Acórdão nº 275/2000.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 12 de Dezembro de 2006

Data12 Dezembro 2006
ÓrgãoCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam neste Tribunal da Relação de Coimbra I- Relatório 1. O autor, A...

, veio instaurar contra os réus, B... e sua mulher C...

, acção popular cível, com forma de processo sumário, alegando para o efeito, e em síntese, o seguinte: No lugar de Germinade, freguesia de Carvalhais, do concelho de S. Pedro do Sul, onde o autor reside, os réus procederam à abertura, no subsolo de um pequeno terreno anexo à sua habitação, de um furo artesiano para captação e exploração de águas subterrâneas.

Furo esse que, todavia, atingiu o veio através do qual era (e é) alimentado um chafariz de água ali existente, desde há muito, para abastecimento público, provocando, desse modo, uma acentuada diminuição do caudal da água que chega ao referido chafariz, colocando-o mesmo em iminente risco de estancar ou secar, causando, com tal, grave prejuízo aos habitantes de Germinade.

Pelo que terminou pedindo a condenação dos RR a encravarem ou obstruírem o aludido furo que efectuaram, por forma a não provocar a diminuição do respectivo caudal daquele chafariz.

  1. Na sua contestação os RR, defenderam-se, em síntese, começando por negar a existência de qualquer chafariz público no lugar Germinade que abasteça de água os seus habitantes, sendo que a ‘fonte’ de água existente próximo da casa do A. apenas lançaria, através de um cano de plástico, as águas da chuva que caiem no prédio rústico onde tal “fonte” estaria colocada.

    Todavia, e em qualquer circunstância, negaram que a abertura do furo por si levada a efeito tenha provocado qualquer diminuição do caudal de água, pelo que terminaram por pedir a improcedência da acção.

  2. No despacho saneador afirmou-se a validade e a regularidade da instância, a que se seguiu a elaboração da selecção da matéria de facto, sem que tivesse sido objecto de qualquer censura.

  3. Mais tarde, e após a instrução do processo (que incluiu a realização de uma perícia), teve lugar a realização do julgamento – com a gravação da audiência.

  4. Seguiu-se a prolação da sentença, que, a final e com base no instituto do abuso de direito, julgou a acção improcedente, absolvendo os RR do pedido.

  5. Não se conformando com tal sentença, o A. dela interpôs recurso, o qual foi recebido como apelação.

  6. Nas correspondentes alegações de recurso, o autor concluiu as mesmas nos seguintes termos: “1ª- Para que se verifique e declare a existência de abuso do direito, primordial se torna declarar o direito que se diz exercido de forma ilegítima.

    1. - A simples faculdade concedida a qualquer cidadão, posto que possuidor de requisitos próprios, para defesa de bem ou serviço destinado ao suprimento de carências do meio social, não constituindo direito integrado no património individual de cada um, não é possível quando exercida da aplicação do artº 334 do C. Civil.

    2. - Actuando em representação e na defesa do bem comum, não se apresenta a defender um direito subjectivo próprio com conteúdo económico ou fim social diferente do que legalmente lhe é destinado.

    3. - O particular não é, com efeito, dono do bem ou serviço público que permanece com o seu destino e finalidade.

    4. - A própria defesa destina-se à realização dessa finalidade.

    5. - Não se mostra abusivo o seu exercício, até porque não exorbita da consideração e respeito pela boa-fé, pelos bons costumes ou fim social de tal faculdade.

    6. - Ao reclamar perante os tribunais a observância do disposto no artº 1396 do C. Civil, não podem os moradores de certa povoação, ainda que representados, incorrerem na aplicação do indicado preceito.

    7. - Porque não afirmam ou reclamam um direito, antes intentam preservar um beneficio que retiram do bem, sem que esse bem possa ser considerado propriedade de um ou inclusivamente de todos. Basta-lhes o uso que defendem, para o fim social dele.

    8. - Não é legítimo extrair da conduta exercida em certo processo concluir pelo abuso do direito, sem que tal presunção se apoie e assente em factos ou razões que do processo fiquem a constar.

    9. - Não há nestes autos razões ou factos concludentes da existência de tal excepção.

    10. - A simples presunção pessoal, ainda que de respeitar, não é, de modo algum, a justificar uma conclusão que tem de reunir confiança, credibilidade e justiça.

    11. - É abusiva a presunção do M. julgador.

    Na consequência, a douta sentença que julgou esta causa ofendeu por erro de interpretação e aplicação do disposto no artº 334 do C. Civil.” 8. Contra-alegararam os RR, pugnando pela improcedência do recurso, tendo ainda, à cautela (vg. a titulo subsidiário) e ao abrigo do disposto no artº 684-A do CPC, impugnado a decisão proferida sobre a matéria de facto no que concerne à resposta dada aos quesitos 4º e 5º (defendendo que os mesmos fossem dados totalmente como não provados), levantando ainda a ideia de o A. ser sancionado como litigante de má fé.

  7. Corridos que foram os vistos legais, cumpre-nos, agora, apreciar e decidir.

    ***II- Fundamentação

    1. De facto Pelo tribunal da 1ª instância foram dados como assentes, por provados, os seguintes factos: 1 – O A. é residente no Lugar de Germinade, freguesia de Carvalhais, concelho de S. Pedro do Sul.

    2 – Os Réus são donos de um terreno anexo à sua residência, no Lugar de Germinade, freguesia de Carvalhais, concelho de S. Pedro do Sul, inscrito na matriz sob o artigo 1338.

    3 – No ano de 1999 os Réus abriram no subsolo daquele seu terreno um furo artesiano.

    4 – Tal furo está licenciado pelos serviços do Ministério do Ambiente.

    5 – No Lugar de Germinade existe, pelo menos desde 1928, uma fonte ou chafariz de caudal contínuo, na qual qualquer pessoa ou animal, querendo, pode beber, e que assim tem sido esporadicamente utilizada.

    6 - A água que aflui à fonte ou chafariz referido em 5 provém de nascente subterrânea.

    7 - A construção da estrutura que serve de fonte foi da iniciativa da Câmara Municipal de S. Pedro do Sul.

    8 - Apenas uma captação ininterrupta das águas subterrâneas, através do furo artesiano referido em 3, poderá fazer diminuir o caudal que aflui à fonte referida em 5, à razão de cerca de 4% por cada hora de utilização ininterrupta na habitação e jardim da casa dos Réus, das águas captadas no dito furo artesiano.

    ***B) De direito 1.

    Delimitação do objecto do recurso.

  8. Como é sabido, e constitui hoje entendimento pacífico, é pelas conclusões das alegações dos recursos que se afere e delimita o objecto dos mesmos (cfr. artºs e 684, nº 3, e 690, nº 1, do CPC), exceptuando aquelas questões que sejam de conhecimento oficioso (cfr. nº 2 – finé - do artº 660 do CPC).

    Se é certo que o tribunal deve resolver todas que as questões que lhe sejam submetidas a apreciação (a não ser aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras), todavia, e tal como vem sendo dominantemente entendido, o vocábulo “questões” (referido naquele normativo) não abrange os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, antes se reportando às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, ou seja, entendendo-se por “questões” as concretas controvérsias centrais a derimir...

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