Acórdão nº 00008/04.7BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 08 de Março de 2007

Magistrado ResponsávelDr
Data da Resolução08 de Março de 2007
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: Relatório Unidade Local de Saúde de Matosinhos, SA [ULSM] vem interpor recurso jurisdicional do acórdão proferido pelo Tribunal Administrativo e Fiscal [TAF] do Porto – em 9 de Dezembro de 2004 – que – no âmbito de acção administrativa especial intentada por L…, Lda [L…] – anulou a deliberação de 17 de Janeiro de 2003 do seu Conselho de Administração – que decidiu a realização, nos serviços desse hospital, dos exames que vinham sendo requisitados ao exterior pelos Centros de Saúde – e a condenou a proceder ao restabelecimento da normal e regular execução das convenções celebradas com a L… ao abrigo do DL nº97/98 de 18 de Abril.

Conclui as suas alegações da forma seguinte: 1- A decisão inserta na sentença recorrida partiu de pressupostos e fundamentos errados, o que levou o tribunal a quo a efectuar uma desacertada interpretação da situação, de facto e de direito, que originou o acto impugnado e, consequentemente, a proferir uma decisão ao arrepio da lei aplicável; 2- O artigo 3º nº 1 dos Estatutos da ULS Matosinhos, SA, anexos ao DL nº283/02, de 10 de Dezembro, que a instituiu, dispõe que “O Hospital tem por objecto a prestação de serviços de saúde integrado no Serviço Nacional de Saúde, com respeito pelas normas que o regulam e em cumprimento da lei e dos presentes estatutos”; 3- Por seu turno, o artigo 11º nº1 alínea d) dos mesmos Estatutos, prescreve que é competência do Conselho de Administração da ULS Matosinhos “Gerir os negócios sociais e praticar todos os actos relativos ao objecto social que não caibam na competência de outro órgão do Hospital”, como é o caso vertente; 4- Neste contexto, a ULSM, por si, e através das entidades suas antecessoras, de forma a responder às necessidades decorrentes da prestação de cuidados de saúde aos seus utentes, recorre ao sector privado para a prestação de alguns cuidados, nomeadamente, ao nível de meios terapêuticos e de diagnóstico, em que se inserem o laboratório em causa, quando não possui capacidade – humana ou técnica – para os realizar; 5- E fê-lo ao abrigo de convenções celebradas entre a ARS Norte e entidades privadas, atento ao disposto na lei, nomeadamente, no DL nº97/98, de 18 de Abril; 6- Sucede que, o recurso aos serviços de privados, obviamente, só era - e continua a ser - admissível, quando a própria entidade pública não tiver meios próprios para prestar os serviços solicitados. Aliás, é a própria lei a salientar esse ponto, quando, no artigo 6º nº2 do DL nº97/98, de 18 de Abril, afirma que “O RECURSO AOS SERVIÇOS PRESTADOS ATRAVÉS DE CONVENÇÕES NÃO PODE PÔR EM CAUSA O RACIONAL APROVEITAMENTO DA CAPACIDADE INSTALADA NO SECTOR PÚBLICO”; 7- O Serviço Nacional de Saúde (SNS), sendo tendencialmente gratuito, pretende ser universal: universal, no que aos possíveis destinatários diz respeito, mas também universal nos diferentes cuidados de saúde a prestar. Isto é, o SNS pretende prestar todo e qualquer cuidado de saúde a todo e qualquer cidadão; 8- Ora, não obstante este desiderato, sabemos – é do conhecimento público – que sempre existem e existirão situações, pontuais ou não, em que o SNS não terá meios ou capacidade suficiente de responder às solicitações dos seus utentes. Poderá ser falta de meios humanos, mas, outras vezes, será falta de meios técnicos e tecnológicos; 9- Reconhecendo esta eventualidade, mas também a necessidade imperiosa de não deixar de prestar cuidados de saúde aos utentes, o legislador entendeu que, no caso daqueles serviços em falta poderem ser supridos por privados, o Estado poderia – e devia – recorrer a estes; 10- Para o efeito, através do referido DL nº97/98, o legislador criou mecanismos de contratação de serviços, possibilitando a celebração de convenções com entidades privadas, na área de prestação de cuidados de saúde. Desta forma, acautelaram-se aquelas hipóteses em que o SNS não possua meios de resposta suficientes para prover à assistência, que se quer total e universal; 11- Porém, tais convenções não são – nem nunca foram – celebradas tendo em conta a capacidade de uma qualquer unidade prestadora de cuidados de saúde específica, integrante do SNS, muito menos, tendo em atenção a capacidade – ou falta dela – da ULSM: as convenções em causa não foram celebradas porque, especificamente, a recorrente ULSM não tinha meios suficientes para efectuar os exames que a recorrida L… presta; 12- As convenções foram celebradas, sim, porque se admitiu que, num determinado momento, uma entidade do SNS poderia não ter capacidade de efectuar aqueles mesmos exames. Tais convenções foram celebradas entre o Estado e particulares, para precaver aquelas hipóteses em que o Estado, através do seu SNS, não possa dar resposta imediata à solicitação que lhe é efectuada pelo cidadão utente, numa determinada altura. Ora, como o Estado não pode – nem deve – recusar a prestação de cuidados médicos, facultou-se às entidades do SNS, através dos ditos acordos, o recurso aos préstimos de privados, quando tal se afigurasse necessário; 13- Assim, as convenções permitem ao SNS – a cada uma das unidades que o compõem – recorrer aos serviços de privados, mas só numa condição: se não possuírem capacidade instalada para o efeito, se não puderem, naquele momento e para aquela situação concreta, dar a resposta interna, através dos seus meios humanos, técnicos e científicos; 14- Não tendo interpretado correctamente o espírito e letra da lei, bem como os fundamentos, natureza, âmbito e regime, das convenções em questão, o tribunal recorrido não pôde julgar convenientemente a questão sub iudice; 15- Desde logo, o tribunal recorrido não vislumbrou uma questão fundamental: a ULSM nunca celebrou qualquer contrato com a recorrida.

Mais: a ULSM não resolveu, revogou ou deixou de cumprir qualquer contrato ou convenção; 16- Não tendo diligenciado por uma correcta análise da situação trazida a pleito, a interpretação efectuada pelo tribunal recorrido incorreu, pois, em erros fundamentais: PRIMEIRO ERRO: CELEBRAÇÃO DA CONVENÇÃO – a ULSM não celebrou qualquer convenção com a recorrida L…. Foi o Estado – no caso a ARS Norte – quem celebrou a convenção em causa nos autos. E celebrou-a, repete-se, não por a ULSM não ter capacidade instalada para efectuar os exames em questão, mas porque as entidades do SNS que são abrangidas pela referida ARS poderiam, num dado momento e perante uma determinada situação, não ter meios técnicos e ou tecnológicos suficientes, para efectuar aqueles mesmos exames. Para acautelar estas eventualidades é que foram celebradas, entre a ARS e a recorrida, as convenções em questão; 17- Por outro lado, e segundo o tribunal de 1ª Instância, a ULSM, ainda que tivesse adquirido capacidade instalada para efectuar os exames que eram solicitados à recorrida L…, só a poderia utilizar, após terminado o período de vigência das convenções; 18- Porém, e como as convenções não são celebradas por cada hospital ou centro de saúde... nem são celebradas tendo em consideração as características específicas destes, nomeadamente, da ULSM... mas sim, tendo em conta a generalidade das entidades que compõem o SNS, basta que se configure a hipótese de uma dessas entidades não poder prestar os serviços convencionados, num dado momento, para que as convenções se mantenham e se renovem; 19- E a ser assim – como efectivamente é - de acordo com a interpretação efectuada pelo tribunal a quo jamais a ULSM poderia utilizar a sua capacidade instalada! Estaria, eternamente, votada a requisitar serviços a privados, com o inerente custo acrescido dos mesmos, e a manter estagnada a sua capacidade instalada; 20- Evidentemente, a lei não configurou a presente situação da forma como o tribunal recorrido a interpretou; 21- A dita convenção funciona, pois, da seguinte forma: se, numa dada situação, uma qualquer entidade do SNS – por exemplo, a recorrente ULSM – não possuir capacidade instalada suficiente para efectuar um exame específico, poderá recorrer aos préstimos dos privados convencionados [por exemplo, aos serviços da recorrida L...] ao abrigo da convenção que estes mesmos privados celebraram com a ARS/ Estado; 22- A única obrigação – obrigação legal, sublinhe-se - que impende sobre a ULSM é a de só poder recorrer aos serviços dos privados convencionados, quando não possua meios suficientes para efectuar o serviço que requisita; 23- SEGUNDO ERRO: ALTERAÇÃO DA CONVENÇÃO - a ULSM não modificou unilateralmente o objecto da convenção, apenas cumpriu a lei; 24- Na verdade, o contrato ou convenção permanece em vigor e a produzir todos os seus efeitos; 25- A ULSM cumprindo o desiderato e imposição legais, expressos no já citado artigo 6º nº2 do DL nº97/98, de 18 de Abril, entendeu, num dado momento, possuir condições técnicas e tecnológicas para passar a efectuar, nas suas instalações, os exames que eram requisitados ao exterior, ao abrigo daquelas convenções; 26- No entanto, se por qualquer motivo [mau funcionamento dos serviços, falta de pessoal, afluência elevada de utentes, situação de calamidade ou catástrofe, etc.] a ULSM não puder efectuar um qualquer exame, poderá, nessa hipótese e fazendo uso da convenção celebrada entre a ARS e a recorrida, requisitá-lo a esta última, ou a outra entidade convencionada com a ARS; 27- TERCEIRO ERRO: INTERPRETAÇÃO DO DL Nº97/98 - O nº2 do artigo 6º do DL nº97/98, não prevê uma obrigação pré-contratual, mas sim uma obrigação que as entidades do SNS devem observar, durante a vigência das convenções celebradas entre o Estado e entidades privadas; 28- O real significado, hipótese e previsão daquela norma, não produz efeitos apenas em sede pré-contratual ou como condição de celebração das convenções; 29- Aliás, se assim fosse, estaríamos votados a uma situação absurda – e não cremos que o Estado e o Legislador sejam entidades que proporcionem e patrocinem o absurdo. Senão, repare-se: na interpretação aventada pelo tribunal...

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