Acórdão nº 0633968 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 19 de Outubro de 2006

Data19 Outubro 2006
ÓrgãoCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação do Porto: I - RELATÓRIO.

  1. B…….. instaurou, no Tribunal da Comarca de Penafiel, a presente acção declarativa, com forma de processo sumário, contra C…….. e esposa D…….. e Junta de Freguesia de Vila Cova, pedindo a condenação dos RR. a: a) reconhecer o seu direito de propriedade sobre os prédios rústicos identificados nos artºs 1º e 14º da petição inicial; b) reconhecer o seu direito de propriedade sobre o caminho identificado nos artºs 9º a 23º da petição inicial; c) reconhecer o seu direito de propriedade sobre a água e presa mencionadas nos artºs 33º a 38º da petição inicial; d) repor o leito do referido caminho, no estado anterior à intervenção de ambos, removendo o alcatrão e repondo o rego nele existente; e) repor os prédios identificados nos artºs 1º e 2º da petição inicial, no estado anterior aos actos referidos nos artºs 30º a 32º, removendo o alcatrão das porções de terreno neles identificadas e a f) repor a presa, o rego e talhadouro, invocados nos artºs 33º a 37º da petição inicial, no estado anterior ao ilícito invocado nos artºs 38º e 40º, refazendo a parede da presa que destruíram, bem como o rego e talhadouro.

    Alega para tanto, em resumo, que é dono e legítimo possuidor dos prédios rústicos que identifica nos artºs 1º e 14º da petição e os 1ºs RR. donos e legítimos possuidores do prédio rústico identificado no artº 5º da petição, e que, para sul do caminho público que liga o lugar de …….. a ……., existe um outro caminho, que lhe pertence e foi construído pelos seus antepossuidores, bem como os aquedutos de água de consortes que o atravessam em vários pontos, e que se encontra situado, numa extensão de 142 m, nos seus prédios.

    Mais aduz que outros seus antepossuidores construíram um pontão em betão sobre o referido caminho, bem como a ramada que sobre ele existe, tendo sido sempre ele, e antes os seus antepossuidores, quem nele fez todas as obras necessárias à sua conservação e limpeza.

    Os 1ºs RR., sem o seu consentimento e conhecimento, em finais do ano de 2001, alargaram uma abertura que tinham para esse caminho e todos os RR. pavimentaram, com alcatrão, a porção de terreno que se encontra em frente à mesma, destruindo um rego de consortes, que aí se desenvolvia no sentido norte/sul e cuja utilização estava obrigado a assegurar, uma vez que parte do referido caminho, se situa num dos seus prédios.

    Também nessa altura, os RR. alargaram o caminho público supra referido à custa de três dos seus prédios, numa largura que varia entre 0,80 m e 1 m em dois dos seus prédios e de 0,50 m num deles, numa extensão de 22 m, que cobriram com alcatrão.

    Invoca ainda a existência de uma presa de águas num dos seus prédios, que armazena a água que aí nasce e se destina à rega de vários prédios de vários consortes, sendo um deles seu, num sistema de distribuição com os demais consortes da água estabilizado há mais de 20/30 anos, na frente de todos, sem oposição de ninguém, de forma ininterrupta, na ignorância de lesar interesses de terceiros e na convicção de exercer um direito próprio, água que sempre foi conduzida desde a presa até aos seus prédios através de um rego aberto no caminho já referido, e, com o alargamento do caminho público efectuado pelos réus, estes destruíram parte da parede sul da presa, que se encontra destruturada e em risco de ruir, RR. que, ao destruírem o rego da água, entubaram-na a um nível superficiário inferior ao dos terrenos que devia regar e destruíram um talhadouro, impedindo-o assim de regar os seus prédios 2. Citados os RR., contestaram e, concluindo pela improcedência da acção e consequente absolvição do pedido, alegam, também em resumo: Os RR. C………. e mulher: Ambos os caminhos são públicos, sendo a co-ré Junta de Freguesia que procede à limpeza dos mesmos há mais de 100 anos e que, em alguns troços, calcetou, empedrou e alcatroou, tal como ocorreu em 2001, altura em que alcatroou parte do caminho que se situa em frente à entrada do prédio de ambos e, através de um aqueduto, ligou as águas da presa que se situa no prédio do autor, para o lado oposto do caminho, sem que tal tenha causado prejuízo a qualquer dos seus consortes; - Alargaram a entrada para o seu prédio, não tanto como o autor alega mas autorizados pela R. Junta de Freguesia.

    A R. Junta de Freguesia de Vila Cova: - Ambos os caminhos são públicos, ligando várias povoações entre si, razão pela qual efectuou diversos trabalhos de limpeza no caminho que o A. diz ser de servidão e aproveitou para canalizar a água de consortes proveniente da presa situada no prédio do autor e reforçar as paredes desta.

    - O caminho que o A. diz pertencer-lhe é ladeado de paredes de suporte aos prédios que o marginam e que em grande parte se encontram a um nível superior, existindo no seu leito um rego de consortes e, sensivelmente a meio, um tanque que até há pouco tempo serviu de lavadouro público e onde as pessoas iam buscar água para abastecimento das suas casas, e no segmento final desse caminho existe um edifício conhecido por desnatadeira, onde os produtores depositavam o leite, utilizando para tanto o mesmo e em ambos os sentidos.

  2. Respondeu o A. autor e, reafirmando o alegado na petição, sustenta que o caminho que diz pertencer-lhe não é nem nunca foi público, uma vez que nunca esteve no uso directo e imediato do público, e se alguém lá passou alguma vez, fê-lo isolada e esporadicamente.

  3. Foi proferido despacho saneador que, depois de afirmar a validade e regularidade da instância, declarou a matéria assente e elaborou base instrutória, que se fixaram sem reclamações, após correcção da redacção dada ao artº 19º da base instrutória.

  4. Teve lugar audiência de julgamento, precedido de inspecção judicial ao local, a que se procedeu com gravação e observância do formalismo legal, no decurso da qual, após ter junto, e ter sido admitido, um documento - acta da sessão da Junta de Freguesia de Vila Cova de 30 de Dezembro de 1968 (fls. 385 e 386) -, foi indeferido o requerimento da R. Junta de Freguesia no sentido de, ao abrigo do disposto no artº 645º, nº 1, do CPCivil, ser ouvido quanto às obras e local nela referidos um dos elementos mencionados na acta, o Sr. E………, que se encontrava no exterior da sala de audiências.

  5. Desse despacho de indeferimento agravou a R. Junta de Freguesia que, nas respectivas alegações, formulou as seguintes conclusões: 1ª: Pretende o A. que a Junta de Freguesia de Vila Cova seja condenada a reconhecer que é particular um dos caminhos que identifica na petição inicial como sendo propriedade sua.

    1. : Ao invés, a junta de Freguesia sustenta que tal caminho deverá ser classificado como público, não só por se encontrar no uso directo e imediato do público há mais de 100 anos mas porque sobre ele exerceu actos de arranjo, conservação e limpeza do leito desse caminho.

    2. : Pergunta-se no nº 75 da B.I. se há mais de 100 anos a Junta de Freguesia vem consertando, conservando e limpando esse caminho.

    3. : O nº 75 da B.I. contém matéria decisiva para o conhecimento do mérito da causa, uma vez que continua a haver quem sustente que não basta provar-se que um certo caminho se encontra no uso directo, imediato e imemorial das pessoas para que possa ser classificado caminho público, exigindo-se ainda a prova de que se encontra sob a jurisdição e administração de uma entidade pública.

    4. : No decorrer da audiência de julgamento a testemunha F………, última testemunha da ré ouvida, referiu que o senhor E……., que identificou como antigo membro da Junta de Freguesia de Vila Cova, o tinha informado que o caminho em questão nos autos tinha sido mandado reparar pela Junta no ano de 1968.

    5. : Na anterior sessão, a ré, ora recorrente, tinha pedido a junção aos autos da fotocópia da acta da reunião da Junta de Freguesia de Vila Cova, datada de 30.12.1968, onde se referia a despesa efectuada nas obras do caminho da calçada.

    6. : No entender da ré, era não só pertinente como importante ouvir-se o ex-secretário da Junta de Freguesia que tinha subscrito a dita acta e se encontrava no exterior da sala de audiências.

    7. : Até porque não podia invocar-se redução de direitos da parte contrária, nomeadamente o direito ao contraditório que poderia ser plenamente exercido.

    8. : Assim o não entendeu a Mmª Juíza "a quo", invocando razões que, em nosso entender, não se justificam à face do disposto no artº 645º, nº 1, do C.P.C., como seja aquela que se relaciona com a prolacção do prazo para a apresentação dos róis de testemunhas, ou se afiguram inoportunas, como seja os juízos de valor sobre a credibilidade dos depoimentos que seriam admissíveis em sede de fundamentação da prova.

    9. : Indeferindo-se o requerimento feito pela ré Junta de Freguesia, ora recorrente, violou-se o disposto no nº 1 do artº 645º do C.P.C..

    Termos em que deve ser dado provimento ao recurso, fazendo-se baixar o processo para inquirição de um dos subscritores da acta junta a fls. 385 e 386, o aí identificado Secretário da Junta de Freguesia.

  6. Contra-alegou o A. no sentido de ser negado provimento ao agravo e foi proferido despacho de sustentação.

  7. Não tendo as respostas dadas à matéria de facto da base instrutória sido objecto de censura, veio a ser proferida sentença que, após rectificação...

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