Acórdão nº 2618/06-3 de Tribunal da Relação de Évora, 01 de Fevereiro de 2007
Magistrado Responsável | SILVA RATO |
Data da Resolução | 01 de Fevereiro de 2007 |
Emissor | Tribunal da Relação de Évora |
PROCESSO Nº 2618/06 ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA I. "A" e "B", casados entre si, intentaram presente acção declarativa, sob a forma ordinária, contra "C", pedindo que se declare resolvido o contrato celebrado entre os AA e a Ré e consequentemente a condenação desta a pagar-lhes a quantia recebida a titulo de sinal, em dobro, no montante de € 109.735,54, acrescida de juros legais, contados desde a citação da Ré e até integral pagamento, e ainda a quantia de € 3.000, acrescida de juros legais, contados desde a citação e até integral pagamento.
Alegaram para o efeito, em síntese, que celebraram com a Ré, em 2002, um contrato promessa relativamente a imóvel que identificam no art° 2° da p.i.
Que o contrato definitivo nunca se chegou a realizar por culpa da Ré, pois esta até hoje não se muniu da licença de habitabilidade, nem constitui tal prédio em propriedade horizontal.
Em virtude da escritura de compra e venda não se ter realizado no prazo estipulado, os AA perderam definitivamente o interesse na concretização do negócio, pelo que pretendem a resolução do contrato, com as legais consequências.
A Ré contestou e deduziu reconvenção, impugnando parte dos factos alegados e dizendo que não há ainda da sua parte qualquer acto que possa ser qualificado como uma intenção de incumprimento definitivo, não havendo assim lugar a qualquer restituição, muito menos do sinal em dobro.
Na base do seu pedido reconvencional, está a ocupação dos autores da fracção identificada nos autos. Pedem assim montantes de € 750,00 por cada mês de utilização da fracção a titulo de compensação, a pagar uma compensação (outra) de € 18.000,00 correspondente à utilização daquela fracção, bem como do consumo de água e energia eléctrica, que foram consumidas pelos Autores e têm vindo a ser pagas pela Ré, e a devolver o andar devoluto e no estado novo em que o mesmo se encontrava à data em que se verificou a sua entrega aos Autores.
No decurso da acção faleceu a Autora "B", tendo sido julgado habilitado "D", para no seu lugar prosseguir a acção.
Efectuado o julgamento, foi proferida sentença, em que se decidiu: "De acordo com o atrás disposto julga-se parcialmente procedente a presente acção e totalmente improcedente a reconvenção, e em consequência: - Condena-se a ré "C" a pagar aos autores a quantia de 109 735,54 devida pela restituição sinal em dobro, nos termos do disposto nos art: 442° n. 2 do CC declarando-se resolvido o contrato promessa referido no ponto 1 dos factos provados e celebrado entre as partes.
- Nos termos do disposto no artº 755° nº 1 al. f) do CC, reconhece-se aos autores o direito de retenção sobre a fracção que ocupam fracção autónoma designada pelo apartamento n° 6 andar direito, tipo T3 com lugar a estacionamento ao nível da cave designado pelo nº 20, que faz parte integrante daquela fracção, fracção esta que se encontra edificada num lote de terreno destinado á construção urbana, sito em …, Lote C 12, Freguesia e Concelho de … descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o nº 05104, inscrito na matriz predial urbana sob o art. 11 783, freguesia de … No mais peticionado vai a ré absolvida.
Absolve-se os autores (devidamente identificados nos autos) de todos os pedidos reconvencionais.
Custas a cargo dos autores e da ré, na proporção do respectivo decaimento." Inconformada, veio a Ré interpor, a fls. 474, o presente recurso de apelação, cujas alegações de fls. 494 a 503, terminou com a formulação das seguintes conclusões: "A. Da matéria de facto provada, não resulta que os AA.-Recorridos, em consequência da mora, tenham perdido o interesse na prestação, nem também que esta não tenha sido realizada dentro do prazo que razoavelmente tenha sido fixado por eles.
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A perca de interesse na prestação deverá ser apreciada objectivamente, ou seja, deverá averiguar-se se «a perda de interesse corresponde à realidade das coisas».
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Os AA. originários e os que nela se encontram por via da habilitação ocorrida nunca vieram objectivamente sustentar nos autos a perda de interesse na prestação em mora, antes se limitaram a invocar a impossibilidade de fazerem uso do crédito bonificado que lhes havia sido concedido.
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Os AA.-Recorridos pretendiam fixar a sua residência no andar cuja compra e venda foi reciprocamente prometida, de tal forma que, face a anterior idêntico atraso, as partes vieram a revogar um outro contrato promessa celebrado em 12 de Outubro de 2001, substituindo-o pelo contrato dado aos autos e com base no qual lhes foi dada a tradição do andar.
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E logo após a celebração do contrato promessa de 2001, os AA. venderam a sua própria casa e ficaram sem onde morar, tendo a R.-Recorrente aceite deduzir no preço final o valor de € 3.000,00, correspondente a rendas que entretanto os AA. suportaram com um arrendamento temporário.
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Para que se verificasse efectiva perda de interesse no negócio prometido seria necessário que, em função do retardamento no cumprimento, este já «não proporcione ao credor a utilidade conforme ao programa obrigacional» (vd., J. Calvão da Silva, Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, p-85).
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Evidenciam os autos que, não obstante a mora da Ré, os AA.-Recorridos mantiveram a residência da família no mesmo andar, pelo que o negócio continua a proporcionar aos Recorridos a mesma utilidade prática! H. Assim, e porque o interesse do credor se reporta às utilidades concretas que a prestação lhe proporciona, «0 não cumprimento da obrigação não se verifica quando a prestação sendo ainda materialmente possível no contexto da obrigação, não perdeu o interesse para o credor» (Ac. STJ, de 19.10.1978; BMJ, 280-290) I. O Contrato Promessa de Compra e Venda de 3 de Maio de 2002, limita-se a mencionar que "4" O Segundo Outorgante irá recorrer ao Crédito Bancário para financiamento desta compra", sem especificar se se trata de crédito bancário bonificado ou não, nem em lado algum se consagra que a concessão do crédito é condição essencial da decisão de contratar manifestada pelo promitente comprador.
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O A.-marido nunca pretendeu que a vontade manifestada de outorgar a compra e venda prometida ficasse condicionada à concessão do crédito, nem à concessão de uma modalidade específica de crédito - a bonificada (que não é sequer mencionada): pretendeu apenas garantir que, caso viesse a ser marcada a escritura antes de lhe ter sido concedido o...
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