Acórdão nº 0631637 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 13 de Julho de 2006

Magistrado ResponsávelJOSÉ FERRAZ
Data da Resolução13 de Julho de 2006
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação do Porto I. No processo de insolvência (proc. …./04, do …º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Santo Tirso) de B……., Lda, e declarada a insolvência, por sentença de 28/01/05, pelo Instituto da Segurança Social, I.P., foram reclamados, para verificação e graduação, os créditos: A - como créditos comuns: - € 106.830,22, de contribuições devidas à segurança social, referentes aos meses de Fevereiro a Junho de 1995, Janeiro de 1999, Março, Outubro e Novembro de 2000, Março, Junho a Setembro de 2001, Março a Dezembro de 2002, e Janeiro a Novembro de 2003; - € 36.674,46 de juros de mora e B - como créditos privilegiados: - € 92.609,97, de contribuições devidas pela insolvente à segurança social e relativos aos meses de Dezembro/2003 e Janeiro a Novembro de 2004 (doze meses anteriores ao início do processo de insolvência) e - € 9.702,31 de juros de mora, relativos a essas contribuições em dívida.

Os créditos, como reclamados, foram reconhecidos e foram graduados a seguir ao créditos dos trabalhadores (ou seja, em 2º lugar) os reclamados "ao abrigo do disposto no artº 97º nº 1 do C.I.R.E." (isto é, com privilégio) e os demais como créditos comuns (em 3º lugar) - conforme sentença com certidão a fls. 169/170 destes auto.

Foi pelo Administrador da Insolvência apresentado o Plano de Insolvência que contempla, além de outras medidas, no que respeita aos créditos da Segurança Social, consta do Plano que foi aprovado "a dívida à Segurança Social (…) será paga em 72 prestações mensais sucessivas e iguais, não considerando juros vencidos e vincendos. A primeira prestação vencer-se-á seis meses após o trânsito em julgado da sentença homologatória" e "para garantia do bom pagamento das prestações referidas no ponto anterior deverá ser constituída hipoteca voluntária dos imóveis mencionados na al. a) até ao montante da dívida privilegiada" - prédios identificados a fls. 25 destes autos, sendo um rústico e outro urbano.

Mais consta do plano de insolvência (conforme alteração em assembleia de credores), quanto aos "preceitos legais derrogados [(al. e) do nº 2 do artigo 195 do CIRE)]", e no que respeita às "Dividas do Instituto da Segurança Social propõe que sejam derrogados os preceitos legais que regem a regularização das dívidas à segurança social, nomeadamente o Decreto-Lei 411/91 de 17 de Outubro".

O Plano foi aprovado por 70,39% dos créditos, tendo votado contra a aprovação do plano o IGF - Segurança Social e o Banco C……, pelo que foi homologado pelo tribunal, por decisão de 18 de Agosto de 2005.

Na sequência da publicitação deliberação de aprovação do plano de insolvência, que sofreu alterações na assembleia, a ele não foi feita oposição.

Não consta dos autos autorização de qualquer entidade que "superintende" na segurança social a autorizar a redução ou deferimento do pagamento dos créditos das Instituições de Segurança Social, ou a aprovar o Plano de Insolvência, nos termos em que foi apresentado pelo Administrador da Insolvência.

  1. Inconformado, recorre o Instituto da Segurança Social que, alegando, conclui: "1 - A deliberação que aprovou o pagamento da dívida à Segurança Social nos termos supra mencionados, estabeleceu uma redução e um deferimento de créditos públicos sem expressa autorização da entidade competente para o efeito, como inequivocamente exige o disposto no art. 2º do D.L. 411/91, de 17/10, diploma este que prevê as situações em que excepcionalmente se admite a regularização de dívidas às instituições de segurança social e, como bem decidiu o Acórdão do STJ, de 21/10/98 (in CJ - STJ, 1998, Tomo 3, pág. 259), "a vinculação proveniente da homologação afecta apenas os créditos comuns, ou seja, os créditos não privilegiados, e aqueles que, embora o fossem, renunciaram à garantia e deram a sua adesão à adopção das providências, o que bem se compreende, sob pena de o credor beneficiário perder, afinal, a eficácia da sua garantia" (no mesmo sentido, Carvalho Fernandes e J. Labareda, ob. cit.).

    2 - Os art.s 195º e 197º do C.I.R.E. não permitem ao Sr. Administrador derrogar normas legais imperativas sobre créditos públicos, mormente neste caso quando a deliberação que aprova o pagamento da dívida à Segurança Social estabelece uma redução e um diferimento de créditos públicos, com prejuízo dos privilégios creditórios existentes e sem expressa autorização da entidade competente para o efeito, como inequivocamente exige o disposto no art. 2º do D.L. 411/91, de 17/10.

    3 - Tal interpretação estaria frontalmente contra a intenção do legislador, numa perspectiva histórica e teológica, já que o CIRE manteve a existência de privilégios creditórios da Segurança Social no seu artº 97 sem qualquer ressalva ou excepção.

    4 - Por outro lado, ainda que tal fosse possível, o que só por absurdo se admite, para que os direitos decorrentes de privilégios creditórios fossem afectados pelo plano de insolvência, não bastaria que no plano de insolvência se derrogassem os direitos decorrentes desses privilégios, seria também necessário que tal plano estatuísse expressamente algo em sentido diverso, indicando os preceitos legais derrogados, o âmbito dessa derrogação, o que não se verificou no presente caso, e nunca derrogando dessa forma genérica um diploma inteiro!...

    5 - Mas mesmo com estatuição expressa em sentido diverso, a interpretação dada à al. e) do nº 2 do art. 195º do CIRE, nunca poderia ter essa abrangência, sob pena de ilegalidade e inconstitucionalidade, por violação do princípio da confiança, ínsito no princípio do Estado de direito democrático consagrado no art. 2º da Constituição da República, que princípio postula um mínimo de certeza nos direitos das pessoas e nas expectativas que lhe são juridicamente criadas, censurando as afectações inadmissíveis, arbitrárias ou excessivamente onerosas, com as quais não se poderia moral e razoavelmente contar.

    6 - Assim, não resta outra alternativa, que seja a de se concluir pela inconstitucionalidade do Al. e) do nº 2 do art. 195º do CIRE quando interpretada no sentido de que é permitido derrogar diplomas legais ou normas imperativas.

    Termos em que V.s Ex.as, concedendo provimento ao recurso e alterando, em conformidade, a douta sentença recorrida, farão inteira Justiça." Não foram apresentadas contra-alegações.

    Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

  2. Sendo pelas conclusões das alegações (arts. 684º/3 e 690º/1 do CPC) que se delimita o objecto do recurso, cabe encontrar solução par as questões - a) se é inadmissível, em processo de insolvência, que o plano de insolvência aprovado pela assembleia de credores defina o conteúdo e prazos de pagamento de créditos de que sejam titulares as instituições de segurança social, nomeadamente pela redução dos créditos e diferimento de prazos de pagamento, que contra ele se manifestem, e b) se, na situação de admissibilidade da derrogação de normas imperativas, no que concerne aos privilégios que acompanham esses créditos, para tal suceder se tornaria indicar expressamente os preceitos derrogados e o âmbito da derrogação e c) se a interpretação dada à al. e) do nº 2 do art. 195º do CIRE, nunca poderia ter essa abrangência de derrogar as normas imperativas, no que concerne aos privilégios que acompanham os créditos das segurança social, sob pena de ilegalidade e inconstitucionalidade, por violação do princípio da confiança, ínsito no princípio do Estado de direito democrático consagrado no art. 2º da Constituição da República.

  3. Em análise da primeira questão - Os factos a atender para a decisão são os que constam relatados no ponto I do relatório, a que aqui se atende para os...

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