Acórdão nº 0731945 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 03 de Maio de 2007

Magistrado ResponsávelFERNANDO BAPTISTA
Data da Resolução03 de Maio de 2007
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acordam na Secção Cível do tribunal da Relação do Porto "B………., L.da", sociedade com sede na Rua ………., nº .., freguesia de ………., Maia, intentou acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum ordinário, contra "C………., L.da", sociedade com sede no ………., ………., Santo Tirso.

Pede: Que a Ré seja condenada a pagar-lhe a quantia de € 64.976,00, a título de reparação dos danos sofridos pelo ilícito pré-contratual, acrescida de juros de mora contados desde a data da citação e até efectivo e integral pagamento.

Alega: Que é uma sociedade comercial que se dedica à compra e venda de terrenos.

Que a autora é dona de um terreno situado na Rua ………., no ………., designado pelo Lote nº 2 do Alvará de Loteamento nº …/97, de 2 de Abril e Aditamento nº ../99, terreno este que foi por si adquirido para construção de uma moradia bifamiliar.

Diz que, quer na Conservatória do Registo Predial, quer no Quadro Síntese do Loteamento, que lhe foi fornecido pela Ré, o mencionado Lote nº 2 está identificado com uma área de 361,00 m2 e 105,00 m2 de construção de piso, ou seja, cave, rés-do-chão e 315,00 m2 de área bruta de construção total e uma configuração geométrica indicada na planta síntese de loteamento.

Alega que após a aquisição do mencionado terreno constatou que a configuração geométrica é completamente diversa da planta síntese oficial, a qual lhe não permite implantar a construção prevista da referida planta síntese que lhe foi fornecida pelo loteador, aqui Ré.

Assim, sustenta que o negócio por si celebrado é inidóneo à prossecução do seu interesse, configurando uma situação de erro-vício, tendo sido decisiva para a sua vontade de comprar a representação de que a parcela de terreno tinha a configuração geométrica constante do mapa de síntese oficial.

Responsabiliza a ré por culpa "in contrahendo", nos termos do art. 227º do C.Civil, sustentando que a mesma deve suportar o pagamento à autora de um montante correspondente à vantagem que deixou de obter com a venda da moradia bifamiliar em relação ao preço de uma moradia unifamiliar, bem assim as despesas que teve de suportar com a tramitação do processo junto da Câmara Municipal de Valongo, nomeadamente com registos, escrituras, projectos, pagamento de honorários a Mandatário.

Juntou documentos e procuração forense.

A Ré veio apresentar contestação, em que aceita a matéria atinente à celebração do negócio de compra e venda e impugna a generalidade da demais matéria de facto constante da petição inicial, concluindo pela improcedência da acção.

Juntou documentos e procuração forense.

A Autora veio replicar, mantendo a tese por si defendida na petição inicial.

Mais pede a condenação da Ré como litigante de má fé.

Realizou-se audiência preliminar, onde se tentou a conciliação das partes, sem sucesso.

Foi proferido despacho saneador e fixou-se a Matéria de Facto Assente e a Base Instrutória, as quais não foram objecto de qualquer reclamação.

Procedeu-se a julgamento de acordo com o legal formalismo.

Respondeu-se à matéria de facto da Base Instrutória pela forma e com a fundamentação constantes de fls. 293 e ss. dos autos.

Foi, por fim, proferida sentença nos seguintes termos: "…julga-se a presente acção parcialmente procedente, por parcialmente provada e, em consequência, condena-se a Ré "C………., L.da" a pagar à Autora "B………., L.da" uma indemnização equivalente à quantia monetária que esta, em consequência da apurada divergência de configuração geométrica, teve de suportar com a tramitação do processo na Câmara Municipal de Valongo, a liquidar em execução de sentença, e acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4 % ao ano, contados desde a data de citação da Ré e até efectivo e integral pagamento.

Absolve-se a Ré do demais contra si peticionado.

****Condena-se a Ré "C………., L.da", como litigante de má fé, no pagamento de uma multa equivalente a 20 U.C.s".

Inconformadas com o sentenciado, recorreram Autora e ré (fls. 321 e 324), tendo apresentado alegações que rematam com as seguintes CONCLUSÕES: A)- DA AUTORA B………., LDA: "1- O Mmo. Juiz do Tribunal "a quo", considerou que no caso em apreço não poderia ser aplicado o regime consagrado no art. 227° do Código Civil visto que o contrato celebrado entre as partes estava devidamente formalizado, de forma eficaz e definitiva.

2 - Atentos aos factos dados como provados existiu, por parte da recorrida, durante a formação do contrato, a prestação de informações falsas relativas ao objecto do mesmo.

3- A confiança da recorrente incidiu na informação prestada, que não correspondia à verdade.

4- A recorrida na formação do contrato violou entre outros os deveres de informação, lealdade e diligência.

5- Encontram-se preenchidos os requisitos para a aplicação da responsabilidade civil pré-contratual.

6- Preenchidos os requisitos da responsabilidade pré-contratual, não pode o Tribunal "a quo", com base no facto de o contrato se encontrar formalizado de forma eficaz e definitiva, não aplicar o instituto previsto no artigo 227° do C.C..

7- O instituto da responsabilidade pré-contratual é aplicável às situações verificadas nos preliminares e na formação do contrato independentemente, quer da sua efectiva conclusão, quer da sua validade e eficácia.

8- A celebração do contrato ou a sua anulação (ou resolução) ou também a sua ineficácia, não afastam a estatuição/previsão do art. 227° a qual é aplicável tanto no caso de se interromperem as negociações como no do contrato chegar mesmo a consumar-se.

9- Na caso em questão, impunha-se segundo a boa fé, o dever da recorrida informar de forma correcta todos os aspectos respeitantes ao objecto do contrato de compra e venda.

10- A recorrida, era a única entidade bem colocada, enquanto vendedora e responsável pelo projecto de loteamento para conhecer e dar a conhecer a real situação do terreno no aspecto considerado.

11- A essência do negócio que a todos envolveu, a substância do recíproco acordo obtido e concretizado a respeito do terreno, passou de forma determinante pela prestação de informações incorrectas quanto a medição deste.

12- A prestação de informações falsas incidiu sobre um ponto de crucial importância para a formação da vontade das partes, em particular da vontade da recorrente 13- A circunstância de ter sido concluído um contrato válido, não implica que o instituto da culpa in contrahendo não possa ou não deva ser aplicado a situações ocorridas, como diz a lei no art. 227° do C.C., nos preliminares e na formação do contrato.

14- No quadro da responsabilidade pré - contratual deverão ser compensadas as vantagens que a parte inocente teria auferido se não tivesse sido frustrada a expectativa que legitimamente detinha.

15- O Mmo. Juiz do Tribunal " a quo" errou ao não aplicar o artigo 227° do C.C. ao caso em questão.

16- Mesmo que assim não fosse, o que só se entende por mera hipótese académica, a recorrente poderia ser indemnizada o abrigo do disposto no art. 911° do C.C.

16- Atendendo ao princípio da lei que permite o mais permite o menos, a recorrente tem direito a peticionar uma indemnização, mesmo sem ter requerido a redução do preço.

17- A redução do preço não prejudica a indemnizabilidade dos danos.

18- O art. 908° do C.C., ao contrário do entendimento do Tribunal "a quo" poderia ser aplicado ao caso em questão, visto que, a actuação da recorrida integra a figura do dolo.

19- Mais, mesmo que se considerasse que a conduta da recorrida se integrava no simples erro, a recorrente teria direito a ser indemnizada por todos os danos emergentes do contrato.

20- Os prejuízos que a recorrida peticionou e que foram dados como provados, são danos emergentes do contrato 21- Os prejuízos mencionados são consequência da celebração do contrato, pelo que todos devem ser considerados e indemnizáveis.

22- Os elementos fornecidos pelo processo ditam a revogação da sentença recorrida e a sua substituição por outra que julgue provada e procedente a acção e em consequência ser a recorrida condenada a pagar a Ré a quantia de €64.976,00, a título de reparação dos danos sofridos.

23- Ao decidir conforme decidiu, violou o Mmo. Juiz do Tribunal "a quo" entre outros os arts. 227°, 911°, 908° e 909° do C.C.

Termos em que, nos melhores de Direito e sempre com mui douto suprimento de V.Exas., deve a decisão de primeira instância ser revogada e em consequência ser proferida outra que julgue a acção procedente por provada e consequentemente condene a recorrida a pagar à recorrente a quantia de €64.976,00, a título de reparação dos danos sofridos." B)- DA RÉ C……….., LDA: "1 - A LIQUIDAÇÃO A FAZER EM EXECUÇÃO DE SENTENÇA APENAS E SÓ DEVE OCORRER SE NÃO HOUVER ELEMENTOS PARA FIXAR O OBJECTO OU A QUANTIDADE.

2 - NO CASO EM APREÇO, A INDEMNIZAÇÃO PEDIDA PELO DANO OCORRIDO COM AS DESPESAS EM DOCUMENTOS E ADVOGADO, SÃO DE MERO APURO ARITMÉTICO POR SOMA DOS RECIBOS PAGOS. LOGO, 3 - PODIA E DEVIA TER SIDO LIQUIDADO NOS AUTOS, SÓ O NÃO SENDO POR QUE A AUTORA NÃO LOGROU PROVAR AS DESPESAS QUE DIZ TER FEITO. LOGO, 4 - NÃO LHE É LEGÍTIMO REPETIR A POSSIBILIDADE DE HAVER EM EXECUÇÃO O QUE NÃO CONSEGUIU PROVAR NA ACÇÃO.

5 - A CONDENAÇÃO POR LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ PRESSUPÕE QUE SE USOU A LIDE COM DOLO OU NEGLIGÊNCIA GRAVE.

6 - A APELANTE NÃO ACTUOU COM DOLO NEM TAMPOUCO COM NEGLIGÊNCIA GRAVE; É QUE, 7 - AS MEDIDAS DO LOTE EM CAUSA, NA ALTERAÇÃO VERIFICADA, NÃO FOI OBRA DO LOTEADOR MAS SIM DA CÂMARA QUE POR SUA INICIATIVA ALARGOU A RUA ……….. LOGO, 8 - NÃO SE VISLUMBRA A NEGLIGÊNCIA GRAVE E MUITO O DOLO DA RÉ, JÁ QUE FOI TERCEIRO QUEM ACTUOU DE MOLDE A QUE A DISCREPÂNCIA EXISTISSE.

9 - A SENTENÇA RECORRIDA, ASSIM TERÁ APLICADO MAL QUER O ART°. 661°. N°. 2 QUER O ART°. 456°. AINDA DO C.P.CIVIL.

TERMOS EM QUE DANDO-SE PROVIMENTO AO RECURSO E REVOGANDO-SE A SENTENÇA PROFERIDA ABSOLVENDO-SE A RÉ ORA APELANTE DE TODO O PEDIDO" Apenas a ré C………., Lda., contra-alegou, sustentando a improcedência da apelação da autora B………., Lda.

Foram colhidos os vistos II. FUNDAMENTAÇÃO.

II.1. AS QUESTÕES: Tendo presente que: --O objecto dos...

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