Acórdão nº 1561/2000 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 26 de Setembro de 2000

Magistrado ResponsávelANT
Data da Resolução26 de Setembro de 2000
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

I - A, Ldª, intentou contra B acção declarativa pedindo, com base na resolução de um contrato-promessa de compra e venda, o reconhecimento do direito a fazer sua a importância de 2.600.000$00 que foi entregue como sinal e a condenação da Ré na restituição de duas fracções e da quantia de 100.000$00 por cada mês entre a citação e a efectiva entrega, acrescida de juros de mora à taxa legal.

Alega a celebração de um contrato-promessa entre ambas, sendo a A. na qualidade de promitente vendedora, o qual incidiu sobre duas fracções autónomas de um prédio urbano, cuja fruição foi entregue à Ré ao abrigo de um acordo que qualificou como de comodato.

A Ré recusa-se a outorgar a escritura pública de compra e venda, apesar das diversas diligências que foram feitas. Por outro lado, a falta de cumprimento determinou para a A. a perda de interesse objectivo na realização do contrato.

Concluiu que o incumprimento definitivo determina a restituição das fracções, com retenção do sinal prestado, e implica para a Ré a obrigação de pagar a quantia de 100.000$00 com base na recusa de entrega das fracções a partir da citação.

Na contestação defendeu-se a Ré alegando que a celebração da escritura ficara dependente da condição de ser efectuada a venda de um apartamento que possui no Luxemburgo.

Para a eventualidade de se entender que as circunstâncias com base nas quais as partes celebraram o contrato sofreram alteração, deve considerar-se resolvido o contrato e condenar a A. na devolução do sinal prestado.

Replicou a A.

No despacho saneador foi julgada improcedente a excepção peremptória. Relacionada com a alegada condição.

Dessa decisão agravou a Ré e concluiu que: (

a) O contrato-promessa prevê a possibilidade de a escritura ser retardada por acordo de ambas as partes, cuja marcação competia à R.; (b) A dependência da realização da escritura da condição de a R. vender um apartamento que possui no Luxemburgo cabe nos limites dessa estipulação, estando prevista no contrato inicial, pelo que foi erradamente aplicado o artº 221º do CC; (c) A não ser assim, o exercício do suposto direito da A. constituiria abuso de direito, nos termos do artº 334º do CC; (d) Por isso, a matéria atinente à verificação da condição deveria ser introduzida no questionário Contra-alegou a A.

Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção improcedente.

Apelou a A. e concluiu que: (

a) A R. assumiu na presente acção que só cumpriria a promessa se e quando lograsse vender um apartamento no Luxemburgo, condição essa que não constava do contrato-promessa em questão e que não foi aceite no despacho saneador, e invocou na contestação a resolução do contrato e a consequente restituição do sinal prestado, o que equivale ao seu incumprimento definitivo da promessa.

(b) Tornou-se, portanto, inteiramente desnecessária qualquer diligência da recorrente tendente à conversão da mora em incumprimento definitivo, uma vez que foi a R. que anunciou e assumiu em juízo o incumprimento do contrato-promessa.

(c) De todo o modo, a A. procedeu à interpelação admonitória da recorrida, remetendo-lhe a correspondência de fls. 16 a 19 do arresto, que a recorrida culposamente se furtou a receber, mas que se tem que considerar como chegada ao seu conhecimento; remeteu-lhe também o telegrama de fls. 20 do arresto que se encontra apenso, onde expressamente fez constar que era a “última vez” que iria proceder à marcação da outorga da prometida escritura de compra e venda, sendo certo que decorreram mais de três anos entre a primeira e a última vez que a recorrente interpelou a recorrida com vista à outorga de tal escritura (Abril de 1993 e Fevereiro de 1996).

(d) Assim, não só foi feita a interpelação admonitória da recorrida pela recorrente, como também aquela dispôs de um prazo bastante mais do que razoável para se propor outorgar a escritura pública em falta.

(e) Nessa conformidade, ao considerar ainda necessária a ocorrência de interpelação admonitória da recorrida e ao sustentar que a recorrente não procedeu a essa diligência, nem tão-pouco concedeu àquela um prazo razoável para que fosse cumprida a respectiva prestação, foi violado o disposto nos arts. 224º, nº 2, 406°, 442º, nº 2, 798°, 799° e 808° do CC.

(f) Por outro lado, tal como resulta do relatório pericial de fls. 139 a 142 e da resposta dada ao quesito 10°, as duas fracções autónomas em questão (apartamento e garagem) valiam, em Junho de 1999, não menos de 15.020 contos, tendo sido prometidas vender à recorrida pelo preço conjunto de 14.000 contos.

(g) Por isso, ao considerar que o objecto do contrato-promessa não sofreu qualquer acréscimo de valorização, fez-se errada apreciação da matéria de facto que havia sido provada, incorrendo, desse modo, a sentença em violação do disposto no artº 515° do CPC, bem como em violação do preceituado nos arts. 406° e 808° do CC, quando nela se sustentou não existir objectiva perda de interesse da recorrente na prestação contratual que lhe era devida pela recorrida.

(h) Por último, ao recusar a desocupação das fracções autónomas pela recorrida e ao negar a condenação da Ré no valor das rendas mensais, incorreu a sentença na violação do disposto nos arts. 406°, 564°, 570°, 798°, 1135° e 1137° do CC.

Houve contra-alegações.

Foram corridos os vistos.

II – Quanto ao agravo: 1. Alegou a Ré na contestação que não marcou a escritura de compra e venda porque logo de início ficara acordado que o pagamento da parte restante do preço apenas seria efectuado quando a Ré vendesse um apartamento no Luxemburgo.

Considerou-se na decisão agravada que ainda que tal cláusula tivesse sido acordada, seria nula, por preterição de formalidade legal, assim se declarando a sua improcedência.

Cumpre decidir o agravo.

  1. O contrato-promessa de compra e venda está sujeito às formalidades constantes do artº 410º do CC, impondo a formalização das declarações em documento particular, com reconhecimento presencial das assinaturas.

    A matéria de facto relativa à suposta condição, onde a Ré fundou a sua defesa por excepção, integra potencialmente uma declaração contemporânea da realização do contrato.

    Ora, nos termos do artº 221º, nº 1, do CC, tais convenções são nulas quando não respeitem a exigência formal imposta para a declaração negocial, a não ser que a razão determinante da forma lhes não seja aplicável e que correspondam à vontade do autor da declaração.( Sobre a interpretação deste segmento normativo cfr. Pereira Delgado, in Do Contrato-Promessa, pág. 141, onde, depois de apelar ao casuísmo na verificação da razão determinante da forma, refere as estipulações verbais deverão respeitar a forma do contrato quando esteja em causa “garantir a ponderação das partes” quanto ao conteúdo das obrigações.

    ) Os requisitos de forma atinentes ao contrato-promessa de compra e venda de imóveis são impostos por razões de segurança jurídica e certeza dos vínculos contratuais.

    Não restam dúvidas que as exigências constantes do artº 410º do CC para o referido contrato-promessa são extensivas a uma eventual cláusula de onde resulte a sujeição da celebração do contrato prometido a uma condição suspensiva, tal a insegurança que, na perspectiva do promitente vendedor, emerge da sua aposição, quanto à exigibilidade do cumprimento da obrigação relativa ao contrato prometido.

  2. Diz a Ré que essa pretensa convenção dever-se-ia considerar abarcada pela cláusula 4ª do contrato.

    Segundo o aí estipulado, “a celebração da escritura de compra e venda está prevista para o mês de Junho de 1993, podendo contudo ser antecipada ou retardada se for de acordo de ambas as partes. Se a escritura de compra e venda for efectuada em data posterior à agora prevista será da responsabilidade do segundo outorgante a marcação da mesma, bem como terá de avisar o primeiro outorgante por carta, hora e Cartório Notarial onde a referida escritura se realizar, com pelo menos dez dias de antecedência”.

    O que daí resulta é simplesmente a possibilidade de a escritura ser antecipada ou retardada por acordo de ambas as partes. E que se, por esse motivo, a escritura não se realizasse até à data inicialmente prevista, recaía sobre a Ré o dever de diligenciar pela sua marcação.

    Mas este resultado não se confunde minimamente com a sujeição da promitente vendedora aos efeitos derivados de uma condição de verificação tão incerta quanto a que a Ré veio invocar e que deixaria a obrigação de outorga da escritura dependente da verificação de um acontecimento futuro, inteiramente na disponibilidade da Ré, sem qualquer possibilidade de controlo por parte da promitente vendedora.

    Efectivamente, com a alegada cláusula, a A., malgrado ser uma sociedade que se dedica à indústria da construção civil, construindo prédios para venda, com vista à obtenção de lucros, ficaria “À Espera de Godot”, o mesmo é dizer a aguardar que se verificasse uma ocorrência na total dependência da vontade, dos esforços ou dos interesses da Ré.

    A constatação adicional, feita a partir da confissão da Ré inserida na contestação e confirmada ainda pela análise do processo de que, decorridos 7 anos (!) após o pretenso acordo, ainda não foi concretizada a famigerada venda da fracção sita no Luxemburgo, aliada à atitude de total demissão relativamente aos deveres de colaboração a que, como parte num contrato, estava sujeita, apenas vem confirmar o relevo que objectivamente deveria ser atribuída a uma tal cláusula, para efeitos de a sujeitar à mesma forma a que obedeceu o contrato-promessa.

    Por isso, não existe fundamento para censurar a antecipada decisão da excepção no despacho saneador e a consequente omissão de factos relativos a tal excepção, atenta a sua inutilidade.

    A suposta cláusula estaria ferida de nulidade, nada impedindo que a excepção peremptória que nela se apoiava fosse imediatamente julgada improcedente, sem mais averiguações.

  3. Não tem a menor consistência a questão suscitada a respeito do abuso de direito relativamente à desconsideração da pretensa cláusula...

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