Acórdão nº 298/2000.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 26 de Junho de 2007

Magistrado ResponsávelBARATEIRO MARTINS
Data da Resolução26 de Junho de 2007
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra: I – Relatório A...

e mulher B...

, residentes na Rua ......, Ílhavo, intentaram a presente acção declarativa, com processo ordinário, contra C.... (entretanto falecido e devidamente habilitado) e mulher D....

, residentes na Rua ......, Aveiro; contra E....

e mulher F....

, residentes na Rua ......, Ílhavo; e contra G..... , com sede na Rua ......., Aveiro, pedindo que os Réus “sejam condenados” a reconhecer: a) que nas escrituras públicas de compra e venda outorgadas em 5 de Junho e 23 de Outubro de 1997 foram declarados preços superiores aos reais; b) que os preços foram, na realidade, de 12.000 contos relativamente aos 4/6 e de 3.000 contos relativamente ao 1/6 do prédio ali identificado; c) que os AA. têm direito de preferência, fazendo suas as quotas alienadas pelos preços que vierem a ser fixados na sentença a proferir nos presentes autos; d) caso resulte provada a simulação do preço, aos Autores deverá ser restituída a diferença entre o valor declarado - a depositar à ordem dos presentes autos – e o real; e) em alternativa, no caso de improcedência dos pedidos anteriormente formulados, deverão os Réus ser condenados a reconhecer o direito de preferência dos Autores pelos preços declarados nas escrituras públicas mencionadas nos autos, fazendo suas as quotas alienadas.

Alegaram, em resumo, que o Autor marido adquiriu, por partilhas, 1/6 do prédio urbano destinado a habitação, sito na Barra, Gafanha da Nazaré, inscrito na matriz sob o nº 3372 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Ílhavo, tendo 4/6 ficado a pertencer a C...e 1/6 a E..., seu pai e irmão respectivamente, ora Réus; tendo estes, sem nada lhe comunicarem, procedido à venda das suas quota partes nesse prédio à sociedade Ré, o primeiro por escritura de 05-06-1997 e o segundo por escritura de 23-10-1997, do que o A. só veio a tomar conhecimento na segunda quinzena do mês de Julho de 2000, tendo nessas escrituras sido declarados preços superiores aos reais, para dificultar o seu direito de preferência, que agora pretendem exercer.

A Ré G..., contestou, alegando, em síntese, que o preço real é o que consta das ditas escrituras, importâncias por si efectivamente entregues aos vendedores, sendo que os Autores tiveram conhecimento da venda logo que a Ré adquiriu a parte do pai do Autor marido, tal como da venda ao seu irmão, tendo por isso caducado o eventual direito de preferência que tivessem, além de que ela registou de imediato tais aquisições, o que deu publicidade às mesmas.

Conclui pois pela improcedência da acção.

Os Autores replicaram, mantendo, quanto à caducidade, o já alegado na PI.

Proferido despacho saneador, organizada a matéria factual com interesse para a decisão da causa, instruído o processo e realizada a audiência, o Mm.º Juiz proferiu sentença, em que julgou a acção totalmente improcedente Inconformados com tal decisão, interpuseram os AA. recurso de apelação.

Admitido o recurso, os AA., tendo em vista impugnar a decisão de facto, solicitaram cópia das fitas magnéticas, vindo a constatar que uma cassete – aquela em que estava gravada a sessão de julgamento do dia 18/03/2005 – se havia extraviado, razão porque requereram “a anulação do processado, reiniciando-se a instância com a marcação do julgamento para gravação da prova”.

Após um inicial despacho – em que se considerou que tal requerimento dos AA. foi feito no 3.º dia útil após o termo do prazo e se ordenou que os mesmos procedessem ao prévio pagamento de multa do art. 145.º, n.º 6 – acabou a Ex.ma Juíza da Comarca por julgar verificada a nulidade que, segundo disse, “implica a anulação do julgamento e dos termos subsequentes que dele dependem absolutamente”, ordenando que os autos fossem ao Ex.mo Juiz de Círculo.

Conclusos os autos ao Ex.mo Juiz de Circulo, entendeu o mesmo – por despacho de 04/07/06 – que “(…) a falta de registo desses depoimentos não tem, como não teve, qualquer relevância para a decisão sobre a matéria de facto e para a sentença que foram proferidas pelo (…). Não faria, pois, sentido, a nosso ver, repetir os depoimentos de parte e de todas as testemunhas, bem como os actos posteriores, incluindo o proferir de nova decisão sobre a matéria de facto e nova sentença. A anulação e repetição só deve abranger os actos necessários e aqueles que deles “dependam absolutamente” e não todos os actos subsequentes, caso possam manter-se, tanto mais que deve prevalecer o seu aproveitamento na medida do possível, sendo esta a filosofia subjacente ao citado n.º 2 do citado art. 201.º do CPC. Seria praticar actos inúteis voltar a ouvir as pessoas que prestaram o seu depoimento em audiência estando ele correctamente gravado, o mesmo sucedendo se o tribunal voltasse a ter de proferir despacho sobre a matéria de facto e sentença, quando a sua convicção se alicerçou em provas legalmente produzidas (art. 137.º do CPC).

Afigura-se, assim, como evidente que a repetição de julgamento deve circunscrever-se àqueles de que não existe registo de voz, mas já não aos que se encontram gravados, nem tão pouco há que repetir actos posteriores, nomeadamente o despacho de fixação da matéria de facto e a sentença, já que estes não foram nem estão afectados pela falta desse registo. Essa falta só tem reflexos para a apreciação da matéria de facto pelo Tribunal Superior e não também sobre as ditas decisões proferidas por este Tribunal.

Em consequência, ordenou que se procedesse – o que entretanto foi feito – tão só à repetição dos depoimentos cujo registo magnético se havia extraviado.

Despacho este que os AA. solicitaram fosse “declarado sem efeito”, o que foi indeferido, razão por que os AA. impetraram agravo (fls. 480) do despacho de fls. 458 e daquele outro que se proferiu em 04/07/2006.

Agravo que foi admitido e em que os AA. apresentaram a seguinte alegação: A — O Despacho de fls. 421 e seguintes, considerou que o extravio das cassetes que continham os depoimentos reproduzidos em julgamento, constituía nulidade que implica a anulação do julgamento e dos termos subsequentes absolutamente — decisão de facto a sentença.

B — Tendo a decisão sido comunicada às partes que com ela se conformaram não interpondo o necessário recurso, não pode o Juiz do processo por despacho cronologicamente mais tardio, alterar o sentido e alcance do despacho em causa.

C — De facto, nos termos do art. 666.º, n.° l e 3.º do C.P.C., proferido o despacho fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do Juiz quanto à matéria em causa no mencionado despacho.

D — Pelo que, o despacho do Meritíssimo Juiz de Circulo proferido em 04/07/2006, é manifestamente igual e perfeitamente inútil e, portanto, sem qualquer utilidade processual (art.° 137° do C.P.C.).

E — O despacho de 07/04/206, contrariamente ao decidido não transitou em julgado, considerando que a ele se apuseram as agravantes solicitando esclarecimentos, dentro do prazo que dispunham ou seja no prazo de 10 dias, em conformidade com o disposto no art. 153°, n.°1 do C.P.C.

F — Assim não tendo sido decidido, foram violadas as disposições legais atrás citadas.

Nestes termos (…) deve o presente recurso de agravo merecer provimento e revogados os despachos recorridos e decidindo-se pela manutenção do decidido pelo despacho de fls. 421 e seguintes.

Não foi apresentada qualquer contra-alegação Decidindo o AGRAVO: Foi efectivamente proferido nos autos, pela Ex.ma Juíza da Comarca, um despacho – não o de fls. 421 e ss., mas sim o de 27/06/2006, a fls. 433 – em que se escreveu, julgando-se verificada nulidade que implica a anulação do julgamento e dos termos subsequentes que dele dependem absolutamente, vão os autos ao M.º Juiz de Círculo.

Tal despacho, é certo, não foi impugnado; porém, no contexto em que foi proferido, não lhe pode ser concedida a força vinculativa pretendida.

A questão é a seguinte: Realizado o julgamento pelo Ex.mo Juiz de Circulo sem qualquer irregularidade, decidida a matéria de facto e proferida a sentença, ainda pelo Ex.mo Juiz de Círculo, foi apresentado recurso de apelação pelos AA., constatando-se, então, na fase em que o recurso decorre em 1.ª Instância, que se havia extraviado uma das cassete contendo depoimentos testemunhais.

Sendo a falta de tal cassete susceptível de influir no exame e decisão do recurso e, por via disso, no exame e decisão final da causa, bem configurada foi a situação como de nulidade (art. 201.º, n.º 1, do CPC); no que, aliás, nem há menor divergência ou discussão quer nos autos quer no agravo.

A questão está em saber, a nosso ver, quem é competente para conhecer e declarar tal “nulidade”.

Proferida a sentença, diz o art. 666.º, n.º 1 do CPC ficado esgotado o poder jurisdicional do juiz para a matéria da causa; significa isto que o núcleo fundamental de pronunciamento do tribunal fica esgotado, mantendo, todavia, o juiz o exercício do poder jurisdicional para a resolução de questões marginais, acessórias e secundárias que a sentença pode suscitar.

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