Acórdão nº 0731240 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 15 de Março de 2007

Magistrado ResponsávelGONÇALO SILVANO
Data da Resolução15 de Março de 2007
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acordam na secção cível do Tribunal da Relação do Porto: I- Relatório B………. acção com processo comum na forma sumária contra Companhia de Seguros X………., S.A:,pedindo a sua condenação a pagar-lhe as quantias de 2500,00€ a título de danos não patrimoniais e a de 6209,04€ a título de danos patrimoniais, acrescidas de juros moratórios.

Alegou para tanto factualidade conducente a demonstrar que ocorreu um acidente de viação em que foi interveniente a autora como condutora do veículo UF-..-.. e o veículo ..-..-JO segurado pela ré, acidente cuja responsabilidade imputa ao condutor deste JO.

Em contestação a ré impugnou a factualidade alegada pela autora quanto á versão do acidente.

Não foi elaborada a base instrutória e após instrução e fixação dos factos provados veio a ser proferida sentença na qual se julgou a acção parcialmente provada e procedente e, em conformidade: -condenou-se a Ré Companhia de Seguros X………., S.A., a pagar à Autora, B………., a título de danos patrimoniais, as quantias de 1041,43 €, 602,14€,18,99€ indemnizações estas que devem ser actualizadas à data da presente sentença, por aplicação do índice de preços no consumidor, desde as datas de - 9 de Outubro de 2003,-17 de Abril de 2003,- propositura da acção, respectivamente, vencendo, ainda, as indemnizações actualizadas juros moratórios à taxa que em cada momento vigorar por força da Portaria prevista no artº 559º do CC, a partir da data da presente decisão e até ao efectivo pagamento; No mais, vai a ré absolvida.

Discordou da sentença a ré e recorreu, tendo no final das respectivas alegações formulado as seguintes conclusões: 1-Deu o Tribunal "a quo" como provado que a propriedade do veículo UF-..-.. encontrava-se registada em nome de C………., ou seja que a proprietária do referido veículo não é a Autora mas, sim a sua Mãe. Conforme sentença do Tribunal recorrido, "... Assim sendo, sc a viatura sofreu estragos, então quem sofreu danos foi quem assim viu o seu património ser afectado: a Proprietária. Sendo a proprietária C………., só esta sofreu danos e só esta tem, em princípio, direito a ser indemnizada. ... " 2- De todo o modo, o Tribunal recorrido entendeu, por via de uma sub-rogação legal, resultante de um comodato precário entre autora e sua mãe, que autora/filha tinha direito à indemnização.

3-Salvo o devido respeito e melhor opinião, não podemos concordar com tal posição, desde logo por entendermos que não estamos perante um comodato, ainda que precário, mas sim a figura jurídica do precário.

... O precarium da vida moderna, aquilo que nos ensinamentos de Pinto Furtado, Curso direito dos arrendamentos vinculísticos, p 99, e rega lição seguiremos na íntegra, hoje chamamos precário, desenha-se como a concessão do gozo de uma coisa em que o concedente conserva o direito de cessação "ad ruam e aproxima-se muito intimamente do comodato em que se não estipulou prato para a restituição nem se determinou o uso da coisa, a que se refere o are 1372°, n°2 do Cód. Civil Na verdade, como aí se diz "se não foi convencionado prazo para a restituição nem determinado o uso da coisa, o comodatário é obrigado a restitui-la logo que lhe é exigida". Há também portanto neste comodato, como é próprio do precário, um direito de cessação ad nutum por parte do concedente.

Deve no entanto reconhecer-se, ainda assim, que eles não se identificam plenamente entre si, cumprindo para os destrinçar, atender ao diverso alcance das prestações ou concessões de gozo nas duas figuras.

No comodato, mesmo sem convenção de prazo nem determinação do uso da coisa, o comodante, com a entrega vincula-se a uma prestação do gozo da coisa ao accipiens. Pio precário, o concedente limita-se a considerar legitimo, por consentido, esse mesmo goto -assim que, enquanto no comodato o comodatário tem um direito que pode fazer valer em juro, inclusivamente, no precário o precarista não dispõe de tutela judiciaria para o gaio, que lhe foi unicamente tolerado potestativamente, favorecendo a construção mais propriamente no âmbito das regras do trato social do que na ordem jurídica... "Ac. do Sup. Trib. de Justiça, de 29 de Setembro de 1993, na col. Jur. Acs. Do Sup. Trib. Just., 1993, 3, pag 44.

4-É de considerar como caracterizadora da referida figura do precário, e não comodato, a seguinte situação fáctica dada como provada, na sentença do Tribunal recorrido: 37 - À data do embate, a propriedade da viatura UF-..-.. encontrava-se registada em nome de C………. .

38 - C………., mãe da autora, entregou a viatura à filha para uso pessoal desta.

39 - à data do embate, a viatura UF-..-.. era conduzida pela autora, sua condutora habitual.

40 - É unicamente a autora quem circula com a viatura, suportando todas as despesas relacionadas com a manutenção da mesma...." 5-Em suma a Mãe da Recorrida, proprietária do veículo UF, numa atitude de colaborar com a filha consentiu, ou tolerou a utilização gratuita e precária do UF pela sua filha enquanto este existisse, limitando-se assim, a considerar legitimo, por consentido, o gozo do veículo UF pela mesma autora enquanto este existisse.

6-Mas a Autora não dispõe de tutela judiciária para esse gozo que apenas lhe foi tolerado potestativamente, enquadrando-se nas regras de trato social inerentes às relações familiares, de parentesco.

7-Assim será de entender não existir qualquer comodato, ainda que precário, e não existir qualquer tutela jurídica na posição da autora, na, medida em que os danos não ocorreram na sua esfera jurídica, não tendo por isso direito a ser ressarcida dos danos sofridos no veículo UF.

E, deste modo, não ser possível qualquer sub-rogação legal.

8-Determina o n° 1 do art. 592° do Cód. Civil (sub-rogação legal) que "o terceiro que cumpre a obrigação só fica sub-rogado nos créditos do credor (...) quando, por outra causa, estiver directamente interessado na satisfação do crédito".

Ora, é nosso entendimento que tal situação não se verifica na situação sub judice".

9-Com efeito, salvo o devido respeito e melhor opinião, não parece atendível o interesse directo da autora, na reparação da viatura o mais depressa possível para poder voltar a utilizá-la mais rapidamente - no sentido e conforme concluiu o Tribunal recorrido "o interesse da autora em reparar a viatura o mais depressa possível é evidente: poder utilizá-la (mais rapidamente)." 10-Desde logo, por se estar a dispor para o futuro, não sabendo nós, por não existir qualquer declaração nesse sentido, da Mãe da recorrida (proprietária do UF), de manter a entrega e o consentimento no uso do veículo por parte da sua filha/recorrida, após a reparação do mesmo, nem existir o direito da filha/recorrida ou a obrigação da mãe da autora na manutenção da situação de favor que existia antes do acidente.

11-De tal forma que nunca a autora alegou e, por isso não provou, que após a reparação do veículo, a autora continuou a fazer uso do veículo UF. Aliás, não ficou provado que a autora tivesse qualquer direito de gozo sobre a coisa, o veículo UF, que garantidamente lhe assegurasse que após a sua reparação, continuasse a ser tolerada a sua utilização.

12-Desta feita, não considera a recorrente estarmos perante uma sub-rogação...

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