Acórdão nº 0742534 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 11 de Julho de 2007

Magistrado ResponsávelCUSTÓDIO SILVA
Data da Resolução11 de Julho de 2007
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acórdão elaborado no processo n.º 2534/07 (4ª Secção do Tribunal da Relação de Porto)**1. Relatório Consta do despacho de 6 de Fevereiro de 2007 o seguinte: "Da nulidade do inquérito O arguido B………. veio, a fls. 2760, requerer a declaração de nulidade insanável por falta de inquérito e de instrução, sustentando, em síntese, que o arguido nunca foi ouvido na fase de inquérito ou de instrução, tendo sido notificado, pela primeira vez, aquando da designação de data para o debate instrutório.

O Ministério Público pronunciou-se, em sede de debate instrutório, pugnando pela inexistência de nulidade insanável e sustentando que o arguido, não fora ouvido em sede de inquérito, por tal não ter sido viável, dado que se encontrava contumaz.

Decidindo: Dispõe o art. 272º, n.º 1, do CPP, que, «correndo inquérito contra pessoa determinada, é obrigatório interrogá-la como arguido. Cessa essa obrigatoriedade quando não for possível a notificação.

A obrigatoriedade de interrogatório do arguido está conexionada com os fins do processo penal e da fase que antecede o julgamento e, bem assim, com as garantias de defesa constitucionalmente consagradas no art. 32º, n.º 1, da CRP.

Na verdade, atentos os custos, nomeadamente pessoais, para os arguidos no âmbito de um processo penal, importa acautelar que só seja submetido a julgamento aquele que, com forte probabilidade, possa vir a ser condenado, surgindo o interrogatório do arguido e a viabilização da sua defesa como um elemento fundamental para uma decisão de submissão de alguém a julgamento esclarecida e fundamentada.

Além disso, importa assegurar a oportunidade de o arguido intervir numa fase em que se define o objecto do processo, que culmina, em princípio, com a acusação, onde se delimitam substancialmente os factos pelos quais o arguido pode vir a ser condenado em julgamento.

Exposta a ratio do preceito legal em causa, que consagra a obrigatoriedade, quando possível, de interrogatório do arguido em sede de inquérito, cumpre, desde já, afirmar que a violação deste normativo constitui uma insuficiência do inquérito e, como tal, a nulidade, sanável, prevista no art. 120º, n.º 2, al. d), do CPP, conforme jurisprudência fixada no Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 1/2006, in DR, I Série-A, n.º 1, de 02.01.2006.

Revertendo ao caso dos autos, verifica-se, de facto, que o arguido B………. não foi interrogado na fase de inquérito, não tendo sido notificado para o efeito.

Resta, pois, apreciar se a notificação do arguido para interrogatório era, ou não, possível, tendo presente o disposto no referido art. 272º, n.º 1, do CPP.

Para este efeito, importa ter presente que a impossibilidade em causa não pode ser apreciada em termos absolutos, o que sucederia, apenas, em relação a pessoas falecidas (desprovendo de sentido o teor do preceito legal em causa, já que o procedimento criminal, neste caso, extinguir-se-ia pela morte do agente).

De facto, a impossibilidade de notificação a que se refere o preceito legal em apreço tem de ser apreciada, no seu inverso, em termos de possibilidade razoável, tendo-se em conta os elementos disponíveis ou exigíveis de apurar o paradeiro do suspeito. E, em termos de razoabilidade, não é exigível tentar descobrir o paradeiro de suspeitos sobre os quais existem informações de que estão desaparecidos ou ausentes em parte incerta, ou, porventura, declarados contumazes, pois não se mostra previsível que as tentativas de notificação venham a ter qualquer sucesso.

Além disso, para efeitos de apreciar da possibilidade da notificação do suspeito para interrogatório, o momento relevante não é aquele que antecede, imediatamente, o encerramento do inquérito, com a eventual dedução da acusação. Concretamente, não é exigível que, depois de, no decurso do inquérito, ter sido frustrada ou se mostre previsivelmente inviável a notificação do suspeito para interrogatório, seja repetidamente insistida essa notificação.

No fundo, o que é relevante, para o efeito do art. 272º, n.º 1, do CPP, é que, a partir do momento em que o inquérito passa a correr contra determinado suspeito, seja averiguada a possibilidade razoável da sua notificação para interrogatório e que, sendo o resultado da averiguação positivo, se proceda a essa tentativa.

Na senda do já exposto, cumpre precisar que inexiste possibilidade de notificação, em termos de previsibilidade razoável e exigível, quando, por exemplo, o suspeito se encontra declarado contumaz, tanto mais que este estado implica que contra o suspeito tenham sido emitidos mandados de detenção (cfr. art. 337º, n.º 1, do CPP), ainda que à ordem de outro processo. Note-se que a declaração de contumácia e a sua cessação estão sujeitas a publicação no Diário da República, sendo, pois, de conhecimento público. Nesta perspectiva, se, no momento em que se perspectiva realizar o interrogatório do suspeito, este está declarado contumaz e com mandados de detenção e com mandados de detenção em vigor, não se justifica encetar diligências no sentido de apurar o paradeiro do suspeito e tentar notificá-lo, pois tal redundaria, previsivelmente, em actos inúteis (proibidos, por força do art. 137º do CPC).

Ora, quanto ao caso dos autos, verifica-se que o processo teve início em Fevereiro de 2004 e que, ao longo do processo, a intervenção do arguido B………. foi sendo referenciada diversas vezes, designadamente pelo arguido C………., incluindo nas suas declarações de 12.02.2004 (fls. 269), culminando parte da investigação com o relatório policial de Maio de 2005, Aliás, dos interrogatórios do arguido C………. de fls. 269 e 1025, ocorridos em Fevereiro de 2004 e Junho de 2005, resulta, não só uma indefinição quanto ao paradeiro do arguido B………., como também a evidência de que este era um dos suspeitos contra quem o inquérito corria.

Acontece que o arguido B………. esteve declarado contumaz, pelo menos, em dois processos crime do Tribunal Judicial da Comarca de Braga (proc. n.º …-A/01, do .º Juízo Criminal, e proc. n.º …/02.1 PBBRG, do .º Juízo Criminal), sendo que, naquele primeiro processo, iniciou a contumácia em 11.02.2002 e apenas cessou em 09.11.2004, e, neste último processo, cessou a contumácia em 20.09.2005, conforme consta dos avisos de contumácia n.º 7167/2002 (DR, n.º 102, II, apêndice n.º 54, de 03.05.2002), n.º 70/2005 (DR, n.º 1, II, apêndice n.º 1, de 03.01.2005) e n.º 10191/2005 (DR n.º 211, II, apêndice n.º 143, de 03.11.2005).

Destarte, constata-se que o arguido B………. esteve declarado contumaz durante quase a totalidade do tempo que durou o inquérito dos presentes autos, sendo que, quando este se iniciou e, inclusive, quando foi identificado nos autos como suspeito, estava declarado contumaz em dois processos; e, até 3 meses antes do encerramento do inquérito, que ocorreu em Dezembro de 2005, esteve declarado contumaz num processo, além de que a publicação desta cessação da contumácia apenas ocorreu em Novembro de 2005.

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