Acórdão nº 02559/07 de Tribunal Central Administrativo Sul, 14 de Junho de 2007

Magistrado ResponsávelCristina dos Santos
Data da Resolução14 de Junho de 2007
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

A sociedade Jardim ... Lda., com os sinais nos autos, inconformada com a sentença proferida pelo Mmo. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa que rejeitou o pedido de intimação por si formulado, dela vem recorrer concluindo como segue: 1. O Tribunal a quo por despacho de 26 de Maio de 2006 ordenou a tramitação do presente processo segundo o disposto no artigo 112.° do RJUE epigrafado de "intimação judicial para a prática de acto legalmente devido", e, mais tarde, com base em tal tramitação e enquadramento legal, veio por sentença de 26 de Setembro de 2006 a rejeitar a procedência da presente intimação, desta feita, pugnando pela caducidade do direito de acção por aplicação do disposto no artigo 69.°, n.° 1 do CPTA.

  1. A Recorrente enquadrou a sua pretensão como uma "intimação para a emissão de alvará de autorização de utilização", com a tramitação prevista no artigo "113.°, n.° 5 do RJUE", no âmbito da qual peticionou "a intimação da Recorrida a emitir o alvará de autorização de utilização para o estabelecimento de restauração e bebidas, sito no passeio das Tágides, Lote 2.26.01, Parque das Nações no prazo não superior a 15 dias úteis, com as devidas consequências legais".

  2. O Recorrente entende que o Tribunal a quo ao aplicar em bloco no presente processo a tramitação prevista no artigo 112.° do RJUE, formulou uma interpretação de tal disposição legal que não se sustenta em qualquer elemento hermenêutica da interpretação pois entende que existe no caso sub judice um erro manifesto e grosseiro na forma de processo adoptada.

  3. De uma interpretação puramente literal dos artigos 111.°, 112.° e 113.° do RJUE conclui-se de modo manifesto e inequívoco que o meio processual denominado "intimação judicial para a prática de um acto legalmente devido" consagrado no artigo 112.° do RJUE depende da inexistência de um acto expresso ou tácito e da existência de uma omissão na prática de um acto "que devesse ser praticado por qualquer órgão municipal no âmbito do procedimento de licenciamento".

  4. De uma interpretação puramente literal dos artigos 111.°, 112.° e 113.° do RJUE conclui-se de modo manifesto e inequívoco que meio processual denominado "intimação para emissão de alvará" consagrada no artigo 113.°, n.° 5 e 6, do RJUE depende da formação de um acto tácito e da existência de uma omissão na prática de um acto "que devesse ser praticado por qualquer órgão municipal no âmbito do procedimento de autorização"; 6. De uma interpretação puramente literal dos artigos 111.°, 112.° e 113.° do RJUE conclui-se de modo manifesto e inequívoco que a "intimação judicial para a prática de um acto legalmente devido" consagrada no artigo 112.° do RJUE e a "intimação para emissão de alvará" consagrada no artigo 113.°, n.° 5 e 6, do RJUE configuram meios processuais distintos que obedecem a diferentes pressupostos substantivos de provimento e a uma diferente tramitação processual 7. Da letra dos artigos 111°, 112.° e 113.° do RJUE conclui-se ainda de modo manifesto e inequívoco que o único elemento comum à "intimação judicial para a prática de um acto legalmente devido" consagrada no artigo 112.° do RJUE e à "intimação para emissão de alvará" consagrada no artigo 113.°, n.° 5 e 6, do RJUE é a circunstância de ambos os meios processuais terem sido configurados pelo legislador como processos urgentes nos termos da interpretação conjugada dos arts. 112.°, n.° 7 e 113.°, n.° 6 do RJUE 8. No entanto, no caso sub judice, a tramitação processual adoptada no presente processo não foi a consagrada no artigo 113.°, n.°s 5 e 6, do RJUE, mas a consagrada no artigo 112.° do mesmo diploma.

  5. As decisões ora impugnadas - o despacho de 26 de Maio de 2006 e a sentença de 26 de Setembro de 2006 - ao sujeitaram a pretensão invocada pela Recorrente no presente processo aos pressupostos substantivos e à tramitação processual consagrada no art. 111.°, al. a) e 112.° do RJUE violaram de modo manifesto os artigos 111.°, als. a) e b), 112.° e 113.° do RJUE.

  6. O Tribunal a quo pugnou pela procedência de uma excepção peremptória - a caducidade do direito de acção - no pressuposto da existência legal de uma regra de caducidade do direito da acção destinada a compelir a administração a emitir um simples documento.

  7. Tal pressuposto ou premissa, é salvo o devido muito respeito, manifestamente contrário a uma interpretação da literal, sistemática, histórica e teleológica do meio processual em análise e do próprio artigo 69.° do CPTA.

  8. Se fosse intenção do legislador estabelecer um prazo de caducidade para o direito de intimar a administração a emitir alvará seria lógico e curial que tal prazo fosse expressamente consagrado no próprio RJUE, em especial nos arts. 111.°, n.° al. b) e 113.°, n.°s 5 e 6 do RJUE ou no artigo 19.° do RJIFERB, disposições legais que definem todos os demais pressupostos substantivos e processuais para a procedência da intimação.

  9. Assim, um entendimento segundo o qual existe um prazo de caducidade para a interposição da intimação para a emissão de alvará é desde logo contrário à letra dos arts. 111.°, n.° al. b) e 113.°, n.°s 5 e 6 do RJUE e do art. 19.° do RJIFERB os quais, entre os pressupostos substantivos e processuais para a procedência da intimação, não estipulam a existência de qualquer prazo de caducidade.

  10. Um entendimento segundo o qual existe um prazo de caducidade para a interposição da "intimação para emissão do alvará" implica negligenciar a evolução histórica de tal figura na actual legislação urbanística a qual se orientou de modo inequívoco pela eliminação do prazo de caducidade expressamente previsto na legislação revogada.

  11. A Recorrente não pretende, com o presente processo, a impugnação de qualquer acto administrativo praticado pela Recorrida, nem a condenação da Recorrida à prática de qualquer acto administrativo ilegalmente omitido mas sim uma intimação judicial destinada à emissão de um simples alvará.

  12. Se dúvidas houvesse sobre a natureza jurídica do alvará [em especial se consubstancia ou não um acto administrativo], o STA veio a decidir, por Acórdão de 29.09.2005, sob o nº de processo 0180/05, que l- Em matéria de licenciamento de obras de construção, o alvará é o documento que titula o direito de edificar. II - Não é, portanto, um acto administrativo e, por isso, é irrecorrível contenciosamente." 17.

    O Tribunal a quo ao interpretar o pedido de intimação do Município para a emissão de alvará como um processo regulado pelo art. 112.° do RJUE e, em especial, ao aplicar o artigo 69.° do CPTA, que tem por objecto a prática de actos administrativos, adoptou uma interpretação contrária ao disposto no artigos 46.°, 66.° e 71.° do CPTA e 112.° do RJUE pois todas estas normas tem em vista apenas a condenação na prática de "actos administrativos".

  13. A situação jurídica da Recorrente já se encontra definida materialmente ao abrigo do acto administrativo tacitamente deferido, este não pediu e nem poderia pedir no presente processo qualquer condenação na prática de qualquer acto administrativo mas apenas a emissão do respectivo titulo.

  14. Assim sendo, não se está perante qualquer acção administrativa onde se vise obter "a condenação da entidade competente à prática, dentro de determinado prazo, de um acto administrativo ilegalmente omitido ou recusado" nos termos dos artigos 66.° a 71.° do CPTA, ao contrário do que o Tribunal a quo pretendeu sustentar, ao qual seja aplicável, nomeadamente, o art. 69.° do CPTA.

  15. O presente processo, por não ter por objecto um acto administrativo, nunca estará sujeita à tramitação da acção administrativa especial prevista para a condenação à prática de um acto administrativo ou à tramitação prevista no art. 112.° do RJUE.

  16. Assim, não sendo aplicável ao presente processo urgente, as disposições da acção administrativa especial - por não se tratar de uma "acção relativa a pretensões emergentes da prática ou da omissão de actos administrativos ou de disposições normativas de direito administrativo" (artigo 46.° do CPTA) - sempre se dirá que é aplicável a forma residual processo existente no contencioso administrativo: a acção administrativa comum.

  17. O art. 37.°, n.° 1 do CPTA, estatui expressamente que "seguem a forma da acção administrativa comum os processos que tenham por objecto litígios cuja apreciação se inscreva no âmbito da jurisdição administrativa e que, nem neste Código nem em legislação avulsa, sejam objecto de regulamentação especial" e a forma de processo comum é sempre aplicável "aos litígios sujeitos à jurisdição administrativa relativamente aos quais não esteja expressamente estabelecida uma regulação especial" (cfr.

    vieira de andrade - A Justiça Administrativa, 4.a ed., Almedina, p. 177).

  18. Em sustento desta tese, atente-se que, in casu, estamos perante uma acção que implica, implicitamente, o reconhecimento de uma situação jurídica subjectiva (o acto tacitamente deferido), nos termos do artigo 37.°, n.° 2, al. a) do CPTA e, por outro lado, a presente acção envolve, da parte da Recorrida, o cumprimento de deveres (a emissão de um documento: o alvará de autorização de utilização) que decorrem directamente de normas jurídico-administrativas, nos termos da al. e) do artigo 37.° do CPTA.

  19. Nos termos do artigo 41.°, n.° 1 do CPTA "a acção administrativa comum pode ser interposta a todo o tempo", pelo que o entendimento segundo o qual a presente acção está sujeita a um prazo de caducidade é contrária às normas previstos no processo a que esta acção está, subsidiariamente, sujeita.

  20. Acresce que, a aplicação ao caso dos autos do disposto no art. 69.° do CPTA ou ainda a tramitação prevista do artigo 112.° do RJUE, tem implícita a ideia de que um acto tácito e uma omissão que não tenha como consequência legal o deferimento da pretensão configuram uma mesma realidade jurídica.

  21. Ora, o deferimento tácito implica desde logo que o particular fica dispensado de recorrer aos tribunais, podendo dar início à execução da sua operação urbanística sem a prévia emissão do...

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