Acórdão nº 06S2715 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 28 de Março de 2007

Magistrado ResponsávelVASQUES DINIS
Data da Resolução28 de Março de 2007
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I 1.

"AA" instaurou, no Tribunal do Trabalho de Almada, contra "Empresa-A, acção com processo comum emergente de contrato de trabalho, pedindo a condenação desta no pagamento de € 79.756,92, com fundamento em rescisão com justa causa do contrato de trabalho.

Alegou, em síntese, que: - começou a trabalhar para a Ré em 1 de Dezembro de 1967, prestando desde 1990 a sua actividade profissional como vendedor; - recebia, como contrapartida da prestação do trabalho, uma remuneração mista, composta por uma parte fixa e outra variável, referente a comissões sobre as vendas que efectuava; - a partir de finais de 2002, a Ré alterou não só a sua zona normal de venda, como a natureza de (alguns) produtos que tinha que vender; - por tal motivo, viu a sua retribuição diminuída de cerca de € 2.000,00 mensais para cerca de € 600,00; - daí que face da nova zona de vendas que a Ré lhe impôs e diminuição da retribuição, rescindiu o contrato de trabalho com a invocação de justa causa 2.

Na contestação, a Ré, pugnando pela improcedência da acção, sustentou, em substância, que nem aquando da contratação do Autor, nem posteriormente, acordou com ele qualquer zona específica de vendas, pelo que era livre de mudá-lo para outra zona de vendas, e que a retribuição do Autor diminuiu por culpa deste, uma vez que a Ré até lhe aumentou a percentagem de vendas.

  1. Na primeira instância, a Ré foi condenada a pagar ao Autor a importância pedida, por sentença que veio a ser confirmada pelo Tribunal da Relação de Lisboa.

    Do acórdão da Relação interpôs a Ré o presente recurso de revista, tendo, na respectiva alegação, formulado as seguintes conclusões:

    1. A decisão recorrida deve ser revogada porque, tendo a Ré alegado, conforme conclusão B) da alegação, que o Mmo. Juiz [devia] ter dado como provado o que o Autor confessou no art. 48. ° da sua petição inicial, isto é, que, apesar de instado a fazer um plano de visitas e a estabelecer contactos em todo o país, o Autor nunca efectuou qualquer diligência fora da sua zona anterior, ou seja, da baixa de Lisboa e zona de Setúbal, não se pronunciou sobre a questão. O acórdão deixou de se pronunciar sobre questão de que devia tomar conhecimento, pelo que está assim ferido de nulidade, o que expressamente se alega nos termos do art. 668. °, n.º 1, alínea d) e 3, do Cód. de Proc. Civil.

    2. O acórdão recorrido deve ser revogado por ser falso que as circunstâncias em que a Ré ordenou a mudança de zona de venda do Autor tenham diminuído objectivamente a retribuição do trabalhador, uma vez que a variação da mesma dependia, essencial e contratualmente, de factores subjectivos e aleatórios.

    3. O acórdão recorrido deve ser revogado porque é ilegal ao condicionar o direito da Ré de alteração da zona de venda à não afectação das condições que determinavam o recebimento da retribuição do Autor, como se esta não se subdividisse entre uma parte fixa e uma parte variável, em função das vendas realizadas aos clientes que, em cada momento, lhe estivessem distribuídos.

    4. O acórdão recorrido deve ser revogado, uma vez que a matéria de facto dada como provada não permitia concluir que a Ré tivesse perfeito conhecimento de que ao mudar a área de zona de vendas, o Autor não teria qualquer hipótese de atingir uma retribuição próxima da que recebia, pois não pondera os factos de que a empresa tinha majorado a comissão sobre vendas e atribuído prémios sobre vendas, nem considera que o Autor havia limitado, durante cinco meses, o seu esforço à Zona de Lisboa/Setúbal, nem pondera que uma das funções do Autor seria, efectivamente, reactivar as relações com os clientes da zona 199.

    5. O acórdão deve ser revogado, uma vez que a matéria de facto dada como provada não permitia concluir que a Ré sabia que com a colocação do Autor na zona 199 iria diminuir drasticamente a retribuição mensal do Autor, sem minimamente ser ponderada a majoração das comissões, a atribuição de prémios, a diligência do Autor ou, simplesmente, se atentar no facto de que, sem saberem os fundamentos da fixação dos objectivos para a zona 199, os Venerandos Desembargadores não poderem concluir sobre a adequação desse factor para esclarecimento da sabedoria da Ré.

    6. O acórdão recorrido deve ser revogado, uma vez que a matéria de facto dada como provada não permitia concluir que a retribuição do Autor havia descido apesar do trabalho desenvolvido pelo Autor, pois nada está demonstrado a respeito de tal trabalho.

    7. O acórdão recorrido deve ser revogado porque desconfigura, em absoluto, o sentido da atribuição de uma retribuição variável.

    8. A decisão em recurso ao fundamentar a existência de justa causa do Autor para se despedir no facto de, com a alteração da zona de vendas, a Ré ter lesado interesses patrimoniais sérios do trabalhador, alterando as condições que determinavam o recebimento da sua retribuição, viola a lei que reconhece à Ré o direito de livremente alterar a zona de venda atribuída, sem exigir que essa alteração não afecte as condições que determinavam o recebimento da retribuição, desde que se salvaguarde a parte fixa da retribuição.

    9. A decisão em recurso deve ser revogada porque a diminuição da remuneração variável é lícita, uma vez que as partes optaram por uma remuneração que contemplava uma parte variável em função das vendas efectuadas pelos clientes atribuídos pela Ré, a qual assume um carácter de prémio que nunca está garantido nem assegurado.

    10. A decisão em recurso deve ser revogada porque não pondera o facto, assente nos autos, de a Ré nunca se ter comprometido perante o Autor a garantir uma parte mínima de retribuição variável, nem nunca ter prescindido do direito a uma alteração unilateral das áreas de actuação ou do tipo de clientes atribuídos ao Autor.

    11. A decisão em recurso deve ser revogada porque a restrição perfilhada impediria as alterações de zona de venda por decisão da entidade patronal, uma vez que todas as alterações implicam modificações nas condições que determinam o recebimento da retribuição, sempre que esta tiver uma parte variável constituída por comissões de vendas .

    12. A decisão em recurso deve ser revogada porque considera que a Ré tinha o ónus de demonstrar que o Autor não se esforçou por promover as vendas na nova zona que lhe foi atribuída, mas tal ónus não existe porque é incompatível com o risco, aceite pelas partes, de que o empenho dos vendedores na angariação e satisfação dos clientes faça variar, para cima ou para baixo, tanto o volume de vendas, no que respeita à empresa Ré, como o montante da retribuição, no que concerne ao vendedor.

    Finalizando, defendeu que deve: a) ser ordenada a baixa dos autos à segunda instância para que seja alterada a decisão da primeira instância sobre a matéria de facto, nos termos previstos no art. 712.º, n.º 1, alínea a) e b) e n.º 2, do CPC.

    1. ser revogada a decisão recorrida e a Ré absolvida do pedido formulado pelo Autor, por falta de fundamento legal para o mesmo.

    O Autor não contra-alegou.

    Neste Supremo, a Exma. Magistrada do Ministério Público emitiu parecer no sentido de ser negada a revista.

  2. Face ao teor das conclusões da revista, as questões nela suscitadas são as seguintes: - Nulidade do acórdão, por omissão de pronúncia, quanto à pretendida alteração da matéria de facto, resultante da alegada confissão do Autor no artigo 48.º da petição inicial; - Existência, ou não, de fundamento para o Autor rescindir com justa causa o contrato de trabalho; Corridos os vistos, cumpre decidir.

    II 1. As instâncias declararam provados, nos termos que se transcrevem, os seguintes factos: 1. O Autor foi admitido ao serviço da Ré no dia 1 de Dezembro de 1967, como Praticante Caixeiro, nas instalações da Ré sitas no Largo do Rato, em Lisboa.

  3. Em 15 de Outubro de 1990, através de concurso interno, o Autor passou a exercer a actividade com a categoria profissional de vendedor.

  4. Como contrapartida do trabalho prestado, o Autor receberia uma remuneração mista, composta por uma parte fixa e outra variável, traduzida por comissões sobre as vendas.

  5. As relações contratuais de trabalho entre o Autor e a Ré são regidas pelo Contrato Colectivo de Trabalho Sector Armazenista de Papel - B.T.E. n.º. 39 de 22/10/1987.

  6. O Autor dispunha, em 29 de Outubro de 2002, duma carteira de clientes - na sua maioria fidelizados na Empresa-A - que correspondia a um volume de vendas superior a 1.000.000 €.

    (1) 7. O Autor tinha como Zona de Vendas a Baixa de Lisboa + Distrito de Setúbal.

  7. No ano de 2001, o Autor auferiu de rendimentos, da sua actividade como vendedor por conta da Ré, a quantia, ilíquida, de € 32.506,76, o que dá uma média mensal de € 2.321,91 (32.506,76:14).

  8. No ano de 2002, o Autor auferiu de rendimentos, da sua actividade como vendedor por conta Ré, a quantia ilíquida, de € 31.016,54, o que dá uma média mensal de € 2.215,47 (32.506,76:14).

  9. No ano de 2003, o Autor viu o seu rendimento substancialmente reduzido porque a Ré, contra a vontade do Autor, lhe retirou a área...

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