Acórdão nº 0614954 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 10 de Janeiro de 2007
Data | 10 Janeiro 2007 |
Órgão | Court of Appeal of Porto (Portugal) |
Acordam, em audiência, os Juízes do Tribunal da Relação do Porto:*I- RELATÓRIO Na .ª Vara Criminal do Porto, nos autos de processo comum (Tribunal Colectivo) nº ../05.2SFPRT, foi proferido acórdão, em 2/6/2006 (fls. 248 a 254), constando do dispositivo o seguinte: "Nesta conformidade, acordam os Juízes que constituem este Tribunal Colectivo, em absolver o arguido B………. da prática do crime de tráfico de produtos estupefacientes, p. e p. pelo artº 21º, nº 1, do DL nº 15/93, de 22/01, com referência às Tabelas I-A e I-C anexas ao mesmo diploma, de que está acusado por, ser improcedente por não provada a presente acção penal.
Após trânsito, extraia certidão deste Acórdão e do correspondente relatório de exame de fls. 73/74, a qual deverá ser enviada para a entidade competente, de acordo com o disposto no artº 5, da Lei nº 30/2000, de 29/11.
Sem custas, por não serem devidas.
Os produtos estupefacientes apreendidos serão colocados à ordem da certidão a extrair para a instrução do processo de contra-ordenação.
Após trânsito, ordena-se a entrega ao arguido dos dois telemóveis, dinheiro e navalha apreendidos, desde que reclamados no prazo de 3 meses, sob pena de serem declarados perdidos a favor do Estado.
Notifique e deposite."*Não se conformando com o dito acórdão, o MºPº interpôs recurso dessa decisão (fls. 260 a 267), formulando as seguintes conclusões: "1- Realizado o julgamento decidiu o colectivo que resultou provado que o Arguido detinha a cocaína e heroína que lhe foram apreendidas para seu consumo, não se encontrando preenchidos os elementos objectivos e subjectivos do tipo legal do crime crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo artº 21º nº 1 do DL 15/93 de 22/1, por referência às tabelas IA e IC de tal diploma nem de qualquer outro tipo de crime assim o absolvendo.
2- O arguido encontrava-se acusado pela prática de factos integradores de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo artº 21º nº 1 do DL 15/93 de 22/1, por referência às tabelas IA e IC anexas a tal diploma.
3- Nos termos do referido art. 21º nº 1 do DL 15/93 de 22/1 "quem, sem para tal se encontrar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer titulo receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no art. 40º, plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos." 4- Por seu turno, dispõe o art. 25º-a) do cit. DL: " Se nos casos dos artigos 21 e 22, a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou quantidade das plantas, substâncias ou preparações, a pena é de prisão de um a cinco anos, se se tratar de, plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III, V e VI;".
5- Por sua vez a Lei nº 30/2000, de 29 de Novembro, que revoga o supra referido artº 40 diz no artº 1, nº 2 que as plantas, substâncias e preparações sujeitas ao regime desse diploma são as constantes das tabelas I a IV anexas ao DL nº 15/93, e no artº 2º, nº 1, dispõe que constitui contra-ordenação o consumo, a aquisição e a detenção para consumo próprio de plantas, substâncias ou preparações supra referidas, que não poderão exceder a quantidade necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 dias.
6- Assim, sendo as 12 embalagens de heroína, com o peso líquido de 4,87g. e as 5 embalagens de cocaína, com o peso líquido de 1,430g, conforme exame do L.P.C, de fls. 73/4, substâncias abrangidas, respectivamente, pelas Tabelas I-A e I-B, anexas ao D.L. 15/93, de 22/01, claramente excedem a quantidade necessária para o consumo médio individual durante 10 dias (cfr. Port. nº 94/96, de 26/3), pelo que deve ser excluída dessa subsunção a sua conduta.
7- A detenção de estupefaciente, ainda que exclusivamente para consumo, fora das situações previstas no artº 2° da Lei nº 30/2000, continua pois a ser crime, devendo o arguido ser condenado nesses termos.
8- Acresce que o Tribunal fundamentou a sua convicção nas declarações do Arguido em audiência de julgamento, o qual confessou que tinha na sua posse os produtos estupefacientes, que comprara dias antes da apreensão com dinheiro da herança do seu pai que recebeu em Agosto de 2004, destinava-se exclusivamente ao seu consumo, consumia diariamente cerca de 5 gramas de cocaína, bem como heroína para "cortar" os efeitos da cocaína negando peremptoriamente que o produto se destinava à venda.
9- Porém, na fundamentação o acórdão não esclarece quanto o Arguido consome em média diariamente de heroína e quanto gastou nessa compra.
10- Considerou ainda o Tribunal que face à quantidade de produtos estupefacientes apreendidos ao arguido necessárias para o seu consumo, às declarações do arguido, conjugadas com os depoimentos das testemunhas concluiu que o arguido na data em que foi detido não se encontrava a vender produto estupefaciente no ………. .
11- Porém o arguido não se encontrava acusado de estar a vender mas apenas de deter para venda.
12- Aliás em inquérito e perante o Mmo JIC o mesmo declarou que a heroína tinha-a na sua posse para levar a uma pessoa amiga… 13- Depois de requerido pelo Mº Pº foi o mesmo confrontado com essas declarações.
14- Refere o Colectivo que a decisão quanto aos factos dados como não provados" teve suporte na negação do seu cometimento por parte do arguido, o que nessa parte não foi ilidido por prova produzida em audiência que lograsse convencer o Colectivo quanto à sua verificação, designadamente, considerando os motivos supra indicados e mesmo apelando às regras da experiência comum".
15- Não diz como valorizou as declarações prestadas perante o Mmo JIC que aliás nem são apreciadas criticamente como deviam ter sido no acórdão.
16-Não fora entendermos serem as quantidades de heroína e cocaína que o arguido detinha e lhe foram apreendidas integradoras do crime previsto no artº 21 ou quando muito do artº 25 referido, teríamos de concluir enfermar o acórdão falta de fundamentação e insuficiência a matéria de facto p nos artºs. 374º, nº 2 e 410º, nº 2 do C.P.P.."*Na 1ª instância, o arguido respondeu ao recurso interposto pelo MºPº, pugnando pela manutenção do decidido.
*Nesta Relação, o Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, concluindo que o recurso não merece provimento.
Foi cumprido o disposto no art. 417 nº 2 do CPP.
Feito o exame preliminar a que se refere o art. 417 nº 3 do CPP e, colhidos os vistos legais, realizou-se a audiência.
Cumpre, assim, apreciar e decidir.
*No acórdão recorrido foram considerados provados os seguintes factos: "2.1. Matéria de facto provada.
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No dia 9 de Março de 2005, pelas 00h45, na Rua ………., nas imediações do ………., Porto, quando se encontrava em situação de ausência ilegítima, após saída precária prolongada de 24/12/2004 a 01/01/2005, do Estabelecimento Prisional de Paços de Ferreira, onde se encontrava em cumprimento de pena de prisão em que foi condenado no processo …/92.6JAAVR, do .º Juízo Criminal do Tribunal de Aveiro, o arguido foi interceptado por agentes da P.S.P.
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De imediato, entregou um canto em plástico branco, com 12 embalagens de heroína, com o peso bruto de 6,890g. e peso líquido de 4,87g. e 5 embalagens de cocaína, com o peso bruto de 2,770g. e peso líquido 1,430, conforme exame do L.P.C, de fls. 73/4, substâncias abrangidas, respectivamente, pelas Tabelas I-A e IB, anexas ao D.L. 15/93, de 22/01.
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Para além desses produtos, foram também apreendidos ao arguido um telemóvel, marca Nokia, modelo …., com a respectiva bateria, no valor de € 15,00 (quinze euros), descrito e examinado no auto de exame de fls. 45; um telemóvel, marca Sharp, modelo …., no valor de € 200,00 (duzentos euros), descrito e examinado no auto de exame de fls. 45; € 189,15 (cento e oitenta e nove euros e quinze cêntimos), em numerário e uma navalha em metal, sem valor comercial, descrita e examinada no auto de exame de fls. 45.
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A cocaína e a heroína que o arguido tinha na sua posse destinava-se ao seu consumo.
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O arguido agiu de forma livre e consciente, conhecia perfeitamente a natureza e características dos produtos que lhe foram apreendidos e que detinha para o seu consumo, bem sabendo que tal lhe estava vedado por lei.
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O arguido foi já condenado, no Tribunal de Aveiro, no Processo Comum Colectivo …./94, pela prática em 22/04/1992, do crime de tráfico de estupefacientes, na pena de 5 anos de prisão, sendo que, posteriormente, em cúmulo jurídico com a pena aplicada no processo comum singular n.° …/93, de Celorico de Basto, lhe foi aplicada a pena única de 12 anos de prisão, tendo o arguido estado preso ininterruptamente em cumprimento de tal pena, desde 22/04/1992 até 16/06/1999, data em que saiu em liberdade condicional.
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Sofreu nova condenação em pena de prisão pela prática do crime de roubo, cometido no período de liberdade condicional, em 26/06/2000, data em que a mesma lhe foi revogada, tendo cumprido a respectiva pena de prisão até 26/10/2002, altura em que foi colocado novamente à ordem do processo …/92.6JAAVR, para cumprimento da restante pena que lhe fora aplicada.
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Tendo-lhe sido concedida uma saída precária prolongada de 24/12/2004 a 01/01/2005, o arguido não regressou voluntariamente ao Estabelecimento Prisional, até 09/03/2005, para onde foi conduzido depois da detenção motivada pelos factos que deram origem aos presentes autos.
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O arguido sofreu ainda as condenações constantes do CRC de fls. 198 a 210, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
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O arguido nasceu a 20/07/1959.
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O arguido é oriundo de um agregado familiar de estrato sócio-económico modesto.
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Iniciou o consumo de haxixe, heroína e cocaína com 14 anos de idade.
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Desde a adolescência que o arguido é dependente de produtos estupefacientes.
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Á data dos factos, o arguido consumia em média 5 gramas...
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