Acórdão nº 02100/06 de Tribunal Central Administrativo Sul, 15 de Março de 2007

Magistrado ResponsávelAntónio Vasconcelos
Data da Resolução15 de Março de 2007
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO, 2º JUÍZO, DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL: x O Ministério da Defesa Nacional inconformado com o Acórdão do TAF de Lisboa, de 19 de Setembro de 2006, que julgou: "(...) 1procedente (...) a (..) a acção de impugnação das regras do concurso, relativas aos requisitos técnicos das espingardas, constantes, quer do Caderno de Encargos, quer do Programa do Concurso, impondo-se a sua anulação com as consequências legais"; e " 3. Procedente o pedido de impugnação da validade do acto de 18.03.2005 de prorrogação do prazo para a apresentação das propostas, anulando-se os ulteriores termos do concurso" dele recorreu e, em sede de alegações, formulou as seguintes conclusões (sintetizadas): "1 - Na sentença do TAF de Lisboa, de 19 de Setembro de 2006, referente ao Proc. nº 717/05.03 BELSB, julgou-se, numa incorrecta aplicação do direito aos factos: "(....)" 2 - Com uma fundamentação juridicamente inaceitável, sustenta a referida sentença que a recorrente teria violado o princípio da imparcialidade, ao estipular nas peças processuais requisitos técnicos essenciais que alegadamente, só sendo integralmente cumpridos "ab initio" pela concorrente HK, traduzir-se-iam numa violação daquele parâmetro de actuação administrativa; 3 - A sentença claudica desde logo porque, em violação de regras processuais de apreciação da prova (entre outros, artigo 659º, nº 2 e 3 do CPC), admitiu que de um facto que havia antes reputado como não provado (os modelos da HK não eram os únicos a cumprir os "requisitos técnicos essenciais" alínea KKK) dos FA) poderia concluir pela comprovação do "facto" oposto (só os modelos da HK cumpririam aqueles requisitos), assentando a sua decisão nesta premissa; 4 - Contudo, jurisprudência constante vem explicando que um facto não provado é por natureza juridicamente neutro, comportando-se no processo como um não facto; nesta medida, é irrelevante para a apreciação do mérito da causa, sendo inoperante para a produção de qualquer efeito no processo (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 11 de Maio de 2005, Proc nº 9359/2004-3); 5 - Acresce que a sentença ignorou que no procedimento (i) houve várias propostas para cada família de armas, (ii) mesmo no segmento das espingardas, foram seleccionados dois concorrentes para passar à fase de negociações e (iii) a entidade adjudicante revelou desde o início um comportamento orientado no sentido da preservação da concorrência (desde logo, por via de uma vasta gama de possibilidades de participação prevista no Programa do Concurso); 6 - Assim, vejam-se as possibilidades de subcontratação, de candidatura em agrupamento, de apresentação de propostas em relação a apenas uma das famílias de armas em concurso, assim como a possibilidade aberta de, até à fase de negociações, os concorrentes não terem de disponibilizar para efeitos de testes quaisquer exemplares das versões 2 e 3 das espingardas e pistolas; 7 - Acima de tudo, é desadequado aferir em termos absolutos a protecção da concorrência no procedimento tomando por referência o momento de abertura do concurso, uma vez que, no caso dos autos, se admitiu com clareza que os interessados pudessem apresentar propostas relativas a modelos cuja matriz dominassem e que poderia depois ser objecto de adaptações em tempo útil, assumindo-se no concurso uma mera obrigação de resultado, a cumprir apenas à medida que as armas houvessem de ir sendo entregues (ou seja, em momento posterior à tramitação do procedimento e à celebração do contrato); 8 - Ignora a sentença, por outra banda, que aqueles requisitos técnicos se devem a ponderados motivos de interesse público que visam satisfazer necessidades operacionais específicas dos três ramos das Forças Armadas, tendo sido elaborados por especialistas dos vários ramos, (cujos pareceres técnicos, aliás, nunca foram contestados) e por uma equipa técnica que harmonizou as suas opções, guiando-se sempre pelas necessidades impostas pelas intervenções mais recentes das Forças Armadas e pela visão actualizada do mercado alcançada pelas consultas efectuadas; 9 - A opção por requisitos mais exigentes, cabendo na margem de decisão da entidade adjudicante, era conhecida desde o início pelos concorrentes, pelo que nem é procedente a alegação de violação do princípio da boa fé, na vertente de protecção da confiança, e justifica-se com a tentativa de maior qualidade e tempo de vida aos equipamentos, com o objectivo de, por este modo, melhor servir o interesse público; 10 - Bem se sabendo que o mencionado princípio da imparcialidade, para que se considere ofendido, não reclama a demonstração de uma decisão efectivamente parcial, mas sim, o risco de a mesma vir a existir, a verdade é que, dos vários factos que foram considerados provados na presente instância, não resultam elementos bastantes para que esse risco exista; desde logo, nem se vê nem é invocada a violação, pelo MINISTÉRIO DA DEFESA NACIONAL de normas legais injuntivas dos procedimentos adjudicatórios que, nalguma medida, se consubstanciassem, elas próprias, em garantias de imparcialidade; 11 - Ora, ali onde se demonstre que subjacente a uma decisão administrativa, de natureza eminentemente discricionária, estão motivos de interesse público atendíveis, e que a sua consideração em determinado contexto não põe em causa as regras basilares dos procedimentos adjudicatórios, não é possível sindicar a actuação da Administração com base na alegação, difusa e meramente presuntiva, de que o princípio da imparcialidade é ameaçado pelo facto de a medida em causa não ter o mesmo impacto na competitividade das propostas dos concorrentes, ou, no caso em apreço, das eventuais futuras propostas dos concorrentes; 12 - Em suma, é fundamental ter presente que, no caso concreto, o MINISTÉRIO DA DEFESA NACIONAL (i) pretendeu, numa fase inicial, conhecer o mercado actual de armas, que iriam substituir um modelo com mais de quarenta anos, (ii) em função das necessidades dos diversos ramos, fixou os vários requisitos técnicos a aplicar, (iii) fixou requisitos técnicos exigentes também em função do período de vida útil espectável para o material a adquirir e (iv) estimulou o mercado a criar um modelo à medida das suas necessidades, mesmo que, para o efeito, e como sucedeu em outros procedimentos, os vários fabricantes interessados tivessem de melhorar ou aperfeiçoar as suas armas; 13 - E aqui nenhuma ofensa ao princípio da imparcialidade se verifica: a tese da sentença recorrida significa, tão simplesmente, que o MINISTÉRIO DA DEFESA NACIONAL apenas se poderia propor adquirir equipamento já existente, como produto standard, no mercado, mas não qualquer produto desenvolvido e melhorado em função das necessidades reais sentidas, e esta tese, obviamente, não pode proceder; 14 - A pedra de toque do procedimento sob análise que manifestamente é ignorada na sentença recorrida foi, assim, justamente esta: o concurso foi aberto com vista à sedimentação de uma obrigação de resultado e ao consequente cumprimento de todos os (objectivamente justificados) requisitos técnicos essenciais; os concorrentes nem sequer tinham de vir a concurso com armas já existentes e em produção, podendo, antes, apresentar propostas com soluções a desenvolver em tempo útil a partir de versões que já dominassem; 15 - Por aqui se vê que não houve ofensa do princípio da imparcialidade, tendo-se possibilitado uma situação de concorrência mais do que suficiente entre os interessados; 16 - Por acréscimo (e com referência a uma passagem menos clara da sentença recorrida), as alíneas n), o) e p) do nº 1 do artigo 7º do Dec-Lei nº 33/99, de 5 de Fevereiro, e a alínea c) do nº 4 do artigo 21º do mesmo diploma não foram minimamente molestadas; 17 - Sustenta ainda a referida sentença que o acto de prorrogação do prazo de entrega das propostas seria ilegal, por violação do princípio da estabilidade concursal plasmado no artigo 45º, nº 3 do Dec-Lei nº 197/99, de 8 de Junho, enquanto norma subsidiária do Dec-Lei nº 33/99, de 5 de Fevereiro; esquece, todavia, que o artigo 13º deste último diploma é auto-suficiente, fixando imperativamente um prazo mínimo de apresentação das propostas, que pode ser ampliado por livre e justificada decisão da Comissão; 18 - Tendo sido legalmente alterada a data do acto público, a opção por deslizar a data de entrega das propostas para próximo daquela deveu-se à ponderação dos princípios da transparência, que recomenda a maior proximidade possível entre ambos os momentos, e da proporcionalidade, que sugere o aproveitamento pelos concorrentes do máximo de tempo até à realização do acto público, garantindo-se em igualdade o aproveitamento da prorrogação do prazo a todos os concorrentes; 19 - A sentença revela-se, ainda, desproporcional nos seus efeitos; assim, mostra-se desnecessária, pois pela anulação do acto de prorrogação não se repõe qualquer valor jurídico substancial, desadequada, porque ignora as exigências dos princípios da transparência e da proporcionalidade, como referimos supra, e desiquilibrada, por desferir um golpe duro no interesse público, sem com isso beneficiar um interesse privado em confronto; 20 - Assim, deve concluir-se que (i) a prorrogação do prazo de entrega das propostas foi determinada com transparência (publicidade adequada) e por razões de transparência e proporcionalidade; (ii) aproveitando todos os concorrentes em igualdade; (iii) não lesou interesses legítimos de nenhum sujeito; (iv) não prejudicou o interesse público; (v) e, sobretudo, respeitou o Direito aplicável (...)".

x A recorrida agravada contra-alegou, tendo enunciado as seguintes conclusões (sintetizadas): I - Não tem razão o recorrente quando invoca que a sentença recorrida assenta numa patologia processual por "nunca o tribunal poder dar como provado o contrário de um facto julgado não provado".

II - Embora na decisão sobre a matéria de facto (ao abrigo do disposto no artigo 655º do Cód. de Proc...

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