Acórdão nº 0636141 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 11 de Janeiro de 2007

Magistrado ResponsávelAMARAL FERREIRA
Data da Resolução11 de Janeiro de 2007
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação do Porto: I - RELATÓRIO.

  1. "B……………., Ldª", sediada na Rua ……, …., ….º, Porto, com apoio judiciário na modalidade de dispensa total de taxa de justiça e demais encargos, instaurou, nas Varas Cíveis do Porto, contra "C…………… S.A.", com sede em …………., …….., ….., ….., ……., Espanha, a presente acção declarativa, com forma de processo ordinário, formulando os seguintes pedidos: a) Ser declarado que a resolução do contrato de concessão comercial celebrado entre autora e ré, operada pela ré em 8 de Abril de 2002, é destituída de fundamento válido, ilegal e sem justa causa; b) Ser a ré, em consequência, condenada a pagar à autora a quantia de 251.693 Euros, a título de indemnização pelos prejuízos causados à autora em virtude do incumprimento do contrato pela ré até final do contrato; c) Ser a ré condenada a pagar à autora uma indemnização a liquidar posteriormente pelos danos que causou ao seu bom-nome e à sua imagem comercial e pelas despesas e encargos por si suportados com a promoção dos milhos da ré; d) Ser a ré condenada a pagar à autora a título de indemnização de clientela a quantia de 94.540 Euros; e) Ser a ré condenada a pagar à autora juros de mora à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.

    Alega para tanto, em resumo, que celebrou com a R., em 17 de Novembro de 1993, um contrato de concessão comercial, pelo prazo de cinco anos, e, mais tarde, um novo contrato, por mais 5 anos, com início em 21/02/1999 e termo em 21/02/2004, em virtude do qual a R. se obrigou a vender-lhe, de forma exclusiva, os seus milhos híbridos para o território nacional e a conceder-lhe o direito de ser a única e exclusiva concessionária a testar, avaliar, registar, comercializar e vender no território nacional várias variedades de milhos; desde a celebração do primeiro contrato sempre existiu um excelente relacionamento comercial entre as partes, cumprindo ambas com os seus compromissos; porém, no início de 2002, para efectuar os fornecimentos de milho já previamente encomendado a R. começou a exigir-lhe a prestação de uma garantia bancária a seu favor de valor igual ao do total da encomenda de milhos para esse ano, exigência que nunca tinha feito anteriormente nem estava prevista no contrato; sempre pagou pontualmente os fornecimentos efectuados pela R. e existia um clima de confiança entre ambas; ainda assim, inteirou-se junto de bancos sobre o custo da garantia e verificou que esta absorveria parte significativa do seu lucro, pelo que propôs pagar o milho em duas parcelas, uma de 50% contra a entrega, e outra com os restantes 50%, em 30 de Setembro de 2002, proposta que a R. não aceitou, continuando a exigir, para o fornecimento da mercadoria, garantia bancária ou aval pessoal dos seus sócios gerentes; perante isso, foi obrigada a reduzir a sua encomenda, pagando-a previamente à sua entrega, uma vez que, só assim, a R. lhe fornecia o milho; em 8 de Abril de 2002, a R. resolveu o contrato através do fax em que refere "dada la indisponibilidad de B……………. para garantizar los pagos de la semilla a suministrar, no teremos otra alternativa que la rescison del contrato com efectos inmediatos"; com essa atitude, causou-lhe prejuízos elevadíssimos, porque a sua actividade estava indissociavelmente ligada à ré, porque a sua imagem junto dos seus clientes estava ligada à marca C……………. e porque mais de 80% da sua actividade e do seu volume de negócio resultava da venda dos milhos da R.; no ano de 2002, ao ver-se impedida de vender os milhos da R. no montante de 159.316,83 Euros, sofreu um prejuízo equivalente a 45% desse montante, ou seja, de 71.693 Euros; em relação às campanhas de cada um dos anos de 2003 e 2004, teve um prejuízo de 90.000 Euros; além disso, ficou praticamente inactiva, reduzindo a sua actividade para 20% da sua capacidade, mas manteve os seus custos fixos, passando a acumular prejuízos; tentou introduzir no mercado uma nova marca de milhos, sem sucesso comercial; a R. continuou no mercado nacional, através de dois novos concessionários, aproveitando-se do esforço da autora e dos clientes que esta angariou ao longo dos anos; ao resolver o contrato sem justa causa, a ré afectou o bom-nome e imagem comercial da autora junto dos seus clientes.

  2. Contestou a R. e, depois de invocar a excepção dilatória da preterição do tribunal arbitral, impugnando parcialmente a factualidade alegada pela A., aduz, também em síntese, que o contrato inicial foi celebrado com sociedade com a mesma designação que a sua, sediada em França, e que a exigência de prestação de garantia bancária não foi puro capricho, já que é sua política, a fim de assegurar o recebimento dos valores dos fornecimentos que faz aos seus clientes, recorrer a um seguro de crédito; não tinha anteriormente solicitado a emissão de uma garantia bancária ou de aval pessoal dos sócios da A. em virtude de grande parte dos fornecimentos se encontrarem coberto por seguro de crédito; mas, no ano de 2000, a D……………….., S.A., sua seguradora, concedeu um limite de risco relativamente à A. no valor de 90.151,82 Euros e, no ano de 2001, já só concedeu um limite de risco no montante de 30.050 Euros, o que a alarmou, visto que a redução substancial do limite de risco concedido pela D…………… relativamente à A. indiciava que a sua situação económica se tinha alterado significativamente em sentido negativo; por isso, solicitou a prestação de uma garantia bancária ou o aval pessoal dos sócios da A., pois não podia fornecer as sementes sem ter qualquer garantia de que o seu pagamento seria efectuado; no entanto, tendo em vista não prejudicar a A., aceitou que os pagamentos relativos à campanha 2002/2003 fossem realizados em dois momentos: 50% em 30.07.02 e 50% em 30.09.02, devendo a garantia bancária ter vencimento em 30.10.02; acresce que, desde o início do contrato, a A. se atrasou sempre nos pagamentos, à excepção de uma única vez, e que relativamente à factura nº 1122754 permanece ainda por liquidar o montante de 9.271,13 Euros; o relacionamento comercial entre a ambas manteve-se até Outubro de 2002 única e exclusivamente para resolução de assuntos pendentes.

    Termina pela procedência da excepção, com a consequente absolvição da instância, ou pela improcedência da acção e sua absolvição do pedido.

  3. Respondeu a A. no sentido da improcedência da excepção, invocando para tanto a sua situação de insuficiência económica e o artº 38º do Regime Jurídico do Contrato de Agência, e concluindo como na petição.

  4. Em sede de audiência preliminar foi proferido despacho saneador que, desatendendo a excepção invocada pela R., afirmou a validade e regularidade da instância, declarou a matéria assente e elaborou base instrutória, que se fixaram sem reclamações.

  5. Agravou a R. do despacho saneador na parte que julgou improcedente a excepção e, alegando, formulou as seguintes conclusões: 1ª: O Despacho Saneador do qual se recorre considerou improcedente a excepção de preterição de Tribunal Arbitral invocada pela Agravante na sua contestação, por ter violado os arts. 41.º n.º 2 do Código Civil e 38.º do Decreto-Lei n.º 178/86, de 3 de Julho, bem como pelo facto de ter sido concedido benefício de apoio judiciário à aqui Agravada, não possuindo esta condições económicas para suportar os custos inerentes ao Tribunal Arbitral, sob pena de violação do princípio constitucional de acesso ao direito (art. 20.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa).

    1. : A A., ora Agravada intentou acção declarativa de condenação contra a aqui Agravante, nos termos da qual peticiona a condenação da R., aqui Agravante, no pagamento de diversos montantes tendo por base a cessação de um contrato de licença de distribuição regional da semente de milho e correspondente acordo de fornecimento (documento n.º 1 junto à Contestação).

    2. : No referido contrato, livremente acordado e celebrado entre as partes, foi estipulada na cláusula 11. uma convenção arbitral, nos termos da qual: "11.1. Este acordo deverá ser regulado pelas leis de França.

      11.2. Na hipótese de ocorrência de um litígio entre as partes não regulado nos termos deste acordo, ambas as partes acordam em ser reguladas pelas regras do F.I.S. para o comércio internacional de sementes de cereais com regras específicas quanto ao milho. Qualquer arbitragem desenrolar-se-á de acordo com o Procedimento de Arbitragem do F.I.S. para o Tratado Internacional da Semente em França." 4ª: Ora, o contrato sub judice foi inicialmente celebrado entre uma sociedade francesa - C……………. S.A., e uma sociedade portuguesa, a aqui Agravada.

    3. : Razão pela qual, haviam as partes elegido a lei francesa para a regulação do mesmo.

    4. : Lei essa que, aquando da celebração do contrato, tinha conexão com o mesmo.

    5. : Em momento posterior à celebração do referido contrato, a C1…………. S.A. cedeu a sua posição contratual à aqui Agravante C……………. S.A., com sede em Espanha.

    6. : Após a cessão de posição contratual, a designação pelas partes da lei francesa para a regulação do contrato entra em conflito com o n.º 2 do art. 41.º do Código Civil.

    7. : O Meritíssimo Juiz ad quo considerou que se impunha o afastamento da lei francesa ex vi art. 38.º do Decreto-Lei n.º 178/86, de 3 de Julho, o qual regula o contrato de agência.

    8. : No Douto Despacho ora em crise é referido que "(...) Embora não seja ainda este o momento para proceder à qualificação jurídica do contrato, as partes estão de acordo e com facilidade se pode aceitar que ao contrato de distribuição/concessão comercial celebrado se deverão em regra aplicar por analogia as normas específicas do contrato de agência. (...)".

    9. : Porém, a qualificação jurídica de um contrato é uma questão de direito e não uma simples questão de facto, a qual não se pode basear no acordo das partes.

    10. : O Meritíssimo Juiz ad quo, muito embora não tenha procedido à qualificação jurídica do contrato celebrado entre as partes, considerou que se impunha a aplicação, por analogia, do art. 38.º do Decreto-Lei n.º 178/86, de 3 de Julho...

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