Acórdão nº 06B4413 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 15 de Março de 2007

Magistrado ResponsávelGIL ROQUE
Data da Resolução15 de Março de 2007
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I - RELATÓRIO: 1- A Sociedade Protectora dos Animais intentou, no Tribunal Cível da Comarca de Lisboa, a presente acção declarativa de condenação com processo ordinário (n.o 2117/04, 3.ª secção, 2.ª Vara), contra o Clube de Tiro de ...

e a Federação Portuguesa ..., pedindo que fosse declarada ilícita a actividade destes Réus, consistente na prática de tiro a animais, maxime a pombos, e que, por consequência, fossem os mesmos condenados a absterem-se de realizar os concursos de tiro aos pombos que estavam marcados para os dias 26, 27 e 28 de Março de 2004, e, bem assim, a absterem-se de realizar estas provas em quaisquer outras datas.

Alegou, para tanto, e em síntese, que: - é uma associação zoófila, cujos estatutos foram aprovados pelo alvará n.° 23/949, de 13 de Junho de 1949; - tem como fins, entre outros, impedir e reprimir tudo quanto represente crueldade contra animais e assegurar o respeito pelos seus direitos; - tem conhecimento de que os Réus organizaram concursos de tiro com chumbo e utilização de alvos vivos; - os Réus promoveram, nas instalações do Clube de Tiro de ....., um torneio de tiro aos pombos, que teve lugar em 7 e 8 de Fevereiro de 2004; - iriam levar a cabo, nas instalações do Clube de Tiro de ...., um torneio de tiro aos pombos nos dias 26, 27 e 28 de Março do corrente ano de 2004, provas que integram a Taça de Portugal de 2004; - porém, tais provas só não se realizaram porque foi interposto um procedimento cautelar, com vista a impedir a sua realização, e que foi julgado procedente.

- entende que tal prática é claramente violadora do disposto no art. 1.0 da Lei n.º 92/95, de 12 de Setembro, que estipula, no seu n.°1, que "são proibidas todas as violências injustificadas contra animais, considerando-se como tais os actos consistentes em, sem necessidade, infligir a morte, o sofrimento cruel e prolongado ou graves lesões a um animal"; nos torneios organizados pelos Réus, os pombos são sacrificados, aos milhares, apenas por uma questão de divertimento e gozo dos atiradores e espectadores.

Devidamente citados, os réus vieram contestar, defendendo a legalidade da actividade de tiro ao voo em Portugal, e, portanto, pedindo que a acção seja julgada improcedente, devendo ser absolvidos do pedido.

Proferido o despacho saneador, fixados os factos assentes e elaborados os quesitos da base instrutória, procedeu-se à audiência de discussão e julgamento, e foi proferida sentença em que, julgando-se a presente acção procedente, se declarou ilícita a actividade dos Réus, consistente na prática de tiro a animais, maxime a pombos, condenando-se os mesmos Réus, a título definitivo, a absterem-se de realizar os concursos de tiro aos pombos que estavam marcados para os dias 26, 27 e 28 de Março de 2004 e, bem assim, a absterem-se de as realizar em quaisquer outras datas.

Apelaram os Réus e na sequência do recurso, foi proferido acórdão que julgando procedente a apelação, revogou a sentença recorrida, declarou lícita a actividade desportiva de tiro ao voo de pombos e absolveu os réus/apelantes do pedido.

2 - Inconformada, recorreu de revista a autora e foram apresentadas alegações e contra-alegações, concluindo a recorrente nas suas do seguinte modo: - O art. 1º da Lei 92/95 aponta como regra geral a proibição de todas as violências injustificadas contra animais, pelo que o conceito de "necessidade" tem que ser aferido face à" ratio" da própria lei em questão e face ao escopo que ela visa alcançar.

- A necessidade, que se consubstancia na permissão de violar o bem autónomo que é a protecção dos direitos dos animais, implica, antes de mais, que haja uma utilidade válida na protecção de um bem jurídico superior, para o homem ou para a sociedade.

- Na actividade desportiva em apreço, o objectivo é matar os animais, sendo certo que os que não têm esse malfadado destino, acabam por sofrer lesões graves. São raras as vezes que um pombo escapa ileso ou com apenas lesões insignificantes.

- Da penetração do chumbo de espingarda num animal, com as características do pombo, decorrerá directa e consequentemente graves lesões no animal ou a sua morte, encontrando-se assim plenamente preenchida com a prática aqui em crise - e em mais que uma vertente a dimensão material da conduta humana considerada antijurídica pela Lei 92/95, de 12 de Setembro.

- É necessário ponderar se o valor que se pretende salvaguardar com a actividade dos recorridos e que tem como consequência directa a morte de milhares de animais (ponto 4), é superior ao valor subjacente às medidas de protecção animal consubstanciadas na Lei n.º 92/95 - a sua dignidade autónoma enquanto seres vivos.

- Nos concursos de tiro ao voo, não se retira qualquer utilidade pela morte dos pombos, que não seja um acréscimo de dificuldade em termos da perícia do atirador. Os animais servem de mero objecto-alvo, cujas funções são facilmente substituíveis por um número variado de objectos inanimados. A referida utilidade não é passível de atendimento na medida em que manifestamente o valor a atender para a sua violação é inferior ao que subjaz à protecção dos animais.

- Numa prova de tiro está a discutir-se a perícia dos atiradores. É este o objecto de um campeonato ou torneio de tiro, seja a hélices, a alvos vivos ou a pratos. O critério da "necessidade" da morte, graves lesões ou sofrimento cruel e prolongado dos animais tem que ser aferido tendo em conta esta realidade e não outra - A substituição de animais vivos por alvos artificiais (tiro aos pratos e às hélices) não iria aliás deturpar o desporto que continuaria com mesma eficácia e objectivos, mas com uma pequena grande diferença - a substituição em apreço traduziria uma evolução civilizacional consentânea com os valores dominantes na sociedade portuguesa do século XXI, que de modo algum se sente identificada com uma prática que se traduz em utilizar animais enquanto alvos.

- O facto de a actividade desenvolvida pelo Recorrido ser coordenada por uma pessoa colectiva de interesse público cuja qualidade foi adquirida no ano de 1994, não justifica, só por si, a utilização de animais de voo para o acto.

A pessoa colectiva terá de acatar o direito vigente, se porventura lhe proibir esta actividade. Terá de adaptar-se à nova situação jurídica, se esta não lhe permitir o uso de animais de voo, para serem abatidos nos concursos que superintende.

- O texto final da Lei n.º 92/95, de 12 de Setembro, não ressalva a modalidade em questão no presente recurso e o legislador certamente não a desconhecia.

- Ao retirar a proibição da versão inicial, pretendeu o legislador adoptar uma boa técnica legislativa. Poderia o legislador fazer uma enumeração taxativa e exaustiva do que o ordenamento jurídico considera proibido. Tais enumerações, no entanto, nunca são aconselháveis por falíveis, sendo utilizadas apenas para melhor clarificação da Lei. À altura da elaboração do texto final, o legislador considerou que o art.º1, n.º1, da Lei 92/95 era suficientemente claro - Enquanto a actividade de tiro ao pombo assenta na manutenção ou desenvolvimento da perícia no manejo de armas de fogo de caça por parte dos concorrentes, no desenvolvimento duma actividade lúdica, nas largadas previstas no regime da caça, a sua finalidade é o acto venatório.

- O suposto paralelismo com a caça, por via das largadas, era defendido pelos recorridos e foi à Base Instrutória (quesito 9) com a seguinte formulação: Existe semelhança total entre a actividade do tiro aos pombos e as chamadas largadas (...). A resposta foi negativa e a Relação não a alterou.

- No caso da pesca desportiva, o peixe é mantido vivo num recipiente com água e devolvido ao rio ou mar logo que o concurso acaba. A actividade, ao contrário, do tiro ao alvo não implica a morte ou sofrimento dos animais. Mesmo no caso da pesca dita amadora, esta tem sempre subjacente a alimentação do Homem.

Além de que não existem alternativas mecânicas à pesca desportiva.

- As touradas, por seu lado, têm um longo passado histórico, tendo sido declaradas "práticas nacionais" aquando da ocupação castelhana, e bem assim, actualmente, encontram-se adstritas principalmente às zonas do Ribatejo, do Alentejo e a grande parte da zona Raiana.

- A actividade de tiro aos pombos não encontra qualquer paralelismo com as outras actividades indicadas pelo tribunal a quo. E mesmo que se considerasse haver algumas semelhanças no plano descritivo entre o tiro aos pombos e outras actividades desportivas, a verdade é que não existe uma equivalência normativa das situações.

- Na realidade, no ponto 16 da matéria dada como provada pelo Tribunal de 1ª Instância, pode ler-se claramente: "Nos torneios de tiro aos pombos existem árbitros, sanções aplicadas aos atiradores que não...

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