Acórdão nº 06S3538 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 07 de Fevereiro de 2007
Magistrado Responsável | SOUSA GRANDÃO |
Data da Resolução | 07 de Fevereiro de 2007 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: 1- RELATÓRIO 1.1.
"AA" intentou, no Tribunal do Trabalho de Lisboa, acção declarativa de condenação, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra "Empresa-A", pedindo, com fundamento em despedimento ilícito de que acha ter sido alvo por parte da Ré, que esta seja condenada a reintegrá-la no seu posto de trabalho - sem prejuízo da eventual opção por indemnização de antiguidade - e a pagar-lhe as componentes retributivas e moratórias discriminadas na petição inicial.
Por entender que o vínculo celebrado entre as partes configura um contrato de prestação de serviços, a Ré reclama a improcedência da acção e a sua consequente absolvição do pedido.
1.2.
Sufragando por inteiro a tese da Autora, a 1ª instância concedeu-lhe integral ganho de causa, condenando a Ré a pagar-lhe as quantias peticionadas e, bem assim, o montante indemnizatório correspondente à sua antiguidade na empresa, em decorrência da opção exercida oportunamente pela Autora.
Sob provida apelação da Ré - que impugnou a decisão relativa à matéria de facto e a qualificação, como vínculo laboral, dada ao contrato - o Tribunal da Relação revogou a sentença e absolveu a mesma Ré do pedido.
Para o efeito, a instância de recurso entendeu que o acervo factual coligido - que alterou parcialmente - não permitia qualificar o contrato ajuizado como "contrato de trabalho", fazendo recair desfavoravelmente sobre a Autora o ónus dessa insuficiência probatória.
1.3.
Irresignada com tal decisão, a Autora pede a presente revista, formulando as seguintes conclusões: A) O Supremo Tribunal de Justiça tem legitimidade para sindicar o bom ou mau uso dos poderes de alteração/modificação da decisão de facto que são conferidos ao Tribunal da Relação no quadro do art° 712°, n.º 1, do CPC, visando a regularidade formal do processo decisório em sede de matéria de facto; B) Nas conclusões das alegações de recurso oferecidas pela seguradora não foram identificados quais os pontos da matéria de facto que, em concreto, a apelante pretendia ver modificada, sendo certo que a parte que queira que o Tribunal da Relação reaprecie os depoimentos gravados tem de indicar, nas conclusões de recurso, os pontos concretos da matéria de facto que pretende ver modificados e os concretos meios de prova que, no seu entender, implicariam uma decisão diferente; C) Não tendo a apelante cumprindo com este encargo, a decisão recorrida é nula pelo facto de se ter pronunciado sobre questão de que não podia conhecer; D) No ponto 13° da matéria de facto referia-se que "A Autora exercia a sua actividade ao serviço da Ré, sob a autoridade e orientação do Director Clínico e do Director Administrativo do hospital"; E) A seguradora alegou que resulta do depoimento das testemunhas que a A. não era orientada pelo ex-Director Clínico nem pelo Director Administrativo; F) O ponto 13° da matéria de facto refere a autoridade e orientação do Director Clínico e do Director Administrativo; G) Visando demonstrar que a Autora não era orientada pelo Director Clínico e pelo Director Administrativo, a seguradora indicou o depoimento do Director Administrativo, transcrevendo uma parte do seu depoimento, em que este se pronuncia sob contratual mantida com a Autora na vertente administrativa; H) Donde, poderia o Tribunal da Relação, ao sufragar a posição sustentada pela seguradora, concluir que a Autora não logrou provar que exercia a sua actividade sob orientação do Director Administrativo e eliminar essa parte da resposta; I) O Tribunal da Relação não podia, sem que a seguradora recorrente tivesse indicado e transcrito o depoimento testemunhal que alegadamente infirmaria a resposta dada ao quesito na parte em que se refere a orientações do Director Clínico e à autoridade quer deste quer do Director Administrativo, eliminar a totalidade da resposta dada; J) O Tribunal da Relação equivocou-se ao entender que a actividade da A. não era exercida sob orientação do Director Administrativo e cometeu excesso de pronúncia ao entender que a actividade da A. não era exercida sob orientação do Director Clínico e sob autoridade do Director Clínico e do Director Administrativo; K) O que determina a nulidade da decisão, nos termos da alínea d) do n.º 1 do art° 668° do CPC; L) A expressão "sob a autoridade e direcção" apesar de comportar uma componente conclusiva, descreve uma situação de facto com um sentido comum, traduzindo uma realidade facilmente apreensível pela generalidade das pessoas; M) A seguradora não apresentou nenhum argumento que permitisse aferir da desconformidade da resposta dada pelo Juiz da 1ª instância à matéria do ponto 21°, tendo o tribunal recorrido suprido essa lacuna; N) Também quanto à alteração do ponto 21°, face à ausência de qualquer argumento e à omissão de qualquer referência nas conclusões, cometeu o tribunal recorrido pronúncia ao eliminar a resposta à matéria de facto em apreço; O) O mesmo se diga quanto ao ponto 27° da matéria de facto uma vez que, para fundamentar a discordância com a decisão da 1ª instância, que respondeu afirmativamente à matéria em causa [O trabalho da Autora era coordenado pelo Director Clínico] com base no depoimento das testemunhas BB e CC, a seguradora transcreve uma parte do depoimento do Dr. CC que nada tem a ver com a matéria de facto do ponto 27° e, por outro lado, transcreve uma parte do depoimento do Dr. Rui Campos que não fora valorado na resposta dada ao quesito; P) O facto de, como se diz no acórdão, se referir que o "director clínico disse que não se intrometia no trabalho da Autora" - o que não é rigoroso pois o que este disse foi "não me queria meter" porque "o farmacêutico tem uma certa independência relativamente à Direcção Clínica, independência técnica obviamente" - significa que, como é óbvio, poderia, se quisesse, intrometer-se; Q) Donde, o que releva é que o Director Clínico podia exercer ou não a sua autoridade; R) Pelo que é nula, por excesso de pronúncia, a decisão da Relação que eliminou a resposta à matéria de facto constante dos pontos 13°, 21 ° e 27°; S) O controlo de facto em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência não pode aniquilar (até pela própria natureza das coisas) a livre apreciação da prova do julgador, construída dialecticamente na base da imediação e da oralidade" porquanto "a convicção do julgador é constituída dialecticamente, para além dos dados objectivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, também pela análise conjugada das declarações e depoimentos, em função das razões de ciência, das certezas e ainda contradições, hesitações, inflexões de voz, imparcialidade, serenidade, "olhares de súplica" para alguns dos presentes, "linguagem silenciosa e do comportamento", coerência de raciocínio e de atitude, seriedade e sentido de responsabilidade manifestados, coincidências e inverosimilhanças que, porventura, transpareçam em audiência, das mesmas declarações e...
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