Acórdão nº 0617368 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 14 de Março de 2007

Magistrado ResponsávelPAULO VALÉRIO
Data da Resolução14 de Março de 2007
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

ACÓRDÃO (Tribunal da Relação) Recurso n.º 7368/06 Processo n.º ../03. 4PEVRL Em audiência na 1.ª secção criminal do Tribunal da Relação do Porto RELATÓRIO 1- No ..º juízo do Tribunal Judicial de Vila Real, no processo acima referido, foram os arguidos B………. e C………., devidamente identificados nos autos, julgados em processo comum, com tribunal colectivo, e condenados, respectivamente, pela prática, em autoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes, p.p. pelo art 21.º-1 do DLei n.º 15/93, de 22/1, na pena de 6 anos de prisão e 5 anos de prisão 2- Inconformado, recorreu o arguido B………., tendo concluído a sua motivação pela forma seguinte: Não tendo sido produzida qualquer prova atinente aos factos e pontos 3 a 9, 11, 12, 18 a 106 da factualidade dada como provada, requer-se que o tribunal proceda á transcrição da prova gravada em audiência de julgamento, no sentido de todos aqueles pontos serem julgados não provados, dada a inexistência de produção de prova relativamente aos mesmos.

Houve um incontornável erro na apreciação e valoração da prova. violando-se assim a alínea c) do n.° 2 do artigo 410.° do CodProcPenal, bem como o artigo 127.° também do CodProcPenal.

O tribunal a quo acreditou desde sempre na culpa do ora recorrente e sindicou a sua decisão através de um juízo arbitrário, carecido do respectivo suporte factual, baseando-se quase exclusivamente nas escutas telefónicas; o recorrente foi condenado sem que na audiência de julgamento se tivesse feito prova segura dos factos constantes das escutas; a fundamentação da fixação da matéria de facto teve como factor decisivo e preponderante as transcrições das escutas telefónicas, apelidadas na decisão de prova documental.

Ora, as escutas não constituem um meio de prova mas somente um meio de obtenção de prova. As escutas não foram objecto de contraditório, análise ou exame na audiência de julgamento, violando-se assim o n.° 1 do artigo 355.° do CodProcPenal O tribunal a quo incorreu em verdadeiro erro de julgamento pois deu como assentes os factos constantes das transcrições das escutas, sem que nenhum meio de prova confirmasse o conteúdo das escutas efectuadas. Na verdade, a intercepção de conversações telefónicas, enquanto meio de obtenção de prova, não constitui em rigor prova, mas tão só um instrumento que possibilita a procura e obtenção de meios de prova. Sem a concorrência adequada de outros meios de prova (prova testemunhal, pericial, documental, etc.) sobre os factos respeitantes à intercepção telefónica, não se poderá considerar directamente provado um determinado facto que não seja a mera existência e o conteúdo da própria conversação.

O recorrente deveria ter sido absolvido da prática do crime previsto e punido pelo artigo 21.° do DL n.° 15/93, de 22/01, porquanto a matéria constante das transcrições das escutas telefónicas só por si é manifestamente insuficiente para justificar a sua condenação.

Como sabe o Tribunal que "óculos" significa pastilhas de ecstasy (ponto 18)? Ninguém o afirmou. Como pode o Tribunal dar como provado que o arguido se encontrou com um desconhecido no ………. ou em qualquer outro local, em determinada hora para lhe entregar pastilhas (pontos 18, 52, 58, 60, 62, 90, 92)? Ninguém confirmou, apesar da existência de relatórios de vigilância que também nada referem. Como pode o Tribunal dar como provado que o arguido vendia pastilhas, se não sabe em que quantidades ("em quantidade que se desconhece" - ver entre outros pontos 20, 28, 33, 57, 65, 68, 79, 83, 93, 94)? Como pode o Tribunal dar como provado que o recorrente vendia produto estupefaciente, se não o identifica, ver entre outros pontos 23, 24, 26, 40, 72, 76, 78, 93?.

As transcrições das escutas telefónicas junto aos autos encontram-se pejadas de termos e conceitos vagos, como "quantidades indeterminadas", "concretamente indeterminados" ou "que se desconhece" a "desconhecidos" "não se sabendo se a troco do pagamento imediato" ou por "um preço concretamente indeterminado", e nenhum destes conceitos foi explicitado em julgamento, pelo que a condenação do recorrente viola claramente o princípio in dubio pró reo consagrado no n.° 2 do artigo 32.° da CRP.

Em audiência de julgamento nenhuma das transacções foi confirmada por qualquer outro meio de prova, isto apesar de o arguido andar a ser vigiado e investigado há cerca de 2 anos por suspeita de tráfico de estupefacientes. Nada no texto das transcrições nos diz inequivocamente que estas entregas/vendas foram realizadas.

A decisão viola claramente os artigos 127.° e 410° do CPP, tendo havido insuficiência, erro e contradição na prova o que conduziu a um erro de julgamento. O erro notório na apreciação da prova revela-se na sua apreciação ilógica e, por isso, incorrecta, verificando-se no texto e contexto da decisão recorrida. É o que resulta das incongruências acima referidas.

Nenhuma condenação poderá ser fundada quase exclusivamente, em provas que não tenham sido produzidas directamente em audiência ou, ao menos, submetidas ao princípio do contraditório. No caso dos autos, quase todos os pontos provados (3 a 9, 11, 12 e 18 a 106) resultam de se ter acolhido exclusivamente o conteúdo das escutas telefónicas, como consta expressamente da motivação da decisão de facto quando se faz referência às transcrições das escutas, como sendo prova documental. Mais nenhum outro meio de prova concorreu para que o Tribunal desse como provado o conteúdo das escutas, sendo que os agentes policiais foram unânimes ao afirmar que, apesar da vigilância e perseguição de que era alvo o recorrente, nunca haviam presenciado qualquer transacção.

O recorrente era consumidor assíduo de estupefacientes, sendo sobretudo pastilhas de ecstasy, haxixe e cocaína, e por vezes ainda heroína; trabalha nos D………. de Vila Real - onde aufere cerca de 375 euros mensais; O recorrente tinha na sua casa 2,870 gramas de haxixe e 3 pastilhas de ecstasy, pequenas quantidades para o seu consumo; o haxixe apreendido pertencia ao arguido C……….; não lhe são conhecidos quaisquer bens imóveis ou móveis de luxo; o recorrente vive com a sua mãe num bairro onde está socialmente inserido e livre de drogas.

Não auferiu quaisquer lucros com a cedência ocasional de 4 pastilhas no Verão de 2004.

Considerando ainda que o recorrente no Verão de 2004 (há mais de 2 anos) entregou a E………., por um preço incerto, duas pastilhas de ecstasy e em Agosto de 2004 (há mais de 2 anos) cedeu a F………., por uma questão de amizade, duas pastilhas de ecstasy, nunca deveria ser condenado ao abrigo do artigo 21.° do DL n.° 15/93 de 22/01, mas sim ao abrigo do artigo 25.° do mesmo diploma, numa pena mínima de um ano.

3- Nesta Relação, o Exmo PGA, acompanhando oas contra-alegações do MP na 1.ª instância, conclui pela improcedência do recurso, lembrando que o recorrente foi detido em flagrante na posse de mais de 1 Kg de estupefaciente e com uma quantidade significativa de droga na sua residência 4- Foram colhidos os vistos legais e teve lugar a audiência.

+FUNDAMENTAÇÃO Os factos Na 1.ª instância deram-se como provados os seguintes factos: 1-O arguido B………. é desde há muitos anos consumidor assíduo de estupefacientes, sendo sobretudo de pastilhas de ecstasy*, haxixe e cocaina, e por vezes ainda de heroina. Pastilhas contendo pelo menos a substância activa MDMA - 3,4-metilenadioxianfetamina. (Neste sentido se devendo entender todas as referências de ora em diante forem feitas na acusação a pastilhas de ecstasy).

2-Trabalha nos D………. de Vila Real - onde aufere cerca de 375 euros mensais.

3-Desde pelo menos Fevereiro de 2004 até Novembro de 2005 dedicou-se, como complemento do seu emprego, a vender diariamente os referidos estupefacientes a terceiros, sobretudo ecstasy.

4-Para o efeito o arguido fazia uso de vários números de telemóvel, entre eles os números ……360, ……650, ……076 e ……823, sendo através deles que contactava com os seus fornecedores e que era contactado por terceiros consumidores.

4-Em regra era o próprio arguido B………. que pessoalmente vendia o estupefaciente aos seus clientes, fazendo a entrega em mãos e recebendo deles o preço acordado.

5-Durante a semana, por norma, o arguido vendia dos referidos estupefacientes no ………. ou junto à sua casa, situada na Rua ………., ………., ………., Entrada ………. - Vila Real, conforme lhe desse mais jeito a ele e/ou ao cliente.

6-Aos fins de semana vendia sobretudo ecstasy na discoteca G………., em Vila Real, em cujas imediações costumava guardar o referido estupefaciente, escondendo-o de baixo de alguma pedra entre os diversos caminhos que por ali existem.

7-Em regra o arguido comprava semanalmente cerca de 100 a 200 pastilhas de ecstasy, para cujo efeito se costumava deslocar as vezes que fosse necessário à zona do Porto ou de Amarante, conforme o fornecedor.

8-Vendia ao preço de 5 euros por pastilha.

9-A compra de haxixe fazia-a habitualmente ao preço de 200 euros o sabonete (250 gramas) ou a 750 euros o quilo. A venda fazia-a ao preço de 300 euros, se vendesse o sabonete inteiro, ou ao preço de 35 euros por fatia, se fosse este o modo de venda.

9- Por sua vez, o arguido C………. é, também ele, desde há muitos anos consumidor assíduo de estupefacientes, sendo sobretudo de haxixe mas por vezes também de cocaína e em tempos ainda de heroína.

10-Contudo, como não exerce qualquer profissão remunerada desde há largos anos, o arguido, para se sustentar a si e ao seu vício, dedica-se a vender sobretudo haxixe a terceiros.

11-Os arguidos B………. e C………. são amigos, e cada um deles sabe perfeitamente que o outro costuma vender os citados estupefacientes a terceiros.

12-Quando, a propósito de um qualquer contacto, se dá o caso de a um deles se ter acabado o estupefaciente para vender, os arguidos por vezes aconselham o cliente a contactar o outro a fim de fazer a aquisição do estupefaciente, sendo o arguido B………. indicado sobretudo para a aquisição de pastilhas de ecstasy e o arguido C………. para a aquisição de haxixe.

13-Porém, as suas actividades de tráfico são...

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