mais prova, proceder à apreciação do mérito da causa, em conformidade com o permitido pelo disposto no artigo 510°, n° 1, alínea b) do Código de Processo Civil".

2a - Concluindo a final que "não há-de ser, pois, por causa da falta de poderes dos que outorgaram a escritura ou por causa de se tratar de uma garantia dada em favor de terceiro, alheia ao interesse social, que a pretensão da autora deverá merecer acolhimento, pois nem uma nem outra dessas circunstâncias ficou apurada".

3a - Se o Tribunal recorrido entende que "quanto à questão do interesse próprio da sociedade garante, ( ... ) a esta cabe alegar e provar que a garantia que prestou a terceiro não satisfez um justificado interesse seu, sob pena de o acto dever ser considerado como conforme ao fim social", impunha-se ao Meritíssimo Juiz "a quo" apurar a existência ou não de um justificado interesse da apelante.

  1. - Sucede que a apelante alega a inexistência de justificado interesse da sociedade na prestação da garantia, tratando-se sem qualquer margem para dúvida de uma garantia prestada por uma sociedade a dívidas de outra sociedade, contrária ao disposto no art. 6°, n° 3 do C.S.C., e por isso nula, 5ª - Ao que acresce que a garantia prestada não se enquadra dentro do objecto social da apelante, atento o teor do contrato de sociedade, nem nos poderes conferidos aos gerentes previstos no mesmo contrato.

  2. - Pelo que os sócios da apelante não justificaram nem invocaram qualquer interesse na prestação da garantia porque a apelante não tinha efectivamente qualquer interesse na prestação da mesma.

  3. - Ora, se se considera "contrária ao fim da sociedade a prestação de garantias reais ou pessoais a dívidas de outras sociedades, salvo se existir justificado interesse próprio da sociedade garante ou se trate de sociedade em relação de domínio ou de grupo" - art. 6°, nº 3 do C.S.C., 8ª - Impunha-se pois ao Tribunal recorrido averiguar factos que consubstanciem a existência ou não de interesse justificado da apelante, uma vez que o tribunal não dispunha de todos os elementos suficientes para decidir, como decidiu, não se encontrando esgotados os meios de prova.

  4. - À autora cabia" ... alegar (o que fez) e provar que a garantia que prestou a terceiro não satisfez um justificado interesse seu, sob pena de o acto dever ser considerado como conforme ao fim social".

  5. - Assim, e porque existe mais de uma solução para a questão de direito suscitada, era indispensável averiguar factos que permitissem à autora provar a alegada inexistência de justificado interesse para o que não dispunha dos elementos suficientes para uma decisão segura e conscienciosa.

  6. - Desta forma o Tribunal recorrido vedou à autora a possibilidade de, per si, comprovar a inexistência de justificado interesse da prestação da garantia, violando o disposto no art. 342° do C.C.

  7. - Pelo que, a final violou o tribunal "a quo" o disposto no art. 510°, n° 1, al. b) do CPC, uma vez que não deveria ter decidido do mérito da causa, pois impunha-se o prosseguimento do processo em ordem ao apuramento das factos alegados pela apelante.

    l3ª - Não obstante o exposto, o entendimento mais ajustado ao caso concreto é no sentido de que o ónus da prova da inexistência de interesse justificado da autora cabe à recorrida, pelo que esta deveria ter alegado (o que não fez) factos para provar o justificado interesse da sociedade garante ao prestar a garantia a favor da recorrida.

  8. - Sem prejuízo do que se expôs supra, a escritura pública de hipoteca é nula por contrária à lei - art. 6°, n° 3 do C.S.C.

    15a - Tratando-se de...

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