Acórdão nº 0546987 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 27 de Setembro de 2006

Magistrado ResponsávelJORGE JACOB
Data da Resolução27 de Setembro de 2006
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acordam em audiência no Tribunal da Relação do Porto: I - RELATÓRIO: Por acórdão proferido nos autos de processo comum nº …../04.4GDVNG, da ….ª Vara de Competência Mista do Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia, foi julgada improcedente a acusação deduzida contra o arguido B……. e, consequentemente, foi este absolvido do crime de homicídio de que estava acusado.

Foi ainda julgado improcedente o pedido de indemnização civil formulado pela assistente e o arguido dele foi absolvido.

Inconformada, a assistente interpôs recurso, retirando da respectiva motivação as seguintes conclusões: 1 - Não se conforma a recorrente com a qualificação jurídica conferido aos factos, 2 - porquanto as contradições verificados no Acórdão recorrido são um indício incontestável da imperfeita convicção do Tribunal.

3 - Entende a recorrente que o meio utilizado pelo arguido não foi o meio necessário, racional, único e adequado à defesa; 4 - Pelo que não se verifica, assim, a legítima defesa como causa excludente da ilicitude - art. 32º do C.P.

5 - Motivo pelo qual deve o arguido ser condenado no crime de homicídio, previsto e punido pelo art. 131º do C.P., 6 - assim como no pedido de indemnização civil por danos não patrimoniais requerido pela assistente, aqui recorrente, no valor global de 50.000,00 €, sob pena de se verificar o abuso do direito - art. 334º do C.C.

7 - Sem prescindir, e a aferir-se a verificação dos pressupostos da legítima defesa, entende a recorrente ter sido excessivo e desproporcional o meio empregue pelo arguido, 8 - pelo que deve o arguido ser condenado, nos termos do art. 33º, nº 1 do C.P., por excesso intensivo de legítima defesa, bem como a indemnizar a recorrente, pelos danos não patrimoniais provocados na vítima e na assistente aqui recorrente, no valor global de 50.000,00 € .

O arguido respondeu, pugnando pela improcedência do recurso e pela condenação da recorrente como litigante de má fé.

Na sua resposta, o Exmº Procurador Adjunto pugnou pela improcedência do recurso.

Nesta instância, o Exmº Procurador Geral Adjunto emitiu parecer pronunciando-se também pela improcedência do recuurso.

Foram colhidos os vistos legais e realizou-se a audiência.

Segundo a jurisprudência corrente dos tribunais superiores, o âmbito do recurso afere-se e delimita-se pelas conclusões formuladas na respectiva motivação, sem prejuízo do que deva ser oficiosamente conhecido.

No caso vertente, as questões a decidir são as seguintes: - Contradição entre a fundamentação e a decisão; - Erro de direito na qualificação jurídica dos factos; - Necessária procedência do pedido de indemnização civil, sob pena de verificação de abuso de direito.

* II - FUNDAMENTAÇÃO: No acórdão recorrido tiveram-se como provados os seguintes factos:

  1. No dia 14 de Janeiro de 2004, pelas 23 horas, o arguido encontrava-se a dormir no quarto, onde igualmente dorme a sua mãe, nas traseiras da mercearia situada no r/c de uma residência, na Rua ……., n.º…./…., em ……, Vila Nova de Gaia, quando foi acordado pela progenitora por esta ter pressentido barulho de alguém no exterior a mexer na janela do quarto que dista para o quintal.

  2. Pensando que estava prestes a ser vítima de um assalto, o arguido logo se muniu de uma arma caçadeira, da marca Félix Sarasqueta, de 12 mm, com dois canos sobrepostos, n.° T4387, para a qual tem Autorização Permanente de detenção na habitação, devidamente Manifestada e Registada, que se encontrava junto a um móvel do quarto.

  3. Municiou-a com dois cartuchos, que retirou da cartucheira que também estava guardada no dito móvel, e, sem acender as luzes, percorreu as divisões da casa.

  4. Chegado à "loja do vinho", o arguido verificou que, apesar de a grade exterior da janela estar intacta, a janela estava aberta, não obstante o arguido a ter fechado antes.

  5. O arguido dirigiu-se, depois, à cozinha, que igualmente se situa no piso térreo, abriu uma janela e, através dela, efectuou dois disparos para o ar, com o propósito de afugentar os intrusos.

  6. Disparos esses que foram audíveis na vizinhança da residência.

  7. De seguida, sempre sem acender qualquer luz, voltou a carregar a caçadeira com dois cartuchos, retirados da cartucheira que trazia atravessada ao peito.

  8. Nesse instante, a sua mãe ouviu barulhos vindos da janela do quarto de dormir e apercebeu-se de que a grade exterior da janela não estava intacta, tendo começado a gritar, dizendo "eles estão a entrar".

  9. Ouvindo os gritos da mãe, o arguido regressou ao quarto de dormir e, detendo-se junto da porta do quarto, de frente para a janela e, porque continuasse a ouvir movimentos vindos do exterior da janela, efectuou dois disparos na direcção de onde provinha o ruído e a uma distância de cerca de dois metros.

  10. A actuação do arguido referida em i) foi desenrolada num estado de pânico e medo, em que o arguido desconhecia qual a quantidade e qualidade dos potenciais agressores, bem como quais as suas reais intenções, tendo receado pela sua integridade física e pela sua vida e pelas de sua mãe, bem como pela invasão do seu domicílio e pela subtracção dos seus bens.

  11. Com a conduta referida em i) o arguido quis defender a sua vida e integridade física e as de sua mãe, bem como defender o seu domicílio e os seus bens.

  12. Os disparos referidos em i), depois de partirem parte do vidro da janela, vieram atingir C…… no peito e na perna direita.

  13. Nessa altura, o C…… encontrava-se junto à janela pela parte de fora a tentar arrombá-la mediante o uso de uma serra em ferro e de uma lima de unhas em forma de lâmina, cuja grade que a protegia tinha estroncado.

  14. Em resultado dos disparos, o C……. sofreu as lesões traumáticas torácicas, descritas no relatório de autópsia de fls. 112 e segs., cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido, nomeadamente, múltiplas lesões pérfuro-contusas com medidas variadas de 0,5 a l cm de diâmetro, na região anterior e mediana do tórax; outras com a forma ligeiramente elíptica com a dimensão de 3,5 por 2,5 cm e ainda outras lesões pérfuro-contusas medindo 2,5 por 1,5 cm na face lateral do hemitórax direito, ligeiramente abaixo da linha axilar anterior e ao nível da linha transversal do mamilo que teve a sua entrada na face póstero-lateral do terço médio do braço direito, tendo sido estas últimas lesões traumáticas que lhe provocaram a morte...

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