Acórdão nº 01618/07 de Tribunal Central Administrativo Sul, 22 de Maio de 2007

Magistrado ResponsávelEUGÉNIO SEQUEIRA
Data da Resolução22 de Maio de 2007
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário (2.ª Secção) do Tribunal Central Administrativo Sul: A. O Relatório.

  1. C... - Inertes, Ligantes e Betão, S.A, identificada nos autos, dizendo-se inconformado com a sentença proferida pela M. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa 2 que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida, veio da mesma recorrer para este Tribunal formulando para tanto nas suas alegações as seguintes conclusões e que na íntegra se reproduzem: 1.º A AT não demonstrou perante o Tribunal, a existência de indícios sérios, objectiva e materialmente fundamentados, que legitimem a desconsideração dos valores declarados pela ora Recorrente e as consequentes correcções efectuadas.

    1. A circunstância de as facturas terem sido emitidas no final do ano não indicia a sua falsidade, por ter sido nesse lapso de tempo que a P..., Lda. comprovadamente, prestou serviços à ora Recorrente.

    2. A consideração de que as facturas em análise têm um valor elevado, surge desacompanhada de qualquer diligência que demonstre que são outros, e menos elevados, os valores das prestações de serviço que elas documentam.

    3. O facto de a empresa emitente das facturas desconsideradas ter sido indiciada pela emissão de facturas falsas, é, na falta de elementos comprovativos, um indício no qual a AT pretende sustentar outro.

    4. O facto de a empresa emitente das facturas desconsideradas ter, comprovadamente prestado serviços à ora Recorrente, diminui objectivamente o valor alegadamente indiciador do facto referido na conclusão anterior.

    5. O facto da AT considerar, que a empresa emitente das facturas desconsideradas, não revela capacidade produtiva para os serviços de construção civil em causa nas referidas facturas, não foi, de forma alguma, demonstrado perante o Tribunal, não podendo ser considerado como mais do que uma simples especulação.

    6. O facto de não terem sido encontrados contratos ou documentos subjacentes, não revela, segundo as regras que se podem extrair da experiência comum, elevada probabilidade de não terem existido contratos efectivos.

    7. A existência das obras não demonstra a identidade do seu autor ou autores, mas põe em crise as extrapolações que se possam fazer da inexistência de contratos ou de documentos subjacentes, criando na esfera da AT, no âmbito da actividade instrutória que lhe compete, o ónus de diligenciar no sentido de, através de uma fiscalização séria e aturada à ora Recorrente, apurar por quem foram efectivamente feitas, em que termos, por que valores e com base em que contratos ou documentos subjacentes, sob pena não poder a AT basear as correcções impugnadas no facto referido na conclusão anterior.

    8. O facto de as facturas desconsideradas não terem sido pagas na sua quase totalidade, não pode ser considerado como indício suficiente da sua falsidade, em virtude de existirem, objectivamente, múltiplas e válidas razões possíveis para o não pagamento de uma factura, o que retira a solidez de que se deve revestir a convicção da AT.

    9. Ficou a este respeito comprovado, e cita-se da douta decisão ora Recorrida: «As obras dos escritórios foram iniciadas pela sociedade P...

      SOCIEDADE DE CONSTRUÇÃO CIVIL LDA., com diversas deficiências e imperfeições, e terminadas por outros empreiteiros ou entidades (...)».

    10. Ficou assim demonstrado, que a justificação do não pagamento das facturas dada pela ora Recorrente à AT, em sede do exercício da Audição Prévia, e que se prendeu com a deficiente execução dos trabalhos, coincide com a prova feita em juízo, pelo menos no que diz respeito às obras dos escritórios, facto que extingue, ou pelo menos diminui consideravelmente, o já frágil valor alegadamente indiciador do facto apresentado pela AT.

    11. Em face da pouca solidez dos juízos de relacionação normal entre os alegados indícios e o tema de prova, deveria a AT, no âmbito da actividade instrutória que lhe compete, ter diligenciado, como efectivamente podia, no sentido de apurar factos que revestissem os alegados indícios, da objectividade e da fundamentação material que a lei exige, podendo então, formar solidamente a sua convicção.

    12. Assim, entende a Recorrente que o Tribunal "a quo" errou na qualificação que fez dos factos-índice enumerados pela AT, como sendo indícios sérios e objectivos, reveladores de uma probabilidade elevada de as facturas desconsideradas não titularem operações reais.

    13. Em consequência, não pode prejudicar a ora Recorrente, o facto de não ter conseguido demonstrar claramente a dimensão exacta das obras efectivamente efectuadas pela sociedade P... LDA., já que, em face do que ficou referido supra (relativamente à não demonstração da existência de indícios fundados por banda da AT) essa prova não lhe deve ser exigida, por não estarem reunidas as condições para afastar a presunção do Art.º 75.º n.º 1 da LGT.

      NESTES TERMOS, deve a douta decisão recorrida ser revogada, julgando-se procedente o presente Recurso e, consequentemente, a Impugnação deduzida, devendo, a final, ser anulada a Liquidação de IRC e Juros Compensatórios referentes ao exercício de 1999, por inexistência de base legal que a suporte.

      Foi admitido o recurso para subir imediatamente, nos próprios autos e no efeito meramente devolutivo.

      O Exmo Representante do Ministério Público (RMP), junto deste Tribunal, no seu parecer, pronuncia-se por ser o presente recurso carecido de objecto, por a recorrente se ter limitado a esgrimir os argumentos já apresentados na sua petição inicial de impugnação e que não obtiveram sucesso na decisão recorrida, sem imputar a esta qualquer vício que permita a este tribunal sindicar o julgamento pela mesma efectuado, ou, quando assim se não entenda, deve ser negado provimento ao recurso, por a AT ter reunido elementos suficientes para proceder à desconsideração das facturas em causa, que apontam para a sua falta de aderência com a realidade, os quais não foram infirmados pela mesma ora recorrente.

      Foram colhidos os vistos dos Exmos Adjuntos.

      B. A fundamentação.

  2. A questão decidenda. São as seguintes as questões a decidir: Se a ora recorrente na matéria das conclusões das alegações do seu recurso, afronta ou censura a sentença recorrida; E respondendo-se afirmativamente, se a AT logrou fundamentar as correcções técnicas efectuadas ao lucro tributável em indícios sérios e objectivos de molde a afastar a presunção da veracidade da escrita da contribuinte quanto às duas facturas desconsideradas como custos; E se, por seu lado, a recorrente logrou abalar ou infirmar esses indícios sérios e objectivos em que se funda tal desconsideração ou mesmo provar, a efectiva aderência de tais facturas com a realidade nelas descrita.

  3. A matéria de facto.

    Em sede de probatório a M. juiz do Tribunal "a quo" fixou a seguinte factualidade, a qual igualmente na íntegra se reproduz: 1. Em 1999, a C... - INERTES LIGANTES BETÃO, S.A., ora Impugnante, constituída formalmente como sociedade anónima, exercia a actividade de extracção de saibro, areia e pedra britada, sob o CAE 14210. Encontrava-se enquadrada no regime geral de IRC e de IVA, e inscrita no Serviço de Finanças da Azambuja - conforme resulta do Relatório dos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Lisboa, de fls. 27 a 87 do processo administrativo tributário (PAT), em particular, a fls. 29 e 60.

  4. A Impugnante arrematou em leilão, em 2 de Agosto de 1999, um imóvel relativamente ao qual celebrou contrato de fornecimento de energia eléctrica, em 5 de Agosto de 1999, e realizou a escritura pública de compra, em 19 de Outubro de 2000. O imóvel vertente é composto por um prédio rústico e um prédio misto, situado na Cruz das Almas ou Covas das Almas, Estrada Nacional n.º 10, quilómetro 127, freguesia de Alverca e a respectiva aquisição foi objecto de inscrição registral em 29 de Janeiro de 2001 - como decorre dos seguintes documentos: certidão da Conservatória do Registo Predial de Vila Franca de Xira, de fls. 70 a 80 dos autos; cópia da escritura de compra e venda, de f1s. 82 a 86 dos autos, e documentos de fls. 126 a 129, referentes ao leilão e ao contrato com a EDP.

  5. O imóvel em causa é composto por um edifício de escritórios e armazéns. Após a arrematação em leilão, pela Impugnante, foi realizada uma remodelação profunda, quer atendendo à necessidade de obras de conservação, quer à adaptação das instalações de serralharia civil para a indústria de cimento. Foi integralmente renovado o edifício de escritórios e ampliado um armazém, dentro do qual foi construído um pavilhão novo, de ensacagem, envolvendo trabalhos de demolição, remoção de entulhos e edificação. As obras dos escritórios foram iniciadas pela sociedade P... - SOCIEDADE DE CONSTRUÇÃO CIVIL, LDA., com diversas deficiências e imperfeições, e terminadas por outros empreiteiros ou entidades - vide cópia das memórias descritivas e justificativas, de fls. 99 a 124 dos autos. Também decorre do depoimento das testemunhas inquiridas, designadamente do projectista, Rui Manuel Martins (1.ª testemunha), do Encarregado, Inácio José Alexandre da Silva (4.ª testemunha) e, ainda, do Director Financeiro, Rui Pedro Colaço Santos Marujo (3.ª testemunha).

  6. O licenciamento das obras ocorreu após a sua realização, tendo sido emitidos alvarás de licença de construção, pela Câmara Municipal de Vila Franca de Xira, em 3 de Maio de 2002 e em 6 de Novembro de 2002, com vista à "legalização da construção de uma unidade industrial de um armazém e pala" - cfr.

    cópia das guias de pagamento dos Alvarás e das taxas de urbanização, a f1s. 90 a 92, 94 a 96 dos autos e cópia das memórias descritivas e justificativas, de fls. 99 a 124 dos autos e depoimento da 1.ª testemunha.

  7. Em 4 de Outubro de 1999, a sociedade P... - SOCIEDADE DE CONSTRUÇÃO CIVIL, LDA. elaborou um orçamento relativo a "remodelações interior/exterior" dos escritórios da Impugnante, no valor global de Esc. 9.804.600$00, incluindo o IVA à taxa então em vigor de 17%. As condições de pagamentos referidas no...

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