Acórdão nº 1664/06-3 de Tribunal da Relação de Évora, 31 de Outubro de 2006

Magistrado ResponsávelACÁCIO PROENÇA
Data da Resolução31 de Outubro de 2006
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora: No Tribunal de Trabalho de …, uma vez frustrada a tentativa de conciliação com que culminou a fase conciliatória do processo, veio A. …, viúva, …, por si e em representação do seu filho menor, B. …, solteiro, consigo residente, apresentar petição inicial na presente acção especial emergente de acidente de trabalho contra C. …, e D. …, pedindo se declare como de trabalho o acidente mortal sofrido pelo marido e pai dos Autores e os Réus condenados a pagar: à Autora-viúva, a pensão anual e vitalícia de € 3825, com início em 17 de Novembro de 2004; ao filho menor, a pensão anual de € 2190,00, com início em 17 de Novembro de 2004 até perfazer 18, 22 ou 25 anos, enquanto frequentar o ensino secundário ou curso equiparado com o ensino superior; a ambos os autores, o montante de € 4387,20, referente ao subsídio por morte, o montante de € 2924,80, a título de despesas de funeral com trasladação, o montante de € 30, a título de despesas de transporte com duas deslocações ao Tribunal de Trabalho de …. Para o efeito alegaram, em síntese, que E. …, respectivamente marido e pai dos Autores, celebrou um contrato de trabalho verbal com os Réus, que se iniciou no dia 1 de Novembro de 2004, cujo objecto era a realização de vários trabalhos agrícolas nas propriedades dos Réus, mediante a remuneração diária de € 30x365 dias, incluindo subsídio de alimentação; no dia 16 de Novembro de 2004, quando se dirigia para uma daquelas propriedades conduzindo um tractor, o E. … foi vítima de um acidente em virtude do capotamento do veículo que conduzia, acidente que foi causa directa e imediata da sua morte; consideram que esse acidente foi um acidente de trabalho e, porque os Réus não tinham a sua responsabilidade emergente de acidentes de trabalho transferida para qualquer seguradora, é da responsabilidade dos Réus.

Contestaram os Réus para pugnarem pela improcedência da acção e sua consequente absolvição, sustentando que não foi celebrado qualquer tipo de contrato de trabalho entre o sinistrado e os Réus tendo aquele trabalhado nas terras dos Réus, que exploram propriedades diferentes e são agricultores em nome individual, mediante um espírito de ajuda entre todos, dada a amizade que os unia, no âmbito da qual os próprios Réus também ajudavam nas terras que o sinistrado semeava por conta própria, trabalho esse que não era remunerado, sendo que os Réus trabalham habitualmente sós ou com membros da respectiva família; que no momento do acidente o sinistrado não se dirigia para qualquer das propriedades dos Réus mas para uma das suas terras para aí trabalhar com o tractor de um dos Réus; sustentam ainda que o tractor não pode considerar-se uma máquina ou equipamento de especial perigosidade e que no dia do acidente a vítima, à hora do almoço, tinha ingerido álcool.

Responderam os Autores para insistir que foi celebrado um contrato de trabalho entre os Réus e o sinistrado, no qual aqueles assumiram, em conjunto, a posição de entidade patronal.

Foi proferido despacho saneador, seleccionados os factos assentes e elaborada a base instrutória da causa, que não foram objecto de qualquer de reparo.

Realizou-se a audiência de discussão e julgamento e no seu termo foi proferido despacho respondendo à matéria que integrava a base instrutória da causa, de que também não houve reclamação.

Foi depois proferida sentença julgando a acção procedente, declarando o acidente como de trabalho e que a morte do sinistrado foi consequência directa e necessária do mesmo e condenando os Réus: a) a pagar solidariamente: à Autora A. …, a pensão anual e vitalícia de € 2376, com início em 17 de Novembro de 2004; ao Autor B. … a pensão anual de €1584 desde 17 de Novembro de 2004 até perfazer a idade legal estabelecida, 18, 22 ou 25 anos; b) a pagar aos Autores, na proporção de metade a cada um, a quantia de € 4387,20, relativa ao subsídio por morte; c) a pagar à Autora a quantia de €1462,40, relativa a despesas de funeral e a quantia de € 30 a título de despesas com duas deslocações ao Tribunal de …; d) como litigantes de má-fé na multa correspondente a 4 UCs.

Inconformados com o assim decidido apelaram os Réus para esta Relação rematando a respectiva alegação com as seguintes conclusões: 1º Ficou provado que os Réus exercem, em nome individual, a actividade agrícola; 2º E que a exercem em herdades diferentes: um na Herdade das M.., outro na Herdade Brás da G….

  1. Por isso, teria que ficar definido, a entender-se que houve uma relação de trabalho, qual dos RR, no momento do acidente, era o patrão.

  2. Não podia, o sinistrado, estar numa e noutra ao mesmo tempo, nem ser, assim, fiscalizado e orientado por ambos.

  3. Acrescendo ainda que tinha a sua própria actividade de fabrico de queijos a que dedicava grande parte do seu tempo e que ainda explorava e semeava terras suas.

  4. Ao não ser determinado - face ao entendimento de existência de contrato de trabalho - quem era a entidade patronal, não pode, como fez a Exma juíza, socorrer-se do nº 3 do artº 92º do CT.

  5. Tal preceito só pode ser utilizado se, declarada a invalidade do contrato aí previsto, tivesse ficado provado que os Réus, tinham estruturas organizativas comuns -nºs 2 e 1 do referido artº 92º 8º Nada disso ficou provado, não podendo, pois, invocar-se tal preceito.

  6. Não podendo ser invocado, e sendo certo que a solidariedade só existe quando resulta da lei ou da vontade as partes (artº 513º do CC), não pode ocorrer uma condenação como a que, nestes actos, ocorreu.

  7. As contradições e obscuridades, no que tange à matéria provada, são de molde a colocar a questão na previsão do disposto no artº 712º, nº 4 do CPC.

  8. Acresce que não se pode concluir, pela matéria de facto provada, pela existência de um contrato de trabalho na asserção sentenciada.

  9. Se cabe aos Autores prová-la, ficaram muitos contornos por esclarecer, para além da invocada duplicação de patrões, também o valor do salário, o horário de trabalho, o subsídio de refeição, etc.

  10. O valor de 30 € a que a Exma magistrada chegou é o que resulta da alegação dos AA que partiram do pressuposto de que se contabilizava 11 dias de trabalho entre 1 e 16 de Novembro.

  11. Porém, não o logrando fazer, as contas não podem ser assim feitas.

  12. Porque, na verdade, o valor entregue pelo R.C…, foi puramente aleatório, porque nenhum acordo sobre isso havia.

  13. Ora, todo o conjunto de contradições e obscuridades, se não levarem à reapreciação da matéria de facto, levarão, certamente, à sua anulação.

  14. Porém, e antes disso, do que resulta da matéria provada podemos concluir pela exclusão da alçada da L. nº 100/97 ou, antes ainda, descaracterizá-la.

  15. Primeiramente porque, como a Exma Magistrada concluiu, e bem, que a relação existente - fosse ela qual fosse - se inclui na previsão do disposto no artº 8º da referida L. nº 100/97.

  16. E aí deve ficar, porque um simples tractor agrícola não constitui máquina, ou equipamento, de especial perigosidade.

  17. Na verdade, tendo em conta a sua estrutura e a velocidade que atinge, tem muito menos perigosidade do que um potente e veloz automóvel ligeiro - para não falar dos pesados.

  18. Por isso, não deve constituir excepção como o entendeu a Exma juiz, tanto mais que a condução ocorreu em estrada.

  19. E, por outro lado, ficou provado que o sinistrado ingeriu álcool, antes de conduzir.

  20. A medida dessa ingestão não foi possível provar porque fugiu em absoluto ao controlo dos RR.

  21. Devia ter sido feita análise ao sangue, no âmbito do processo em que ocorreu a autópsia, e a esse facto são os RR alheios.

  22. Não podendo, sequer, intervir.

  23. Porém, o álcool ingerido deve ter tido influência no acidente.

  24. Na verdade, não havendo falha técnica do tractor, não tendo havido intervenção de terceiros e estando o piso em bom estado, só pelo álcool se entende um despiste para o lado esquerdo da via.

  25. E, se não foi o álcool, outra distracção qualquer ocorreu. Em qualquer a negligência é grosseira.

  26. E, assim, o acidente cai na previsão do artº 7º da L. nº 100/97 com a inerente descaracterização.

  27. E não se pode dizer, face a todo o disposto, que os RR litigaram de má-fé.

  28. Na verdade, face ao que foi alegado e ao que ficou provado, não se entende o tratamento diferenciado para AA e RR.

  29. De facto, os RR não litigaram de má-fé.

  30. Entendemos, pois, que a Exma juiz, além de violar o disposto no artº 456º do CC, violou também o disposto no artº 92º do CT, 53º do CC, 6º, 7º e 8º da L nº 100/97, pelo menos.

Termina pedindo o provimento do recurso, declarando-se a exclusão ou a descaracterização do acidente ou, se assim se não entender, reapreciar a prova ou anulá-la, com as legais consequências.

Não foram apresentadas alegações pela parte contrária.

Admitido o recurso os autos subiram a esta Relação e, apresentados ao Exmo Procurador Geral Adjunto este limitou-se a por o seu visto.

Foram colhidos os vistos dos Senhores juízes adjuntos.

Cumpre decidir.

* A decisão recorrida assentou na seguinte factualidade que considerou provada: I- Matéria de facto considerada assente logo aquando da elaboração do despacho saneador: A - E. … faleceu no dia 16 de Novembro de 2004.

B - O referido sinistrado nasceu em 25 de Março de 1961.

C - O Autor B… é filho do sinistrado e nasceu em 16 de Novembro de 1991.

D - À data do falecimento, o sinistrado era casado com a Autora...

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