Acórdão nº 0644108 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 20 de Novembro de 2006

Magistrado ResponsávelFERREIRA DA COSTA
Data da Resolução20 de Novembro de 2006
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação do Porto: B……….. intentou acção emergente de contrato individual de trabalho, com processo comum, contra C……….., S.A., pedindo - apenas no que ao recurso interessa - que se declare ilícito o despedimento promovido pela R., por nulidade e caducidade - sic - do procedimento disciplinar e por ausência de justa causa e que se condene a R. a pagar à A. as retribuições vencidas desde o despedimento até à sentença e que se condene a R. a reintegrar a A. no seu posto de trabalho, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade, caso não venha a optar pela indemnização de antiguidade, sendo todas as quantias acrescidas de juros, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.

Alega, para tanto, que foi despedida ilicitamente em 2004-07-08, na sequência de dois procedimentos disciplinares que foram apensados e no âmbito dos quais não pôde estar presente durante o depoimento das testemunhas, nem foi advertida no primeiro da intenção da R. de proceder ao seu despedimento, tendo esta deixado caducar o primeiro procedimento por inobservância do prazo de 60 dias e por inexistência de justa causa.

Contestou a R., no que ao recurso interessa, por impugnação, tendo alegado os factos constantes da nota de culpa de ambos os procedimentos disciplinares.

Realizado o julgamento com gravação da prova, foi a matéria de facto assente por despacho que não suscitou qualquer reclamação [cfr. fls. 189].

Proferida sentença, foi a acção julgada improcedente e a R. absolvida dos pedidos contra si deduzidos.

Inconformada com o assim decidido, veio a A. interpor recurso de apelação, pedindo que se o julgue procedente e que se considere ilícito o despedimento com as respectivas consequências, tendo formulado a final as seguintes conclusões: 1. A Apelante foi despedida mediante prévio processo disciplinar, que desde logo acusou de irregular.

  1. Em primeiro lugar, quando a Apelante consultou o processo disciplinar, classificado pela entidade patronal com o n° ……/RH/2004, dele apenas constavam as exactas participações e documentos relatados no artigo 26° da PI e dado como provado. Mormente tal facto, da nota de culpa constavam, ainda, a alusão a um anterior processo disciplinar, desta feita qualificado com o n° …/RH/2004, especificamente no ponto 4 da aludida nota de culpa.

  2. Ora, quanto a esse processo disciplinar, no qual não havia sido comunicada qualquer intenção de proceder ao despedimento da trabalhadora, já a mesma tinha apresentado a sua defesa escrita, nos termos da lei, sendo certo que a mesma não consta do documento que a Apelada apresentou aos autos.

  3. Assim sendo, essa resposta nunca tida em devida consideração, prejudicando, gravemente a trabalhadora, porquanto foi como consequência da junção dos dois processos que se procedeu ao despedimento da trabalhadora, considerando a entidade patronal a existência de justa causa.

  4. Incumbia à entidade patronal a alegar o motivo justificativo desse junção, por exemplo considerando tratarem-se de factos continuados, mas nunca tal facto justificativo poderia ser concluído pelo Ilustre Tribunal como o fez ao referir que poderiamos estar, "eventualmente", "em presença de factos continuados levados a cabo pela A., desde que, em relação a todos os factos nele constantes, respeite a tramitação do processo disciplinar imposto pela lei.".

  5. Acresce que, mesmo seguindo a alegação do Tribunal, a verdade é que nem mesmo se respeitou a tramitação do processo disciplinar, imposta por lei.

  6. Enferma o mesmo de nulidade por não se ter respeitado os direitos conferidos à trabalhadora, designadamente o acesso aos depoimentos e inquirição das testemunhas arroladas pela entidade patronal, dos quais apenas teve conhecimento aquando da junção de todo o processo, não fazendo qualquer sentido a resposta contida na douta sentença recorrida, a este propósito, considerando o Ilustre Tribunal que a A. não fez prova de tal alegação.

  7. Conforme se alcança do processo disciplinar junto pela R., as suas testemunhas foram inquiridas em dia diferente das testemunhas da A., cfr. Fls. 37 e seguintes, sem que para tal a trabalhadora tenha sido convocada ou a sua mandatária, que, naturalmente, não estiveram presentes nem assinaram o respectivo auto de inquirição. Que outra prova necessitaria o Ilustre Tribunal? 9. Essa nulidade também é patente na falta de comunicação da intenção de proceder ao despedimento, relativo ao primeiro processo, conforme impõe a lei (cfr: Art. 411.º, n.º 1 do CT), sendo certo que os dois processos, em conjunto, conduziram ao despedimento da A.

  8. Para além dessa nulidade, mais se alegou a caducidade do procedimento disciplinar, relativamente aos factos ocorridos no dia 5 de Abril/2004, quando inseridos na segunda nota de culpa, notifica à trabalhadora em 10/06/2004.

  9. Entendeu o Ilustre Tribunal que "não se apurou quando é que a entidade empregadora teve conhecimento da ocorrência daqueles factos. Logo, apenas poderemos concluir que, pelo menos em 4 de Maio de 2004, a R. tinha conhecimentos de tais factos, pelo que, 60 dias contados daquela data terminam em 4/7/2004... então ... não se mostra caducado, nos termos do Art. 372° do CT.

  10. Ora, a invocação, por parte da A., da caducidade do processo disciplinar, quanto a estes factos, deverá ser entendida como matéria cujo ónus de alegação e prova incide sobre a entidade patronal - cfr. Acórdão do STJ de 15/02/2005, Processo n° 4S3593, publicado em www.dgsi pt.

  11. Mais refere aquele douto acórdão "com efeito, configurando a caducidade da acção disciplinar uma excepção (facto impeditivo) ao direito da entidade patronal de despedir o trabalhador, a necessidade de processo prévio de inquérito e da respectiva tramitação diligente e com observância do prazo deferido na lei, configura uma excepção àquela excepção, que só à R. aproveita e, se dúvidas houvesse sobre a repartição daquele ónus, o artigo 516° do CPC eliminava-as. Embora a R.. nada tenha alegado sobre esses requisitos (como na presente acção também nada disse e nada respondeu, em sede de contestação), era sobre ela que recaía esse ónus".

  12. "A alegação e prova dos factos conducentes à suspensão do prazo daquele sobre a entidade patronal impendia, nos termos do n° 2 do artigo 342° do CC., pela simples razão de que a suspensão do prazo de caducidade constituía, no caso, um facto impeditivo de uma das causas de pedir (a caducidade do procedimento disciplinar) invocadas pelo recorrido (neste caso, a trabalhadora) para fundamentar o pedido formulado na presente acção".

  13. Assim sendo, o ónus da prova sobre a data em que teve conhecimento dos factos supostamente ocorridos em 5 de Abril, assim como da interrupção do prazo de caducidade do procedimento disciplinar, recaía inteiramente sobre a entidade patronal que, apesar de tal matéria alegada na PI, a mesma não sofreu qualquer contestação, omitindo-se em sede de contestação.

  14. Os factos ocorreram em 5 de Abril e teria de ser a R. a demonstrar a data em que dos mesmos teve conhecimento para efeitos de abertura do processo disciplinar, pois o prazo imperativo da lei apenas se interrompe com a notificação da nota de culpa.

  15. De onde se conclui que foram violados os direitos conferidos à Apelante, nomeadamente pela junção dos dois processos disciplinares em um só, sendo certo que os factos ocorridos em 5 de Abril já se mostravam caducados, para efeitos de procedimento disciplinar, à data da comunicação da nota de culpa e consequente ilicitude do despedimento, nos termos dos Artigos 429° e 430° do CT.

  16. Também esse despedimento deveria ser considerado ilícito por inexistência de justa causa de despedimento.

  17. Desde logo, e sem prejuízo da invocada caducidade destes factos, a conversa tida no dia 5 de Abril foi entre colegas, tendo a Autora comentado, apenas, se os seus clientes não lhe davam gratificações, pois não o via a colocá-las no local indicado, que como se provou, não era a bandeja dos restantes colegas.

  18. É falso, e não se provou, que tenha dito iguais afirmações aos colegas D………… e E……….., como consta da acusação.

  19. A A. não era vista a espiolhar o livro das gratificações, mas a consultar o mesmo, já que, como ficou provado, qualquer trabalhador tem esse direito, até porque as gratificações estão, inclusive, sujeitas a pagamento de imposto sobre os rendimentos.

  20. Também, nada se apurou quanto à acusação respeitante ao seu chefe, Sr. F…………, até porque as referidas colegas, com quem a trabalhadora teria feito o dito comentário, G………… e H…………, nem sequer depuseram em Tribunal.

  21. No entanto, e apesar de não se ter considerado como provado, a verdade é que o Ilustre Tribunal acaba por fazer a sua valoração, ao referir-se "é claro que quanto a esta situação não podemos concluir das palavras da A que imputava ao seu chefe F……….. um procedimento próprio de pessoa dependente de tóxicos, Contudo, reflecte por parte da A. e uma vez mais, a apetência pela maledicência, gerando por certo conflitos entre os colegas.". Ora, se esta acusação não foi provada, nunca poderia a ela o Ilustre Tribunal se referir, muito menos tecer comentários e conclusões, como o acima referido.

  22. Quanto aos factos ocorridos no dia 25/05/2004, a verdade é que quer em sede de processo disciplinar, quer em audiência de julgamento, as testemunhas arroladas pela autora lograram provar e demonstrar que nesse dia os colegas I………., J……… e L………. se encontravam a brincar, dizendo baixinho e com o intuito de enganar a Apelante, as expressões "linha e bingo".

  23. Em sede de acareação, e face ao depoimento contraditório, todas as testemunhas a depor sobre esta matéria, mantiveram as suas posições, as indicadas pela A. no sentido positivo e as indicadas pela R., negando os factos, relembrando-se que o ónus da prova incumbia à R. e, atenta a manifesta oposição entre as versões apresentadas, não se compreende como é que se considerou como provada tal matéria.

  24. A verdade é que a trabalhadora era exemplar no seu trabalho, uma das melhores funcionárias da sala de...

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