Acórdão nº 00057/05.8BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 14 de Junho de 2007

Magistrado ResponsávelDr
Data da Resolução14 de Junho de 2007
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

M…, Gestor Tributário do quadro da Direcção Geral dos Impostos, actualmente aposentado, vem interpor recurso jurisdicional do acórdão do TAF do Porto de 16 de Março de 2006, que negou provimento à acção administrativa especial de anulação da pena disciplinar de 1000 euros que lhe foi aplicada em processo disciplinar por se ter considerado que violou os deveres geral de zelo e especial de velar pela justa aplicação das leis fiscais.

Para tanto alega, em conclusão: “A) É objecto deste recurso a decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, de 16 de Março de 2006, que decidiu considerar, para efeitos de avaliação dos deveres geral de zelo e especial de velar pela justa aplicação das leis fiscais, o comportamento do Recorrente passível de ser qualificado como infracção disciplinar, por defeituoso cumprimento das disposições legais estabelecidas no Decreto-Lei n.º 202/96, de 23 de Outubro.

  1. A decisão objecto de recurso deve ser revista pois constitui errada subsunção ao disposto no artigo 3.º, n.º 4, alínea b) e n.º 6 do Estatuto Disciplinar, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 24/84, de 16 de Janeiro e do artigo 30.º, alínea a) do Decreto-Lei n.º 363/78, de 28 de Novembro.

  2. A decisão recorrida debruça-se exaustivamente sobre a disciplina contida no Decreto-Lei n.º 202/96, de 23 de Outubro, mas não avalia os pressupostos da responsabilidade disciplinar, que é a matéria aqui em causa, não se encontrando devidamente fundamentada pelos factos considerados assentes, carecendo de adequada fundamentação de facto e de direito e, como tal, violando o dever de fundamentação das decisões judiciais acolhido no artigo 205.º da C.R.P.

  3. Nestes termos, a decisão é nula, nos termos preceituados no artigo 668.º do C.P.C. aplicável por força do disposto no artigo 140.º do C.P.T.A..

  4. Não poderá perder-se de vista o escopo dos presentes autos: anulação do acto administrativo de aplicação de multa de 1 000 Euros, no âmbito do Processo disciplinar n.º 2003/12/58/C1/665.

  5. Ao abrigo do referido processo disciplinar, o Recorrente foi punido por uma alegada violação dos deveres geral de zelo e especial de velar pela justa aplicação das leis fiscais, sendo esta a matéria que terá de ser analisada e decidida com base nos factos vertidos nos autos à margem.

  6. A decisão tomada pelo Recorrente no sentido de revogar o acto tributário que deu origem ao processo disciplinar não é susceptível de se subsumir na disciplina constante das normas do Estatuto Disciplinar invocadas.

  7. Não é relevante para a matéria sub judice provar que a interpretação que o Recorrente fez da disciplina consagrada no citado Decreto-Lei n.º 202/96 foi o melhor juízo sobre as normas em causa.

  8. O que importa aferir é se essa interpretação era tão desconforme à lei ou a instruções superiores que por si só justificasse a aplicação de uma sanção disciplinar.

  9. O que caracteriza um funcionário zeloso é a eficiência e a correcção e sobre esta matéria a decisão recorrida não se pronuncia, não invocando os factos que permitem concluir pelo incumprimento do dever geral de zelo e do dever especial de velar pela justa aplicação das leis fiscais.

  10. A decisão recorrida limitou-se a avaliar a disciplina do Decreto-Lei n.º 202/96, de 23 de Outubro, pugnando por uma interpretação que o tempo tornou pacífica, sem considerar as concretas circunstâncias que estiveram na base da decisão de revogação do acto tributário tomada pelo Recorrente a qual originou o acto administrativo impugnado.

  11. A fundamentação de direito da decisão proferida, no essencial, assentou no entendimento que a revogação de um acto administrativo tributário pelo Recorrente, por ter entendido não ser legítimo manter um acto de liquidação adicional pelo facto de o sujeito passivo que declarou ser deficiente não ter apresentado um atestado médico passado depois da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 202/96, de 23 de Outubro, é passível de procedimento disciplinar, na medida em que foi praticada em desrespeito pelo disposto na lei, pressupondo que a “exigência de um novo atestado resulta do disposto no Decreto-Lei n.º 202/96 qualquer que seja a natureza da deficiência, oftalmológica ou outra”.

  12. A controvérsia que rodeava o Decreto-Lei n.º 202/96, de 23 de Outubro resultava, no essencial, no que devia ser entendido por “processos em curso”, isto é, se os processos de avaliação de incapacidade pendentes à data de entrada em vigor do normativo em causa, se aos processos tributários pendentes de resolução, estando a resposta a esta questão longe de ser consensual, à data.

  13. Importa decidir, porém, não o alcance do referido Decreto-Lei n.º 202/96, mas sim se a actuação do Recorrente desrespeita o disposto na lei de forma a legitimar a aplicação de uma sanção.

  14. O Recorrente mais não fez que entender, em total respeito pelas normas legais, que uma liquidação adicional de imposto carecia, em todos os casos, de fundamentação adequada estivesse ou não em causa uma situação de avaliação de incapacidade fiscalmente relevante.

  15. Fundamentação que não existia no caso em apreço, já que a liquidação adicional de imposto mais não fazia do que remeter para a Circular 1/96, quando nada indiciava tratar-se de uma situação nela enquadrável.

  16. Depois de o Recorrente ter proferido um despacho para que fossem incorporados no processo os documentos que levaram os serviços a concluir pela verificação dos pressupostos que legitimaram as alterações introduzidas, e de não ter sido dado cumprimento a esse despacho, é que o Recorrente entendeu dever ser revogado o acto com base na sua falta de fundamentação.

  17. Uma análise situada no tempo em que foi tomada a decisão de revogação do acto tributário (2002) sempre permitiria concluir que o Recorrente não actuou em total e consciente desrespeito por normas legais e, ainda que a única razão para revogar o acto administrativo se fundasse na interpretação que fez do Decreto-Lei n.º 202/96, esse facto, por si só, não revelava a violação dos deveres de zelo e de velar pela justa aplicação das leis fiscais.

  18. Não era injustificável ao ponto de merecer uma sanção disciplinar que o Recorrente tenha entendido não ser legítimo exigir um novo atestado, quando o próprio contribuinte afirmou que a sua deficiência não estava relacionada com hipovisão, assim como não havia instruções superiores sobre a forma de actuação em casos como aquele que estava em causa.

  19. À data, estava a ser amplamente discutida, quer pelos Serviços da Administração Fiscal, quer pela doutrina, quer até pela jurisprudência, a legalidade da recusa de atestado médico anteriormente emitido bem como a exigência de um outro conforme ao Decreto-Lei n.º 202/96.

  20. É sabido que pelos tribunais foram proferidas decisões de diferente sentido, que motivaram, aliás, as decisões proferidas pelo Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo às quais a decisão recorrida faz referência e, mesmo nessas, não é unânime o entendimento.

  21. Como resulta dos próprios Acórdãos proferidos pelo Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, esta matéria era muito controversa, muito afastada de um consenso que a decisão recorrida faz supor.

  22. Ainda que a única razão para revogar o acto de liquidação adicional fosse a interpretação dada ao disposto no Decreto-Lei em causa – o que não foi o caso – e ainda que essa não tenha sido a melhor interpretação da norma – que não é a matéria que aqui se discute – esse comportamento nunca seria susceptível de se traduzir numa infracção disciplinar.

  23. O entendimento perfilhado pelo Recorrente quanto às normas do referido Decreto-Lei era consentâneo com o de parte da doutrina, avalizada por inúmeras decisões judiciais de vários tribunais de 1.ª instância, do Tribunal Central Administrativo e, até, do Supremo Tribunal Administrativo, de que são exemplo as decisões proferidas nos processos 24 723 e 24 827 no dia 08.11.2000, ou a decisão proferida no processo n.º 24305, em 15.12.1999, www.dgsi.pt.

  24. A maior parte dos Acórdãos proferidos pelos Juízes do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, aos quais é feita menção na decisão recorrida, vieram a ser publicados em apêndice ao Diário da República apenas em 2003, e que, em 2002 não estavam, como não estão hoje, disponíveis nas Bases de dados jurídicas, do portal da Ministério da Justiça na Internet.

  25. Ainda que assim não fosse, é sabido que os Acórdãos não tinham à data, como não...

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