Acórdão nº 0644055 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 06 de Junho de 2007

Data06 Junho 2007
ÓrgãoCourt of Appeal of Porto (Portugal)

ACORDAM NA SECÇÃO CRIMINAL (2.ª) DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO I 1. No processo comum n.º …/95.0TAVNG, da ..ª vara de competência mista do Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia, foram submetidos a julgamento B………., Lda, e C………., pelos factos constantes das acusações deduzidas pelo Ministério Público, que lhes imputou, a prática de: (no processo principal) - um crime de abuso de confiança fiscal, infracção p. e p. pelo art. 24.º, n.ºs 1 e 5, do DL n.º 20-A/90, de 15/01, na redacção introduzida pelo DL n.º 394/93, de 24/11, e, actualmente, p. e p. pelo art. 105.º, n.ºs 1 e 5, da Lei n.º 15/2001, de 05/06; e - um crime de abuso de confiança em relação à Segurança Social, infracção p. e p. pelos arts. 27.º-B e 24.º, n.ºs 1 e 5, do DL n.º 20-A/90, de 15/01, na redacção introduzida pelo DL n.º 140/95, de 14/06, e, actualmente, p. e p. pelos arts. 107.º, nº1, e 105.º, n.ºs 1 e 5, da Lei n.º 15/2001, de 05/06; (no processo apenso - processo comum singular n.º …/03.3TAVNG) - um crime de abuso de confiança em relação à Segurança Social, infracção p. e p. pelos arts. 27.º-B e 24.º, n.ºs 1 e 5, do DL n.º 20-A/90, de 15/01, na redacção introduzida pelo DL n.º 140/95, de 14/06, e, actualmente, p. e p. pelos arts. 107.º, nº1, e 105.º, n.ºs 1 e 5, da Lei n.º 15/2001, de 05/06.

O Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social constituiu-se assistente e deduziu pedidos de indemnização cível em ambos os processos.

  1. Realizado o julgamento, perante tribunal colectivo, por acórdão de 17 de Fevereiro de 2006, foi decidido, no que, agora, releva: - condenar a sociedade arguida "B………, Lda", pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelo art. 105.º, n.ºs 1 e 5, da Lei n.º 15/2001, de 05/06, na pena de 600 dias de multa, à taxa diária de € 5,00; - condenar a sociedade arguida "B………., Lda", pela prática de um crime de abuso de confiança em relação à segurança social, p. e p. pelo art. 107.º, da Lei n.º 15/2001, de 05/06, na pena de 400 dias de multa, à taxa diária de € 5,00; - condenar a sociedade arguida "B………., Lda", em cúmulo jurídico, na pena única de oitocentos (800) dias de multa, à taxa diária de cinco (5) Euros; - condenar o arguido C………., pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelo art. 24.º, n.ºs 1 e 5, do DL n.º 20-A/90, de 15/01, na redacção introduzida pelo DL n.º 394/93, de 24/11, em vigor à data dos factos, e, actualmente, pelo art. 105.º, n.ºs 1 e 5, da Lei n.º 15/2001, de 05/06, na pena de 2 (dois) anos e 10 (dez) meses de prisão; - condenar o arguido C………., pela prática de um crime de abuso de confiança em relação à segurança social, p. e p. pelo art. 27.º-B, do DL n.º 20-A/90, de 15/01, na redacção introduzida pelo DL n.º 394/93, de 24/11, em vigor à data dos factos, e, actualmente, pelo art. 107.º, da Lei n.º 15/2001, de 05/06, na pena de 2 (dois) anos de prisão; - condenar o arguido C………., em cúmulo jurídico, na pena única de 3(três) anos e 6(seis) meses de prisão; - condenar os demandados B………., Lda e C………. a pagar, solidariamente, ao demandante Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social o montante de € 318.655,96 (trezentos e dezoito mil e seiscentos e cinquenta e cinco euros e noventa e seis cêntimos), acrescido de juros de mora, à taxa legal (actualmente de 4%), calculados sobre cada uma das cotizações não pagas e contados desde o nonagésimo dia posterior ao termo do prazo legal do seu pagamento, absolvendo-os do demais peticionado.

  2. Inconformado, o arguido C………. veio interpor recurso do acórdão, rematando a motivação apresentada com a formulação das seguintes conclusões (que se transcrevem ipsis verbis): «1ª) Nos termos do disposto no artigo 379º, nº1, alínea a) do C.P.P. é nula a sentença que não contiver as menções referidas no artigo 374º, nº2 do mesmo Código. Dispõe o artigo 374º, nº 2 do C.P.P. que na sentença tem de constar uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito, que fundamentam a decisão, "com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do Tribunal".

    «2ª) Ora, a simples leitura da "Motivação de decisão de facto" patente na sentença recorrida é suficiente para se verificar que não se faz qualquer exame crítico das provas que serviram de base para formar a convicção do Tribunal. A sentença recorrida, a págs. 20 e 21, limita-se a referir que formou a sua convicção com base no depoimento do arguido, das testemunhas que depuseram em audiência, identificando-as e nos documentos juntos aos autos. Contudo, ficamos sem saber o que disse cada testemunha e, em que medida cada uma delas influenciou a decisão do Tribunal, conduzindo-o a considerar todos os factos descritos do relatório como provados.

    Razão pela qual a douta sentença é nula por violação dos artigos 379º, nº1, alínea a) e 374º, nº2 ambos do C.P.P., nulidade que expressamente se invoca para todos os efeitos legais.

    «3ª) Muitos dos factos considerados provados entram em clara contradição com o teor do depoimento do arguido em audiência de discussão e julgamento, bem assim como com o depoimento da testemunha de defesa D………. . - Cfr. Depoimento do arguido constante de duas cassetes desde o nº 00/01 ao nº 1541 do lado A; depoimento da testemunha indicada constante de duas cassetes desde o nº 00/00 ao nº 08/86 do lado A.

    «4ª) O Tribunal considerou como provados os factos enunciados a pág. 18 e 19 da sentença - factos provados alegados na contestação (processo apenso) - mas ignorou-os por completo para a tomada de decisão final.

    «5ª) Verifica-se, também, o vício de insuficiência da matéria de facto provada previsto no artigo 410º, nº 2, alínea a), do CPP do qual decorre a consequente nulidade da sentença, porquanto, a condenação do ora recorrente assenta não em factos mas em presunções e conclusões. Ou seja, o Tribunal entende que " se o agente não entrega ao Fisco as quantias que deduziu é porque se apropriou delas…". Ora, todos sabemos bem e o Tribunal não pode ignorar que "descontar" ou "deduzir" na prática não passa de uma operação meramente formal, escritural ou contabilística: o preenchimento e uma declaração.

    «6ª) Quando uma empresa está em dificuldades financeiras graves, como se provou estar a sociedade arguida, e no fim do mês não há disponibilidade de dinheiro senão para efectuar os pagamentos dos valores dos salários líquidos, das rendas líquidas, etc., isso apenas revela que cada um recebeu o valor líquido que lhe era devido, mas não prova que a empresa por ter deduzido os encargos se tenha apropriado dos referidos montantes.

    «7ª) Situação que, no caso da sociedade arguida era ainda mais notório, porquanto em muitas meses nem sequer houve dinheiro suficiente para pagar os salários na íntegra. Mas sempre foram apresentadas as competentes declarações, em nome da verdade e da defesa dos interesses dos respectivos trabalhadores e demais substituídos fiscais.

    «8ª) Há, pois, contradição insanável entre os factos considerados provados e não provados, quando se afere a partir da " não entrega" a apropriação ilícita. Ao proceder como procedeu, seja no que toca às deduções devidas no pagamento dos salários, vencimentos e remunerações a prestadores de serviços, rendas, comissões de intermediação ou ainda no que toca às deduções em sede IRC, todas referidas nos autos, a sociedade arguido apenas pagou o que lhe foi possível pagar, sem nunca faltar à verdade e ao cumprimento das suas obrigações declarativas fiscais. Mas daí não pode decorrer sem mais que se tenha verificado qualquer apropriação ilícita, a qual é requisito fundamental para poder verificar-se o tipo legal de crime de abuso de confiança fiscal p. e p. no artigo 24º do RJFNA.

    «9ª) Provado que a empresa desde 1997 se encontrava em processo de recuperação, com aprovação de uma medida de gestão controlada, com um Gestor Judicial nomeado, com dificuldades financeiras que eram do conhecimento dos seus credores, incluindo o Estado, e que a certa altura já não podia solver quaisquer compromissos tendo sido decretada a falência em 2000, não pode o Tribunal considerar que "se não houve entrega é porque houve apropriação ilícita".

    Ninguém pode apropriar-se do que não existe.

    «10ª) Só se pode apropriar e entregar ao Estado aquilo que foi efectivamente, e não apenas formalmente ou escrituralmente recepcionado. Ora, no caso em apreço, todos os valores em causa foram apenas registados através de uma operação formal de desconto ou dedução.

    «11ª) A matéria de facto provada nos autos, tanto quanto se pode extrair dos depoimentos das testemunhas, bem assim como dos documentos indicados na sentença, é manifestamente insuficiente para servir de suporte à decisão proferida, porquanto, da factualidade vertida na decisão se recolhe que faltam elementos que, podendo ou devendo ser indagados, eram necessários para se formular um juízo seguro de condenação.

    «12ª) Quando se afirma na sentença recorrida que, "em Janeiro de 1999 ou em data próxima, o arguido decidiu não entregar à Segurança Social os montantes deduzidos e que, por isso, agiu com dolo, retirando daí vantagem para a sociedade arguida e para si próprio", o julgador entra em manifesta contradição entre a fundamentação e a decisão e comete um erro notório de apreciação da prova.

    «13ª) Verificam-se, pois, os vícios de insuficiência da matéria de facto provada, de contradição insanável da fundamentação e da decisão e de erro notório na apreciação da prova, todos previstos no artigo 410º, nº 2, alíneas a), b) e c) do CPP, dos quais decorre a consequente nulidade da sentença - neste sentido cfr. Ac. Tribunal da Relação do Porto de 10-03-2004.

    «14ª) Quando se afirma na sentença recorrida que, "em Janeiro de 1999 ou em data próxima, o arguido decidiu não entregar à Segurança Social os montantes deduzidos e que, por isso, agiu com dolo, retirando daí vantagem para a sociedade arguida e para si próprio", o julgador entra em manifesta contradição entre a fundamentação e a decisão e comete um erro notório de...

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