Acórdão nº 0616620 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 31 de Janeiro de 2007

Data31 Janeiro 2007
ÓrgãoCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação do Porto: B………. e C………., nascidos e residentes no Brasil, doutamente patrocinados pela Sr.ª Procuradora da República, deduziram contra Companhia de Seguros X………., S.A. e contra D………., Ld.ª acção declarativa, com processo especial, emergente de acidente de trabalho, pedindo que se condene as RR. a pagar aos AA. o capital de remição das pensões a que se julgam com direito, a R. seguradora o subsídio de funeral com trasladação, sendo todas as quantias acrescidas de juros de mora, desde o vencimento até integral pagamento, à taxa anual de 4%.

Alegam para tanto, e em síntese, que no dia 2003-10-30 o sinistrado, seu filho, E………., sofreu um acidente de viação, mortal, em consequência de despiste quando, tendo a categoria profissional de motorista de veículos pesados de mercadorias e auferindo a retribuição anual de € 11.456,48, circulava na estrada Madrid-Irun, em Espanha, conduzindo um veículo articulado de mercadorias, em cumprimento de ordens da entidade empregadora, ora 2.ª R., a qual havia transferido a sua responsabilidade infortunística para a 1.ª R. através de contrato de seguro, pela retribuição anual de € 6.857,48. Mais alegam que o sinistrado, também cidadão brasileiro, tinha emigrado para Portugal e contribuía regularmente para o sustendo dos AA., naturais e residentes no Brasil, que dele necessitavam por falta de recursos económicos próprios.

Contestou a 1.ª R., alegando que o acidente ocorreu por negligência grosseira e exclusiva do sinistrado, pois este conduzia a 90 kms/hora quando a velocidade máxima prevista era 60 kms/hora e porque ele não usava cinto de segurança e alegando ainda que o mesmo sinistrado não contribuía com regularidade para o sustento dos seus pais, ora AA.

Contestou a 2.ª R., alegando assumir as consequências do acidente no que respeita à parte da retribuição não transferida para a 1.ª R. e, quanto ao mais, contesta por impugnação.

Foi proferido despacho saneador, assentes os factos considerados provados e elaborada a base instrutória, sem reclamações.

Realizado o julgamento e proferida sentença, foram as RR. condenadas no pedido.

Inconformada com o assim decidido, veio a 1.ª R. interpôr recurso de apelação, a que a 2.ª R. aderiu, pedindo que se revogue a sentença e que se a absolva do pedido, tendo formulado a final as seguintes conclusões: A. - Estabelece o art.º 20° n.° 1, al. d) e n.° 2 da Lei n.° 100/97 que, se do acidente resultar a morte da vítima, não havendo cônjuge ou filhos com direito a pensão, os seus ascendentes têm direito à reparação dos danos emergentes desse acidente, desde que o sinistrado contribuísse com regularidade para o seu sustento.

B. - Para além deste pressuposto, é também necessário que os ascendentes tenham necessidade dessa contribuição, ou seja, que sejam realmente portadores de um grau de dependência económica em relação ao sinistrado falecido, sendo certo que os factos que integram estas condições constitui ónus dos AA., nos termos do preceituado no art. 342°, n.º 1 do Cód. Civil, por revestirem natureza constitutiva do direito que pretendem fazer valer.

C. - Esta exigência advém do destino da contribuição (alimentos) por força do disposto no n.º 1 do art.º 2004° do Cód. Civil, que estabelece como critério definidor da medida dos alimentos a "necessidade daquele que houver de recebê-los", bem como da al. b) do n.° 1 do art.º 2013° do mesmo diploma, que estipula a cessação da obrigação de alimentos quando "aquele que os recebe deixe de precisar deles".

D. - O mesmo é dizer que, o direito dos familiares da vítima à pensão consagrada na al. d) do n.° 1 do art.º 20° da Lei 100/97, é uma emanação do instituto da obrigação alimentar, e esta existe apenas a favor das pessoas que não podem prover integralmente ao seu sustento, como decorre do disposto nos arts. 2003° e 2004°, ambos do Cód. Civil.

E. - No caso dos autos, a propósito da verificação deste duplo condicionalismo, ficou apenas provado que parte do salário que o falecido remetia para os AA. se destinava à melhoria das suas condições de vida e outra para comprar casa própria - ponto 7 dos factos assentes -, pelo que não é possível discernir e afirmar, com o rigor indispensável ao fundamento de uma decisão, que a contribuição do sinistrado se destinava a possibilitar um melhor nível de vida, mas que, ao invés, não era absolutamente indispensável à satisfação das mais elementares necessidades dos AA., sendo certo que, só nesta vertente, esta contribuição releva para efeitos de atribuição de pensão.

F. - Dos factos assentes, resulta que o A. é agricultor, aufere uma pensão por acidente de trabalho, no valor de Eur.42,00/mês, o que é correspondente a 50% do salário mínimo nacional brasileiro e que a A. é doméstica, fazendo alguns arranjos de costura.

G. - Acresce que, os AA. não demonstraram que não tivessem outros rendimentos, por exemplo, de trabalhos agrícolas em propriedades próprias ou alheias - dado que ficou assente que o A. é agricultor -, de serviços prestados para além do horário de trabalho ou de actividades comerciais, e por outro lado, não invocaram, nem demonstraram que, antes do sinistrado começar a trabalhar, tivessem necessidades incomportáveis para os rendimentos que, então, auferiam.

H. - Ademais, não foi alegado e, por isso, também não foi demonstrado - como era ónus dos Recorrentes - que, após o falecimento do sinistrado, estes tivessem que recorrer a outros expedientes (um segundo emprego, por exemplo) para compensar a eventual falta de contribuição do sinistrado.

I. - Ou seja, do circunstancialismo apurado sobre este particular aspecto, não pode concluir-se pela verificação do apontado pressuposto da necessidade da contribuição do sinistrado, no sentido de que a mesma era absolutamente indispensável à satisfação das mais elementares necessidades dos AA., pois, só nesta medida, releva para efeitos de atribuição de pensão, pelo que não se encontram apuradas nos autos as aludidas condições objectivas para que possa reconhecer-se aos AA. o direito que invocam na presente acção, em razão do que a acção teria fatalmente que improceder no que respeita às pensões peticionadas.

J. - Ao assim não considerar, a sentença sub judice fez errada interpretação dos factos e incorrecta aplicação da lei, designadamente da al. d), do n.°1 do art.º 20° da Lei 100/97, de 13 de Setembro, que violou, devendo, por isso, ser revogada e substituída por outra que, aplicando o referido preceito, absolva a Recorrente do pagamento ao AA. de qualquer pensão por morte do filho.

L. - No que concerne à dinâmica do acidente, da matéria provada nos autos, resulta que o sinistro se ficou a dever, em exclusivo, a negligência grosseira do sinistrado.

M. - A verificação desta qualificação deverá traduzir-se num comportamento imprudente, inútil, um incumprimento da elementar diligência usada pela generalidade das pessoas, segundo um padrão objectivo, fornecido pelo procedimento habitual de um homem de sensatez média - neste sentido Ac. do S.T.J., de 12.05.89, in B.M.J., n.° 387, pág.400.

N. - O factualismo dado como apurado na sentença, designadamente sob os n.°s 10, 12, 13, 14, 15 e 16 é, por tal forma exuberante quanto à culpa grave e exclusiva do sinistrado que outra conclusão não admite que não seja a DESCARACTERIZAÇÃO DO ACIDENTE.

O. - Da matéria de facto assente resulta insofismavelmente que o sinistrado cometeu uma gravíssima violação às regras estradais, ao circular, com um veículo pesado, a uma velocidade de 90 Km/hora, num local - curva pronunciada -, onde a velocidade permitida se encontrava limitada a 60 Km/ hora.

P. - Por outro, a mais elementar prudência impunha que o sinistrado conduzisse com o cinto de segurança colocado - tanto mais que efectuava uma condução manifestamente perigosa, do que é sintomático a velocidade a que circulava no momento do acidente - pelo que, caso tal acontecesse, jamais o sinistrado teria sido cuspido da cabine e caído na via inferior de uma altura de cerca...

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