Acórdão nº 0635473 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 16 de Novembro de 2006

Data16 Novembro 2006
ÓrgãoCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação do Porto: I.

B………., casada, intentou a presente acção popular, agora com processo ordinário contra C……….. e marido D………., pedindo:

  1. Que seja reconhecida a natureza de caminho público, e consequentemente a dominialidadade pública do caminho identificado nos presentes autos, restituindo-se, assim, à posse pública dos munícipes; b) Que seja considerada abusiva, ilícita e não titulada, a apropriação por parte dos réus do caminho em questão, identificado nos autos; c) Que sejam os réus condenados a restituir ao domínio público o caminho em questão, demolindo o muro em betão e blocos de cimento que erigiram nas extremas do caminho público em questão e retirando o portão de ferro que colocaram na extremidade de tal muro, de modo a colocá-lo na extrema do seu prédio, no local onde desde sempre se encontrou implantado.

    Alega factos dos quais extrai a dominialidade pública do caminho, bem como factos imputáveis aos réus que são violadores dessa dominialidade.

    Os réus contestaram, impugnando o alegado, invocando que a autora não cumpriu os requisitos exigidos por lei constitutivos dos pressupostos de participação procedimental, invocando a ilegitimidade do réu e requerendo o incidente de intervenção da Junta de Freguesia de ………. .

    Replicou a autora, pugnando pela improcedência das excepções, e terminando como na petição inicial.

    Por despacho de fls. 133 foi admitida a intervenção principal provocada da Junta de Freguesia de ………. .

    II.

    Proferiu-se despacho saneador, onde se julgou improcedente a invocada excepção de ilegitimidade do réu; e se entendeu que se verifica estarem cumpridas todas as formalidades exigidas nos arts. 2º, 13º, 14º, 15º e 17º da Lei nº 83/95, de 31 de Agosto. Mais se fixou a matéria assente e a base instrutória.

    Procedeu-se à audiência de discussão e julgamento e foi proferida sentença que decidiu:

  2. Declarar a natureza de caminho público, e consequentemente a dominialidadade pública do caminho identificado nos presentes autos, restituindo-se, assim, à posse pública dos munícipes.

  3. Considerar abusiva, ilícita e não titulada, a apropriação por parte dos réus do caminho em questão, identificado nos autos.

  4. Condenar os réus a restituir ao domínio público o caminho em questão, demolindo o muro em betão e blocos de cimento que erigiram nas extremas desse caminho público e retirando o portão de ferro que colocaram na extremidade de tal muro, de modo a colocá-lo na extrema do seu prédio, no local onde desde sempre se encontrou implantado.

    III.

    Recorreram os RR., concluindo como segue a sua alegação: 1. A principal discordância com o decidido prende-se com a apreciação da prova feita em julgamento e as consequentes respostas aos quesitos.

    1. É que estas respostas não traduzem fielmente o teor dos depoimentos das testemunhas, nem apreciam criticamente as divergências resultantes destes depoimentos.

    2. Os recorrentes entendem que a decisão da matéria de facto é incorrecta no que tange às respostas dadas aos quesitos 3.º, 13.º, 19.º, 20.º, 22.º, 23.º, 24.º, 26.º, 27.º, 30.º, 31.º, 33.º, 34.º, 36.º, 37.º, 38.º, 40.º, 53.º, 54.º, 55.º, 56.º, que devem ser alteradas.

    3. Por outro lado, em sede de alegações de direito, os RR. invocaram que a acção não reunia todas as condições para a sua procedência, pois sendo esta uma acção popular, os AA. não demonstraram que cumpriram a exigência da exposição circunstanciada ao respectivo órgão autárquico titular do direito (nos termos do disposto no art. 365.º do Cód. Adm.).

    4. Esta questão não foi apreciada pelo julgador, verificando-se a nulidade prevista no art. 668.º/1-d) do CPC.

    5. Mesmo que se entenda que não deveria ter sido apreciada esta questão, não se poderá deixar de verificar que os AA. não cumprem todas as condições da acção popular.

    6. Quanto aos restantes requisitos de procedência da acção, importa considerar que, para que um caminho seja considerado público, deverá reunir as seguintes características: uso directo e imediato do público desde tempos imemoriais, afectação à utilidade pública, ou seja, à satisfação de interesses colectivos de certo grau de relevância; características que o caminho não reúne.

    7. O caminho em causa não tem sido utilizado pelo público desde tempos imemoriais, pois, quando muito, era usado pelo público há mais de 50 anos.

    8. Mesmo que se entenda que está provado um uso desde tempos imemoriais não se poderá considerar tal uso destinado à satisfação de fins de utilidade pública comum relevantes.

    9. Para se decidir da relevância dos interesses públicos, há que ter em conta o número normal de utilizadores e a importância que o fim visado tem para estes utilizadores.

    10. Embora se possa admitir um número elevado de utilizadores, há que considerar que o fim visado não tem grande relevância para os mesmos (com excepção dos AA. que confrontam com o caminho em causa).

    11. Pois sendo quer as zonas a sul e nascente dos prédios em questão e o ribeiro (que hoje já não existe) servidos por outra estrada (mesmo nos tempos antigos) que hoje se encontra alcatroada, a única finalidade do caminho em causa era colocar roupas a secar e a corar ao sol e dar acesso aos prédios dos AA. e do R. Finalidade que não pode ser considerada relevante.

    Pedem a revogação da sentença.

    A A. contra-alegou, pedindo a confirmação do julgado.

    Corridos os vistos legais, cumpre decidir.

    IV.

    Factos considerados provados na sentença: 1) No ………., freguesia de ………., concelho de Vila Nova de Famalicão, existe um prédio urbano constituído por edifício destinado a habitação (A).

    2) Tal prédio confronta do Norte com linha férrea, do Nascente com C………. (B).

    3) O prédio referido em "1" e "2" encontra-se inscrito na matriz predial urbana sob os artºs. 51.º e 349.º (1.º).

    4) E descrito na Conservatória do Registo Predial deste concelho sob o nº. 38.593 (2.º).

    5) E confronta do Sul e Poente com caminho público (3.º).

    6) O prédio a que se vem de aludir foi adquirido pela autora por doação titulada por escritura pública, lavrada a 15 de Fevereiro de 1980, exarada de fls. 96, do livro de escrituras Diversas B-98 do Primeiro Cartório Notarial de V. N. Famalicão (4.º).

    7) Quer por si, quer por antepossuidores e anteriores proprietários, há mais de 5, 10, 15 e 20 anos que a autora está na posse do indicado prédio, aí habitando ou arrendando-o, colhendo os frutos e rendas, venerando a casa e quintal, pagando as respectivas contribuições, sempre à vista de todos, nomeadamente vizinhos, sem oposição ou embaraço de quem quer que seja, e na convicção de exercer um direito próprio, sem prejudicar ninguém, e em tudo se comportando como dona e por todos como tal sendo considerada, sendo que a sua posse sempre foi pública, pacífica, contínua e de boa fé (5.º).

    8) Pretendendo submeter o prédio atrás referido ao regime de propriedade horizontal instruiu a autora pedido de viabilidade nos serviços camarários da Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão, pedido esse que foi autuado com o numero de processo …./94 (6.º).

    9) Tendo obtido merecimento a viabilidade solicitada, requereu a Autora que a Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão lhe certificasse a existência de condicionantes legais e fiscais para a submissão de tal prédio ao dito regime de propriedade horizontal (7.º).

    10) Posteriormente ao deferimento da viabilidade pretendida, iniciou então a autora todos os trâmites processuais para a obtenção da respectiva licença, elaborando os respectivos projectos para instruir o pedido de licenciamento (8.º).

    11) Previa esta a existência de quatro fracções autónomas, correspondentes a outras tantas habitações, sendo que cada uma delas ficaria servida pelo logradouro respectivo (9.º).

    12) O acesso ao referido logradouro far-se-ia por caminho interior paralelo a toda a confrontação nascente do prédio em causa (10.º).

    13) Sendo que, o seu acesso para a via pública se faria, por seu turno, por entrada sita no topo sul do prédio (11.º).

    14) Ou seja, directamente conducente ao caminho existente no topo ou extrema sul do prédio da autora (12.º).

    15) Atendendo a que, conforme referido, a submissão ao regime de propriedade horizontal ficou condicionada à implantação de uma entrada para a via pública (13.º).

    16) A autora no seguimento da deliberação camarária requereu o licenciamento para a abertura de um portão para o referido caminho existente a sul do prédio que se vem de referir (14.º).

    17) O licenciamento da referida entrada carral, foi deferido (15.º).

    18) E, em consequência, foi emitido o alvará de construção nº. ……. (16.º).

    19) No seguimento de tal alvará, procedeu pois a autora à construção do portão destinado a entrada carral, portão esse implantado na extrema sul do seu prédio, e que fazia passagem para o caminho aí existente (17.º).

    20) O caminho que se vem de referir, confronta em toda a sua extensão com a extrema sul do prédio da autora, tendo o seu inicio noutro caminho sito a poente, vai desembocar no prédio pertença dos réus, conforme melhor se constata por planta junta aos autos (18.º).

    21) O caminho em referência, desde há tempos imemoriais e pelo menos há mais de cinquenta anos tem sido usado pelo público em geral, e em particular por todos quantos pretendem dirigir-se para prédios limítrofes e outras zonas a sul e nascente dos prédios em questão (19.º).

    22) Era o caminho em causa utilizado por todos quantos se deslocavam para um ribeiro existente a nascente, onde era uso proceder-se à lavagem de roupas por gentes de E………. (20.º).

    23) Nesse mesmo caminho, era uso colocar-se roupas a secar e a corar ao sol (21.º).

    24) Tal caminho, sempre foi referenciado como caminho público, e por todos como tal considerado e utilizado (22.º).

    25) Sempre foi referenciado como caminho público ou caminho vicinal, sendo exemplo dessa circunstância a menção do mesmo, quer em escrituras públicas, quer em extractos de inscrições registrais (23.º).

    26) Vêm os réus ocupando abusivamente o caminho em questão (24.º).

    27) A ré mulher erigiu, no caminho que se vem de referir...

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