Acórdão nº 0612319 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 18 de Outubro de 2006

Magistrado ResponsávelMANUEL BRAZ
Data da Resolução18 de Outubro de 2006
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação do Porto: No .º juízo do Tribunal Judicial da comarca de Valongo, foram os arguidos B………. e "C………., SA" submetidos a julgamento e condenados, pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal p. e p. pelo artº 105º, nº 1, do RGIT, aprovado pela Lei nº 15/2001, de 5/6, o primeiro: -na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 anos, sob a condição de, nesse período, pagar ao Estado a quantia de € 45.561,57; a segunda: -na pena de 350 dias de multa a € 25,00 por dia.

Da sentença que assim decidiu interpôs recurso o arguido B………., sustentando, em síntese, na sua motivação: -O tribunal recorrido errou ao dar como provado -que a sociedade arguida, através do arguido B………., procedeu à retenção dos montantes indicados nos nºs 10 e 12 da descrição dos factos; -os factos descritos sob os nºs 13, 16 e 17.

-Como errou ao considerar não provado que -a partir da data em que foi celebrado o denominado contrato de cessão de exploração comercial a sociedade arguida tivesse deixado de ter quaisquer receitas ou sequer contas bancárias em seu nome; -a C………., SA não possuísse qualquer receita no período referido nos autos; -o apoio de tesouraria solicitado ao banco o fosse todos os meses; -os administradores da D………., SA, designadamente o arguido, tivessem sempre de deixar cheques pessoais em branco, ou livranças por si avalizadas como garantia de tais financiamentos.

-Não se fez prova do dolo. Nenhuma testemunha o referiu e o recorrente não o confessou.

-Houve erro notório na apreciação da prova.

-Foi violado o princípio in dubio pro reo.

-Não foi cometido o crime de abuso de confiança fiscal.

-A entender-se que os factos preenchem o tipo legal de abuso de confiança fiscal, sempre haveria de considera-se excluída a ilicitude, por se desenhar um conflito de deveres.

-Ou a culpa, nos termos do artº 35º, nº 2, do CP.

-A haver condenação deve ser em pena de multa.

-De qualquer modo é excessiva a medida da pena de prisão fixada.

-Deve haver atenuação especial da pena.

-A norma do artº 14º do RGIT é inconstitucional.

O recurso foi admitido.

Respondendo, o MP na 1ª instância defendeu a manutenção da sentença recorrida.

Nesta instância, o senhor procurador-geral-adjunto foi de parecer que o recurso não merece provimento.

Colhidos os vistos e realizada a audiência, cumpre decidir.

Foram dados como provados os seguintes factos (transcrição): 1. A sociedade arguida, pessoa colectiva n.º ……….., constitui-se por escritura pública e teve a sua sede na ………., ………., Valongo, tendo por objecto social o fabrico de tecidos, malhas, tinturaria, estamparia e acabamentos.

  1. A 24 de Abril de 1991, a sociedade arguida firmou com a empresa "D………., S.A." um contrato-promessa de cessão de exploração, por documento particular, através do qual a primeira prometeu ceder à segunda a exploração do seu estabelecimento industrial por um prazo de cinco anos a contar de 1 de Maio desse ano, renovando-se o mesmo, salvo comunicação em contrário, de forma tácita e por períodos de cinco anos.

  2. Mais ficou acordado que a "D………., S.A." pagaria à sociedade arguida um preço equivalente ao valor das remunerações mensais dos trabalhadores a si afectos, e que seriam da sua responsabilidade o pagamento de todas as contribuições, impostos, taxas e coimas relativas ao período de vigência do contrato de cessão, bem como os consumos de electricidade e água, as despesas de telecomunicações e os prémios de seguro referentes a igual período.

  3. Os trabalhadores afectos ao estabelecimento cedido mantiveram-se juridicamente subordinados à cedente, continuando a ser considerados como trabalhadores dela.

  4. O respectivo contrato definitivo nunca chegou a ser registado, tendo a sede da "D………., S.A." sido alterada para a da sociedade arguida, com registo datado de 29 de Janeiro de 1993.

  5. A administração de facto e de direito da empresa arguida ficou a cargo do arguido B………., que também o era da "D………., S.A.", pelo menos desde 31 de Março de 1993.

  6. Pelo menos a partir desta data e até 1998 a contrapartida da referida cessão de exploração era prestada pela "D………., S.A." através do pagamento directo aos trabalhadores afectos à sociedade arguida das suas remunerações mensais.

  7. A sociedade arguida continuou a manter contabilidade própria, sendo que os recibos entregues aos trabalhadores continuaram a manter a sua designação.

  8. A sociedade arguida, na qualidade de sujeito passivo de obrigações fiscais, mostrava-se, pelo menos entre os anos de 1993 a 1999, colectada pela 2.ª Repartição de Finanças de Valongo, pela actividade de "tecelagem, estamparia, acabamentos de algodão".

  9. A sociedade arguida, através do arguido B………., fazendo constar da documentação emitida os montantes legalmente destinados a deduções de IRS, categoria A, rendimentos do trabalho dependente, procedeu à sua retenção nos seguintes períodos e montantes, apropriando-se globalmente, a tal título, da quantia de 8.248.410$00, conforme a seguir se discrimina: . 1.º trimestre de 1994 - 492.260$00; . 2.º trimestre de 1994 - 486.570$00; . 3.º trimestre de 1994 - 496.600$00; . Out/Nov de 1994 - 512.550$00; . Dezembro de 1994 - 336.920$00; . Janeiro de 1995 - 169.810$00; . Fevereiro de 1995 - 123.850$00; . Março de 1995 - 156.890$00; . Abril de 1995 - 156.000$00; . Maio de 1995 - 172.350$00; . Junho de 1995 - 150.270$00; . Julho de 1995 - 153.300$00; . Agosto de 1995 - 311.760$00; . Setembro de 1995 - 155.710$00; . Outubro de 1995 - 153.580$00; . Novembro de 1995 - 154.230$00; . Dezembro de 1995 - 314.390$00; . Janeiro de 1996 - 152.790$00; . Fevereiro de 1996 - 155.630$00; . Março de 1996 - 157.460$00; . Abril de 1996 - 121.010$00; . Maio de 1996 - 158.490$00; . Junho de 1996 - 158.560$00 . Julho de 1996 - 314.150$00; . Agosto de 1996 - 157.300$00; . Setembro de 1996 - 159.640$00; . Outubro de 1996 - 154.920$00; . Novembro de 1996 - 158.280$00; . Dezembro de 1996 - 317.140$00; . Janeiro de 1997 - 155.270$00; . Março de 1997 - 158.210$00; . Abril de 1997 - 161.320$00; . Maio de 1997 - 169.970$00; . Junho de 1997 - 166.160$00; . Julho de 1997 - 164.590$00; . Agosto de 1997 - 301.430$00; . Setembro de 1997 - 222.620$00; . Outubro de 1997 - 128.380$00; . Novembro de 1997 - 126.230$00.

  10. Das discriminadas quantias foi pago à Fazenda Nacional o valor de 168.280$00.

  11. Igualmente, a sociedade arguida, através do arguido, seu representante legal, fazendo constar da documentação emitida e referente a salários pagos aos trabalhadores daquela os montantes legalmente destinados a deduções reportadas a Imposto de Selo, procedeu à sua retenção, no montante global de 885.372$00, no períodos e pelos montantes a seguir discriminados: . 1.º trimestre de 1993 - 46.083$00; . 2.º trimestre de 1993 - 52.559$00; . 3.º trimestre de 1993 - 47.956$00; . Out./Novembro de 1993 - 26.671$00; . Dezembro de 1993 - 26.924$00; . 1.º trimestre de 1994 - 40.304$00; . 2.º trimestre de 1994 - 40.320$00; . 3.º trimestre de 1994 - 40.706$00; . Out../Nov. de 1994 - 40.999$00; . Janeiro de 1995 - 13.426$00; . Fevereiro de 1995 - 12.990$00; . Março de 1995 - 13.428$00; . Abril de 1995 - 12.923$00; . Maio de 1995 - 12.899$00; . Junho de 1995 - 12.200$00; . Julho de 1995 - 12.325$00; . Agosto de 1995 - 26.609$00; . Agosto de 1995 - 26.609$00; . Setembro de 1995 - 12.579$00; . Outubro de 1995 - 12.710$00; . Novembro de 1995 - 12.772$00; . Dezembro de 1995 - 27.225$00; . Janeiro de 1996 - 13.357$00; . Fevereiro de 1996 - 13.418$00; . Março de 1996 - 13.746$00; . Abril de 1996 - 14.551$00; . Maio de 1996 - 14.616$00; . Junho de 1996 - 14.156$00; . Julho de 1996 - 28.047$00; . Agosto de 1996 - 13.921$00; . Setembro de 1996 - 13.495$00; . Outubro de 1996 - 13.158$00; . Novembro de 1996 - 13.394$00; . Dezembro de 1996 - 27.332$00; . Março de 1997 - 13.589$00; . Abril de 1997 - 13.947$00; . Maio de 1997 - 13.992$00; . Junho de 1997 - 13.931$00; . Julho de 1997 - 14.085$00; . Agosto de 1997 - 26.993$00; . Setembro de 1997 - 15.192$00; . Outubro de 1997 - 4.638$00; . Novembro de 1997 - 4.597$00.

  12. Ao não entregar ao Estado os montantes acima discriminados, o arguido apoderou-se de dinheiros devidos a este último, afectando-o a necessidades da sociedade arguida, designadamente ao pagamento dos salários dos respectivos trabalhadores.

  13. As quantias supra referidas não foram entregues nos cofres do Estado na data em que o deveriam ter sido, nem posteriormente.

  14. A empresa arguida foi declarada falida por sentença transitada a 11 de Junho de 1999, proferida nos autos de recuperação de empresa n.º …/98 que deu origem ao Proc. ../99 do ..º Juízo do Tribunal de Comércio de Vila Nova de Gaia.

  15. O arguido agiu de acordo com uma decisão previamente tomada e que assentava no propósito de manter a laboração da sociedade arguida, designadamente, através do pagamento dos salários aos trabalhadores, ainda que com sacrifício dos pagamentos devidos ao Estado.

  16. O arguido B………. actuou, em qualquer ocasião, em nome e no interesse da sociedade arguida, enquanto legal representante da mesma, e de forma livre, voluntária e conscientemente.

  17. E fê-lo com o intuito de obter...

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