Acórdão nº 00110/06.0BEBRG de Tribunal Central Administrativo Norte, 08 de Março de 2007
Magistrado Responsável | Dr |
Data da Resolução | 08 de Março de 2007 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Norte |
Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: 1.
RELATÓRIO J…, Presidente da Junta de Freguesia de Crespos, Município de Braga, veio interpor o presente recurso jurisdicional por se mostrar inconformado com a decisão do TAF de Braga, datada de 23/08/2006, que julgou procedente a acção de perda de mandato que havida sido deduzida contra o mesmo pelo “DIGNO MAGISTRADO DO MINISTÉRIO PÚBLICO” e que, em consequência, declarou a perda do seu mandato.
Formula, nas respectivas alegações (cfr. fls. 286 e segs.
- paginação processo SITAF tal como as referências posteriores a paginação salvo expressa indicação em contrário), as seguintes conclusões que se reproduzem: “(...) I. Como se deixou demonstrado nos itens 4 a 14, inclusive, das presentes alegações, a factualidade dada como provada na douta sentença recorrida, demonstra claramente a falta de fundamento da presente acção; II. Resulta da factualidade apurada que a declaração referida no item 3 da matéria de facto assente foi subscrita pelo Recorrente em 3 de Junho de 2002 e foi trazida à praça pública, quer através de artigos escritos na comunicação social, quer pela discussão em órgãos autárquicos, quer ainda através da exposição que determinados cidadãos enviaram à Procuradoria-Geral da República, no decurso do mandato autárquico decorrente das eleições do dia 16 de Dezembro de 2001; III. O comportamento do Recorrente passível de provocar a respectiva perda de mandato, de acordo com o disposto no art. 8.º, n.º 3 da Lei n.º 27/96, de 1 de Agosto, verificou-se (no sentido de que ocorreu e foi detectado) no decurso do quadriénio iniciado em 16 de Dezembro de 2001 e terminado em 8 de Outubro de 2005, bem antes das eleições que decorreram em 09.10.2005; IV. Não obstante o prazo de 5 anos previsto no art. 11.º, n.º 4 da Lei n.º 27/96, uma eventual acção com vista à perda de mandato do Recorrente poderia e deveria, na óptica do Recorrente, ter sido intentada no decurso do mandato em que o acto foi praticado e para produzir efeitos nesse próprio mandato, pelo que é manifesta a falta de fundamento legal da presente acção; V. Entendimento diverso redundará numa interpretação manifestamente contrária à lei ordinária e à Constituição da República Portuguesa do disposto no n.º 4 do referido art. 11.º da Lei n.º 27/96, segundo a qual é considerada tempestiva uma acção para perda de mandato interposta dentro do prazo de cinco anos a contar da prática do facto que a fundamenta, quando esse facto ocorreu e foi detectado no decurso do mandato anterior àquele cuja perda se reclama; VI. A norma interpretativa assim extraída do art. 11.º, n.º 4 da Lei n.º 27/96 viola de forma gritante os direitos, liberdades e garantias de participação política consagrados na Lei Fundamental, maxime o direito de acesso a cargos públicos a que alude o art. 50.º da CRP, bem como o princípio da proporcionalidade e da proibição do excesso, de que o n.º 3 do referido normativo é mera concretização; VII. A admitir-se o pedido de perda do actual mandato do Recorrente, estaria a ser flagrante e totalmente desrespeitada a “garantia de liberdade de escolha dos eleitores e a independência e isenção no exercício de cargos electivos”, excedendo-se as normais e legais limitações que devem ser impostas à generalidade dos cidadãos no acesso a cargos electivos e assim se frustrando a essência da democracia e do acto eleitoral que lhe está subjacente; VIII. Pelo exposto nas conclusões precedentes, expressamente se invoca semelhante inconstitucionalidade, de que devem extrair-se as legais consequências; IX. Decidindo de forma diferente, o Tribunal a quo fez errada interpretação e aplicação do direito à factualidade provada, violando os arts. 8.º, n.º 3 e 11.º, n.º 4 da Lei 27/96, de 1 de Agosto, quando interpretados no sentido de considerar tempestiva uma acção para perda de mandato interposta dentro do prazo de cinco anos a contar da prática do facto que a fundamenta, quando esse facto ocorreu e foi detectado no decurso do mandato anterior àquele cuja perda se reclama, por violação grave dos direitos, liberdades e garantias de participação política consagrados na Lei Fundamental, maxime o direito de acesso a cargos públicos a que alude o art. 50.º da CRP, bem como o princípio da proporcionalidade e da proibição do excesso, de que o n.º 3 do referido normativo é mera concretização; SEM PRESCINDIR X. Não desconhecendo o Recorrente as restrições impostas ao recurso sobre a matéria de facto, ainda que transcrita – sobretudo atento o princípio da livre apreciação da prova, consagrado no art. 655.º do CPCiv., e a imediação e oralidade características do julgamento na 1.ª instância –, afigura-se-lhe haver concretos pontos da matéria de facto que foram incorrectamente julgados pelo Tribunal a quo, a saber: a. O Tribunal a quo não deu como provado que o ora Recorrente desconhecesse que estava a cometer uma ilegalidade quando assinou a declaração referida no item 3 da matéria de facto assente; b. O Tribunal a quo considerou que consubstancia facto notório haver uma vantagem patrimonial para o ora Recorrente e para a sua esposa, decorrente da actuação do Recorrente ao assinar a declaração referida no item 3 da matéria de facto assente; XI. Com efeito, todas as testemunhas arroladas a semelhante matéria pelo ora Recorrente, pessoas sem qualquer relação de parentesco com as partes, cujo conhecimento pessoal da matéria em questão, imparcialidade e isenção não podem ser questionados e cujos depoimentos foram, usando a terminologia do Tribunal a quo, livres e serenos, foram peremptórias ao afirmar que o Réu ignorava a gravidade do acto que praticou, que não estava consciente de fazer qualquer ilegalidade, que fez a declaração por ignorância, que o conteúdo da declaração é verdadeiro e que em momento algum o aqui Recorrente pretendeu tirar uma vantagem patrimonial para si ou para a sua esposa; XII. Sendo neste sentido o depoimento de todas as testemunhas que referiram sem quaisquer dúvidas ou hesitações que o aqui Recorrente ao assinar a declaração referida no item 3 da matéria de facto assente “não sabia o que estava a fazer”, “ignorava a gravidade do seu acto e quando veio ao de cima o sucedido, foram informar-se se se podia ou não ter emitido tal declaração, não tendo as pessoas censurado a actuação”, que “se soubesse o que viria a acontecer, não a teria assinado, porque é uma pessoa séria que não faz lesões no sistema público (depoimento da testemunha E... A..., de fls. 154 a 156), e que “não estava consciente de fazer qualquer ilegalidade” (depoimento da testemunha J... B..., a fls. 157), “tendo feito a declaração por ignorância” (depoimento da testemunha D... DA S..., a fls. 160); XIII. Significa isto que, nem o Recorrente actuou com dolo directo, uma vez que jamais quis e, mais do que isso, nem sequer equacionou, (estar a) praticar um acto ilícito e ilegal ao subscrever a declaração em causa, agindo por ignorância, nem a sua conduta assumiu tal gravidade e censura geral que o tivesse tornado suspeito e indigno do cargo que então ocupava e para o qual mais tarde foi reeleito; XIV. Inexiste, portanto, um pressuposto essencial para o sucesso da acção julgada procedente pelo Tribunal a quo, uma vez que, a mais recente jurisprudência vem exigindo que a conduta do agente “além de ser antijurídica, terá de ser dolosa (dolo directo)” - v. Ac. do STA, de 22 de Abril de 2004, in http://www.dgsi.pt/jsta, e isto porque “só um grau de culpa relativamente elevado sustentará a suspeição ou a reprovabilidade social da conduta, de tal modo que tornem o visado indigno do cargo” - v. Ac. do STA, de 9 de Janeiro de 2002, in http://www.dgsi.pt/jsta (v. n.º 1 do art. 10.º da Lei 27/96); XV. Por tudo quanto se deixou dito e ao abrigo dos poderes que lhe são conferidos pelo art. 712.º do CPCiv., ex vi o art. 1.º do CPTA, esse Venerando Tribunal pode – e deve – alterar as respostas dadas pelo Tribunal a quo e considerar provado que o ora Recorrente não tinha conhecimento que estaria a cometer uma legalidade quando assinou a declaração referida no item 3 da matéria de facto assente, julgando a acção totalmente improcedente; XVI. A conjugação dos depoimentos prestados com os documentos juntos aos autos, em particular o pedido endereçado à CRRA de fls. 151 (onde consta, além do mais, que “pretende-se desafectar o terreno para efectuar uma construção de extrema necessidade em virtude de a família não possuir as condições mínimas de habitabilidade”) e a decisão de fls. 15 a 19, permite concluir que, à data de emissão da declaração de fls. 14 dos autos, o agregado familiar do casal formado pelo Réu e por sua esposa encontrava-se em situação de extrema necessidade e sem alternativa viável para a obtenção de habitação condigna, pelo que essa declaração não tem um conteúdo intrinsecamente falso, nem distorce a realidade de forma grosseira, apenas pecando por não esclarecer que a situação de carência abrange também, et pour cause, o agregado familiar da requerente (cfr. art. 9.º, n.º 2 – alínea c) do DL n.º 196/89, de 14 de Junho); XVII. Ora, in casu, conforme resulta dos depoimentos das testemunhas, nomeadamente da testemunha J.. B... quando refere a fls. 158 que “não houve qualquer prejuízo público, particular, ou beneficiação de particulares, e o que está dito na declaração corresponde à verdade” e da testemunha D... DA S..., a fls. 160 dos autos quando afirma que o Recorrente “não quis enriquecer nem sequer usou ninguém e quando fez a declaração estava a dizer a verdade”, que o Recorrente não pretendeu com a sua actuação tirar qualquer vantagem patrimonial ilegítima, uma vez que, conforme acima se referiu, estava absolutamente convencido que estava a praticar um acto legal e que estava a afirmar a verdade, e, por isso, o seu comportamento não é subsumível à previsão do n.º 2, do art. 8.º, da Lei 27/96, de 1 de Agosto; XVIII. Por último, a declaração subscrita pelo Recorrente (referida...
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