Acórdão nº 733/03.0TAAGD.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 14 de Dezembro de 2006
Data | 14 Dezembro 2006 |
Órgão | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I.
Em processo emergente de acidente de trabalho Proc. nº X...
do Tribunal de Trabalho de Águeda , o autor intentou contra a ré acção pedindo que esta seja condenada a pagar-lhe: a) a quantia de € 5.804,79, a título de indemnização por incapacidade temporária, relativa ao período de 21/9/2003 a 1/7/2004; b) o montante de € 693,05 referente a consultas, despesas médicas e medicamentosas, tratamentos de fisioterapia e viagens que efectuou para cura das lesões sofridas; c) a pensão anual e vitalícia, obrigatoriamente remível, de montante a determinar conforme resultado do exame por junta médica; d) o montante de € 3.123,82, referente ao subsídio por elevada incapacidade permanente, nos termos do artigo 23º da Lei nº100/97, de 13 de Setembro; e) juros de mora à taxa legal, nos termos do artigo 135º do Código de Processo do Trabalho.
Alegou para tanto, em síntese, que é um trabalhador independente que auferia à data do acidente € 776,98 e, no dia 20 de Setembro de 2003, quando procedia às obras de restauro de uma casa de habitação, encontrava-se no telhado, numa pequena plataforma para içar os materiais, a 7 metros de altura, quando caiu ao solo. Como consequência de tal queda, sofreu traumatismo do dorso lombar da bacia e das pernas, bem como feridas inciso-contusas no couro cabeludo e na face, daí lhe resultando I.T.A. de 20/9/2003 a 1/7/2004 e, por fim, uma IPP de 10%.
* Citado para deduzir eventual pedido de reembolso, veio o Centro Distrital de Segurança Social de Aveiro formular pedido no montante de € 2.810,50 – resultante de subsídios de doença, que pagou ao sinistrado desde 20 de Setembro de 2003 a 18 de Setembro de 2004 – acrescido de juros de mora legais até efectivo e integral pagamento.
* Citada, a ré contestou, dizendo, em síntese, que o acidente ocorreu em virtude da violação das regras de segurança e saúde no trabalho. Que estando em curso obras a 7 metros de altura, o autor não fazia uso de um sistema de protecção, colectivo ou individual, adequado, que, se usado, teria evitado o acidente.
Concluiu pela improcedência da acção e a sua consequente absolvição do pedido.
* Prosseguindo o processo os seus regulares termos veio a final a ser proferida sentença que julgou a acção improcedente.
Inconformado, o autor interpôs a presente apelação e, nas correspondentes alegações, apresentou as seguintes conclusões: “1- Vem o presente recurso da douta sentença do Tribunal "a quo" que, julgando a acção improcedente, absolveu a Ré do pedido formulado pelo Autor.
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O recorrente vem arguir as seguintes nulidades da sentença: contradição entre os factos dados como provados; não apurar factos determinantes para a boa decisão da causa, designadamente, se o autor se encontrava a trabalhar em cima de telhado, onde estava colocada a plataforma da qual caiu e se era possível a montagem de cintos de segurança ligados a uma linha de vida inamovível; indevida aplicação de legislação ao acidente sub judice; fundamentação da decisão contra os factos dados como provados.
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Em primeiro lugar o apelante faz referência à contradição entre os factos dados como assentes em 1, 2 e 3 e os factos dados como assentes em 21 do “III- FACTOS PROVADOS”.
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Como é do conhecimento comum e à luz das regras da experiência e, por isso, algo diferente do que se alega no artigo 20 da petição, o autor de modo nenhum podia estar numa grua fixa ao telhado a içar materiais do solo para o 1º andar, uma vez que nenhum telhado permite a fixação de qualquer tipo de grua.
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Os factos dados como assentes em 21 dos Factos Provados correspondem à realidade.
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Assim sendo, e como é do conhecimento e da experiência comum, o autor encontrava-se a içar materiais para a placa/tecto do 1º andar da casa de habitação e a pequena plataforma por onde o autor caiu encontrava-se ao nível daquela placa, do lado de fora da mesma, já que naquela placa iriam ser construídas as empenas, os pilares e a viga de cume para suporte do telhado.
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O autor, aqui apelante, encontrava-se na placa/tecto do I ° andar, por cima da qual iria ser construído o telhado.
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Face aos factos dados como assentes em 24 dos Factos Provados o Tribunal deveria ter apurado se havia qualquer possibilidade de montar cintos de segurança ligados a uma linha de vida inamovível.
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O Meritíssimo Juiz fundamentou a sua decisão no facto de o autor não ter observado as regras de segurança, que também lhe são aplicáveis, previstas no Decretos-Lei nº 441/91, de 14 de Novembro, e nº 155/95, de 1 de Julho, tendo este último no seu artigo 18° mantido em vigor as normas técnicas do Regulamento de Segurança do Trabalho da Construção Civil aprovado pelo Decreto n° 41821, de 11/8/1958, que no seu artigo 44° (que abre o Título III -Obras em telhados) preceitua: " No trabalho em cima de telhados que ofereçam perigo pela inclinação, natureza ou estado da sua superfície ou por efeito de condições atmosféricas, tomar-se-ão medidas especiais de segurança, tais como a utilização de guarda corpos, plataformas de trabalho, escadas de telhador e tábuas de rojo.
§ 2º- Se as soluções indicadas no corpo do artigo não forem praticáveis, os operários utilizarão cintos de segurança providos de cordas que lhes permitam prender-se a um ponto resitente da construção.
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Para de seguida concluir: No entanto, atendendo ao estatuto “híbrido” do sinistrado, basta a inobservância das regras de segurança com negligência simples para excluir a cobertura dos danos pela seguradora laboral”.
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Com o devido respeito, que é muito, de modo nenhum concordamos com a fundamentação do Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo.
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face aos factos dados como assentes em 21 dos Factos Provados e ainda por não ter resultado provado que o autor trabalhava em cima de telhado, de modo nenhum se podia aplicar ao acidente sofrido pelo ora apelante o que preceitua o artigo 44° do Regulamento de Segurança do Trabalho da Construção Civil aprovado pelo Decreto nº 41821, de 11/8/1958.
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Por outro lado, não basta fundamentar “que se mostrava necessário o uso do cinto de segurança”, mas também se havia possibilidade de montagem de cintos de segurança ligados a uma linha de vida inamovível.
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Entendemos ainda que não basta a inobservância das regras de segurança com negligência simples para excluir a cobertura dos danos pela seguradora laboral.
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“Só existe culpa grave descaracterizadora do acidente se existir um comportamento temerário e indesculpável imputável ao trabalhador, devendo essa culpa ser apreciada em concreto” (Ac. Sup. Trib. Just. de 17/2/1999, Colectª Jurisprud.a S.T.J., Ano VII, Tomo 1-1999, pág. 284).
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Acresce ainda que é entendimento jurisprudencial uniforme de que é necessário que o acidente de trabalho resulte de um comportamento temerário, inútil e indesculpável exclusivamente imputável ao sinistrado, para que não dê lugar a reparação, nos termos da alínea b) do nº I da Base VI da Lei 2127, (artigo 7° da Lei nº 100/97, de 13 de Setembro, parêntesis nosso) devendo a culpa do sinistrado ser apreciada, não em relação a um tipo abstracto, mas em concreto, em relação a cada caso particular - entre outros, Ac. do S.T.J. de 19/6/87, B.M.J. 368°, pág. 442.
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Face à ausência de negligência grosseira ou culpa grave por parte do autor, a douta sentença deveria ter sido no sentido de julgar a acção procedente por provada e condenar a ré no pedido formulado pelo autor, devendo ser nesse sentido o Acórdão deste Venerando Tribunal da Relação de Coimbra.
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Caso assim se não entenda, deve revogar-se a douta sentença recorrida, pois fez incorrecta aplicação do direito - artigo 44° do Regulamento de Segurança do Trabalho da Construção Civil aprovado pelo Decreto n° 41821, de 11/8/1958 - e ordenada a repetição do julgamento para produção de prova que o Tribunal considere interessar à boa decisão da causa, designadamente, se o autor se encontrava a trabalhar em cima do telhado, onde estava colocada a plataforma da qual caiu e se era possível a montagem de cintos de segurança ligados a uma linha de vida inamovível.
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Uma vez que a jurisprudência é uniforme nesse sentido: Em processo do trabalho pode produzir-se prova sobre factos não articulados que o tribunal considere interessarem à boa decisão da causa (Ac. RC de 25/2/93, BMJ 424°-747).
I- No processo laboral, pode deduzir-se prova sobre factos não articulados que o tribunal considere relevantes para a boa decisão da causa. II - Assim, o juiz pode servir-se de factos não articulados pelas partes para conhecer as questões que lhe foram colocadas, fazendo-o no uso de um poder que a lei objectiva laboral lhe confere (Ac. RL de 29/1/97:BTE, 2ª Série, nºs 7-8-9/98, pág. 1048).
Nos termos do artigo 66°, n° 1, do Cód. Proc. Trabalho, e diferentemente do estabelecido nos artigos 664° e 668°, n° I, alínea d), do Cód. Proc. Civil, pode no processo de trabalho produzir-se prova sobre factos não articulados que o Tribunal considere com...
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