Acórdão nº 06P4356 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 14 de Dezembro de 2006

Magistrado ResponsávelCARMONA DA MOTA
Data da Resolução14 de Dezembro de 2006
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1. OS FACTOS (...) 7. No dia 27 de Novembro de 2003, às 17:00, o arguido AA fazendo-se transportar na viatura Ford Transit, OC, estacionou na berma da Estrada Nacional 210 que liga Celorico de Basto a Amarante, entre as localidades de Fermil e Gandarela. 8. Poucos minutos depois, estacionou junto a ele (...) BB (...), que se fazia transportar num veículo Renault Clio, JJ. 9. Breves momentos volvidos, BB saiu do automóvel e dirigiu-se a AA, que lhe entregou um saco, contendo 99,603 g de cocaína, e um saco com 198,12 g de heroína (cfr. exame de fls. 765). 10. No dia 24 de Março de 2004, cerca das 16:00, CC, também conhecido por "...", após ter previamente combinado, encontrou-se com o arguido AA (que ali se deslocou na sua viatura "Volkswagen Golf", HE), na Estrada Nacional nº ..., entre Fermil e Gandarela, junto à localidade de Vale de Bouro. 11. Uma vez ali, o arguido AA fez entrega a CC de cerca de 50 gramas de heroína que este guardou na viatura em que se fazia transportar, um "Fiat Tempra", CE, tendo logo após este encontro regressado à sua residência sita no Lugar de ..., Freixo de Baixo, em Amarante. 12. Pelas 16:20 desse mesmo dia, quando chegava à rotunda entre as localidades de Aboim e Gatão, CC foi mandado parar por agentes da GNR (Brigada de Trânsito) e elementos da Polícia Judiciária do Porto, que lhe vieram a encontrar e apreender (...) uma embalagem de plástico contendo 49,466 gramas de heroína (cfr. exame de fls. 67 do Apenso 742/04.1 JAPRT) (...). 43. No dia 5 de Janeiro de 2005, cerca das 10:30, no decurso de uma busca domiciliária à residência do arguido AA sita na Rua de...., ..., S. Victor, Braga veio ali a ser encontrado e apreendido o seguinte: - Um papel com o nome e morada da arguida DD, junto a fls. 1383; - Dois comprovativos de carregamento dos telemóveis nºs 96-8415399 e 96- 9275521. 44. Nesse mesmo dia foi ainda apreendida a viatura "Volkswagen Golf", HE, examinada a fls. 1488 a 1491, propriedade do arguido AA (...) e por ele utilizada para o transporte de heroína mencionado nos pontos 10) e 11). 45. Os arguidos EE, AA, CC e FF agiram livre, consciente e voluntariamente.

46.

Os arguidos EE, AA, CC conheciam as qualidades estupefacientes dos produtos que detinham e vendiam. (...) 48. Os arguidos EE, AA, CC e FF actuaram cientes que as respectivas condutas eram proibidas e punidas por lei. 49. Os arguidos EE, AA e CC sabiam que a importação, transporte, detenção, preparação e venda de produtos que sabiam ter qualidades estupefacientes não é permitido por lei, fazendo desta actividade a [excepto o arguido AA] (1) a sua principal fonte de rendimentos. 50. O arguido AA fora condenado por acórdão proferido a 15/04/1999 no processo comum n.º 64/98 de Cabeceiras de Basto numa pena de seis anos de prisão pela prática em Setembro de 1997 de um crime de tráfico de estupefacientes. 51. Cumpriu esta pena entre 6 de Setembro de 1997 e 30 de Outubro de 2001, data em que foi restituído à liberdade (2).

52.

Tal condenação anteriormente sofrida não foi suficiente para afastar este arguido da actividade delituosa. (...) 64. O arguido AA é comerciante de produtos hortícolas; tem 3 filhos maiores e possui estudos equivalentes ao 6° ano de escolaridade. (...) 68. Todos gozam de boa consideração junto de vizinhos e amigos.

2. A CONDENAÇÃO Com base nestes e noutros «factos», o tribunal colectivo de Póvoa do Lanhoso, em 28Abr06, condenou AA (-28Set60) (3), como autor reincidente de um crime de tráfico agravado de drogas ilícitas (art. 24.º.b) e c) do DL 15/93), na pena de 7,5 anos de prisão.

3. O RECURSO PARA A Relação 3.1. Inconformado, o arguido AA recorreu à Relação, em 15-05-2006, pedindo o reenvio para novo julgamento ou a desconsideração da «reincidência» e a redução da pena a quatro anos de prisão: 1 - Encontra-se erradamente julgada a matéria de facto dada como provada sob os nºs 4, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 44, 45, 46, 48, 49 e 52. 2 - A matéria apontada está erradamente julgada, porquanto: a) toda a matéria defeituosa que o relaciona com o co-arguido GG não colhe nenhum elemento de prova que o sustente e até as próprias intercepções transcritas na decisão recorrida incutem a ideia de que as conversas tanto podem dizer respeito ao recorrente como a terceiro não identificado; b) a matéria delituosa que o relaciona com BB omite o facto de este, enquanto testemunha, não ter corroborado o que disse enquanto arguido (acta da sessão de 10 de Março, onde se lhe chama HH, fita magnética nº 1, 1928 a 1970) e apela à testemunha II como tendo indicado ser o recorrente a encontrar-se quando o mesmo descreve uma realidade objectivamente distinta da dos elementos da polícia (sessão de 10 de Março, fita magnética 1, 1929 a 1970). É que a omissão da referência ao silêncio de BB e a descrição da testemunha presencial II deixam a clara certeza de não ter sido o recorrente AA a ter entregue o produto estupefaciente que vem a ser apreendido; c) a matéria delituosa que o liga ao co-arguido CC é clamorosamente mal julgada quando se atente no teor do relatado a fls. 145 dos autos principais e no auto de notícia de fls. 2 a 4 do apenso de inquérito 742/04.1 JAPRT, donde resulta uma mera convicção e uma referência a um terceiro como sendo um fornecedor e onde se eleva à categoria de provado que a responsabilidade de uma venda é a do recorrente; e aqui, se bem que a fundamentação da decisão seja tendente a atribuir-lhe a responsabilidade, o certo é que ela é em si contraditória face à ausência de elementos de prova e, para lá disso, apela a testemunhos que não foram produzidos de forma a dar certezas (...): não viram o acto de entrega, que a decisão recorrida vem a catalogar de venda (testemunhas JJ fita magnética 2, 681 a 1780 e fita 3, 0 a 1972; KK - fita magnética 3, 1973 a 3470, fita 4, 0 a 3740 e fita 5, 0 a 680); c) a matéria dada como provada sob o n.º 44 é contrariada pelos documentos do veículo apreendido, que demonstram uma aquisição muito anterior à data em que o recorrente começou a ser alvo de investigação; d) a matéria dada como provada sob 45, 46 e 48 não acolhe sustento em qualquer prova, sendo que ao recorrente nunca foi apreendido dinheiro, droga ou outro elemento e da única abordagem que lhe é feita - a fls 148 a 151 dos autos principais - nada resulta; e) a matéria dada como provada sob 49 é frontalmente contrariada com a que vem dada como apurado sob 64 e não colhe sustentáculo na prova carreada ou produzida, sendo todos unânimes na afirmação de que o recorrente trabalhava. 3 - E, para além disso, assiste-se a uma incompatibilidade entre a decisão e a fundamentação probatória. 4 - É patente que a fundamentação supra transcrita encerra em si um raciocínio que, no intuito de ser sintético, acaba por se contrariar ao apelar a elementos de prova para o sustentar que não existem e existindo os contrariam. 5 - A contradição insanável de fundamentação da sentença ocorre quando esta assentou em factos ou motivos que se mostram como logicamente inconciliáveis, pondo à mostra a impossibilidade de os factos terem ocorrido nos termos em que são nela fixados. É o que se evidencia pela transcrição supra sob 7 quando conjugada com a prova chamada à liça para a fundamentação da convicção do tribunal, sendo que o ponto 7 encerra em si um discurso simplificador e que, na realidade não ocorre, apelando de similar ao que não tem correspondência entre si, indo ao ponto de conjugar os verbos que descrevem a actividade delituosa na alternativa, por referência à palavra "ou", quando se deveria ter dado como certo e sem alternativa. 6 - Neste caso, face ao artigo 426° existem duas alternativas: ou os factos afectados e inconciliáveis podem ser postos de lado por não afectarem a essência da questão a decidir e, então, o tribunal de recurso julgará sem eles; ou são necessários para a decisão e, então, impondo-se a clarificação dessa contradição, deverá proceder-se a novo julgamento na 1ª instância ou, apenas no caso de se tratar de recurso a apreciar na Relação, haverá a hipótese de nesta se renovar a prova. 7 - Nos presentes, impõe-se o reenvio para novo julgamento.

8 - É conclusiva a afirmação segundo a qual «a condenação anterior não serviu para desviar o arguido da prática do crime» e, por isso, insuficiente, sem prova de outros factos onde possa assentar, para suportar a agravação modificativa associada à reincidência. 9 - Decisiva será, em todas as situações, a resposta que o juiz encontre para a questão de saber se ao agente deve censurar-se o não se ter deixado motivar pela advertência contra o crime resultante da condenação ou condenações anteriores. 10 - A ser assim, porque a motivação da sentença, neste ponto, está longe de ir ao cerne da razão de ser daquela punição, a qual não tem, assim, os seus contornos de facto devidamente alicerçados, e porque não se trata de uma deficiência da sentença - que seria de corrigir por reenvio do processo mas da própria acusação, importa concluir que não se verificam os pressupostos de funcionamento da apontada circunstância modificativa, que se tem de ter por arredada.

11 - Assim, perante a matéria dada como apurada (...), sempre é de admitir como adequada e proporcional a pena próxima do limite legal. 12 - Na verdade, o risco da sua integração social é nulo, o seu projecto de vida está perfeitamente estabilizado e orientado no mundo do trabalho e a imagem social que deixa passar é francamente positiva. 13 - Assim, sob pena de se hipotecar o futuro do recorrente e, porquanto o mesmo demonstra ter hábitos de trabalho e atento o decurso do tempo sem que o mesmo tenha demonstrado ou evidenciado um qualquer desvio pelos caminhos do crime, deverá o mesmo, atenta a idade, o facto de ser o garante económico do agregado familiar e ser, de facto um trabalhador, deve a pena que vier a ser encontrada objecto de atenuação, por forma a que o mesmo, a ser privado da sua liberdade, o seja o menos tempo possível. 14 - Adequa-se, assim, a pena de 4...

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